Correio braziliense, n. 20425, 23/04/2019. Política, p. 2

 

As ações dos "sangues-azuis"

Vera Batista

23/04/2019

 

 

Centrais sindicais, federações e confederações de trabalhadores, especialmente aquelas ligadas aos servidores públicos federais das carreiras de Estado, estão cirurgicamente organizadas e alinhadas para barrar a proposta de Emenda à Constituição (PEC) da reforma da Previdência, em tramitação na Câmara dos Deputados. Os chamados sangues-azuis passaram a usar as mesmas armas do governo, com uma guerra de propaganda em mídias sociais e tradicionais. Dinheiro a rodo que jorra em defesa de categorias específicas, mas não necessariamente em benefício da sociedade, de acordo com especialistas.

Ao olhar a agenda de atividades — manifestações, paralisações, visitas a autoridades e parlamentares —, analistas do mercado observam que o foco da elite do serviço público não mudou: é salvaguardar os próprios interesses. Do contrário, teriam, em passado recente, atuação efetiva em decisões que atingiram a parte mais pobre da população, como a reforma trabalhista e a terceirização irrestrita. Mas com a previsão de aumento do desconto nos salários — de 11% para 14% até 22% da contribuição previdenciária —, e a intenção de economia R$ 29,3 bilhões em 10 anos, a reação foi imediata.

“Nas alterações na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) para milhões do setor privado, nenhum servidor se mexeu de verdade. Eles ficaram caladinhos, em negociações com o governo, para evitar o fim do imposto sindical. Achavam que uma ação mais contundente os prejudicaria. Publicamente, até diziam que eram contra. Mas, nos bastidores, reinava o ‘não é da minha conta’”, destacou um técnico que não quis se identificar.

No entender do economista Gil Castello Branco, secretário-geral da Associação Contas Abertas, sem a reforma, o futuro do país é incerto. O corporativismo no setor público é um dos mais organizados, admitiu. “São cerca de 1,1 milhão de federais e de mais de 12 milhões de funcionários estaduais e municipais no país, que pensam com o bolso e têm a receptividade dos parlamentares, que pensam com o voto. Esse é o drama. Cada carreira olha para o próprio umbigo ou para o benefício do vizinho”, ironizou Castello Branco. Ele lembrou que o rombo total da Previdência, de R$ 265,2 bilhões em 2018, tende a crescer para R$ 294,9 bilhões este ano.

Capitalização

Vladimir Nepomuceno, ex-assessor do Ministério do Planejamento, assinalou que a estratégia dos servidores está equivocada. O eixo central deveria ser o projeto de capitalização da Previdência e a retirada dos direitos dos trabalhadores da Constituição. Como exemplo, ele citou o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Antes do FGTS, o trabalhador se tornava “estável” com 10 anos de serviço. Se fosse demitido após o período, recebia uma grande indenização. “Perto do prazo, os patrões demitiam e contratavam com a opção pelo FGTS e salário maior. Em pouco tempo, na década de 1960, o FGTS deixou de ser uma opção. Quem não aceitava não tinha emprego. O mesmo vai acontecer com a capitalização. Se for adotada, ninguém mais se livrará dela”, disse Nepomuceno.