Correio braziliense, n. 20425, 23/04/2019. Economia, p. 6

 

União não consegue frear renúncia fiscal

Rosana Hessel

23/04/2019

 

 

Conjuntura/ Apesar do recuo dos empréstimos com juros subsidiados, governo mantém altos os benefícios tributários, que cresceram quatro vezes mais do que o PIB em 2018. Tendência é de que atinjam R$ 303 bilhões neste ano ante R$ 292,8 bilhões do anterior

As contas públicas seguem desequilibradas e o governo não consegue frear a fatura das renúncias fiscais, que crescem em ritmo mais acelerado do que o do Produto Interno Bruto (PIB). A despesa com benefícios tributários avançou quatro vezes mais rápido que o PIB de 2018, de 1,1%, somando R$ 292,8 bilhões no ano passado. Foi um aumento de 4,8% sobre os R$ 278,7 bilhões registrados em 2017, conforme dados divulgados ontem pelo Ministério da Economia.

A previsão inicial do governo para essa conta era de R$ 283,4 bilhões, dando indícios de que as autoridades não estão conseguindo frear essa despesa, que gira em torno de 4,3% do PIB. Neste ano, a estimativa da equipe econômica é de que essa conta continue crescendo e chegue em R$ 303,4 bilhões. E, até, 2022, alcançará R$ 354,1 bilhões, conforme o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2020 enviado ao Congresso no último dia 15.

Na contramão, as despesas com benefícios financeiros e creditícios estão em queda e foram responsáveis pelo recuo de 13,4% na conta de subsídios da União em 2018 na comparação com o ano anterior, somando R$ 314,2 bilhões. Em 2017, o total de incentivos fiscais e financeiros foi de R$ 362,9 bilhões. Isso ocorreu devido à retração de empréstimos com juros subsidiados, que somaram R$ 21,4 bilhões, ou 0,3% do PIB, de acordo com o secretário de Avaliação, Planejamento, Energia e Loteria, Alexandre Manoel Angelo da Silva. No ano anterior, esse percentual era de 1,3%, ou R$ 84,2 bilhões.

Na avaliação do secretário, essa queda, em grande parte, foi resultado da mudança na política de subsídios financeiros, como a reformulação do Financiamento Estudantil (Fies), onde as universidades passaram a participar do custo do risco de inadimplência; e da liquidação antecipada pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) de parcela dos empréstimos com a União. No ano passado, o BNDES devolveu R$ 130 bilhões aos cofres do Tesouro Nacional.

“De 2015 para cá, se iniciou um ajuste, focado nos subsídios financeiros e creditícios. Se o governo quiser continuar cortando despesa, o ajuste a ser seguido é do de subsídios tributários”, afirmou Silva. Ele reconheceu que, os gastos tributários têm aumentando, inclusive, porque há migração de quem perdeu o benefício financeiro e tentou equilibrar as contas com isenção fiscal.

Regra afrouxada

A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) deste ano tinha um artigo que obrigava o governo a reduzir essa despesa pela metade em um prazo de 10 anos. No entanto, a nova equipe econômica afrouxou a regra que visava ajudar a sustentar o teto de gastos. Conforme o artigo 110 do PLDO, o presidente Jair Bolsonaro poderá encaminhar ao Congresso um plano de revisão de benefícios tributários “com previsão de redução anual equivalente a 0,5% do PIB até 2022”. “Desse jeito vai ser mais difícil cortar os gastos tributários”, criticou o economista Bruno Lavieri, da 4E Consultoria. Ele considera o volume de despesa atual muito elevado e, por conta disso, ele contribui para os rombos fiscais registrados desde 2014.

Conforme dados do Tribunal de Contas da União (TCU), mais de 80% dos subsídios não são devidamente avaliados. O líder dessa despesa é o Simples Nacional, que deverá consumir quase 26% do projetado para 2020, chegando a R$ 84,3 bilhões. Em segundo lugar, estão os Rendimentos isentos e não tributáveis do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF), que somam menos que a metade do Simples: R$ 37,8 bilhões. Já a terceira maior renúncia tributária da União é para igrejas e entidades sem fins lucrativos, que custam mais do que um Bolsa Família por ano: R$ 30,7 bilhões. “O governo não gasta com esse benefício, mas sim, deixa de arrecadar. Não podemos deixar de observar que montar uma igreja é um negócio lucrativo”, observou Lavieri.

No próximo dia 30, o Comitê de Monitoramento e Avaliação dos Subsídios da União (CMAS) fará a primeira reunião para definir uma agenda. Silva, que integra o grupo, explicou que ainda serão definidas as prioridades. “A equipe do governo anterior já fez um diagnóstico. Espero que ele seja aproveitado, mas sabemos que, no momento atual, o novo governo não quer desgastar ainda mais a área política, anunciando que vai retirar subsídios enquanto tenta negociar a reforma da Previdência”, alertou Lavieri. Para ele, se os estudos já realizados não forem aproveitados, haverá um “retrocesso” no ajuste fiscal.

“De 2015 para cá, se iniciou um ajuste, focado nos subsídios financeiros e creditícios. Se o governo quiser continuar cortando despesa, o ajuste a ser seguido é do de subsídios tributários”

Alexandre Manoel Angelo da Silva, secretário de Avaliação, Planejamento, Energia e Loteria

Cade apura prejuízo à fintech

A superintendência geral do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) abriu ontem processo contra quatro bancos para investigar discriminação ao Nubank. Banco do Brasil, Bradesco, Caixa e Santander são alvo do processo, que apura se as instituições dificultariam o acesso ao débito automático para os clientes da fintech. O processo foi aberto depois de indícios levantados em investigação do conselho que começou em março do ano passado. Segundo parecer da superintendência, os bancos não permitiam o pagamento das faturas de cartões de crédito Nubank no débito automático. Em nota, a Caixa informou que “presta o serviço de débito automático às instituições financeiras e de pagamento em estrita consonância com normas do sistema financeiro”. O BB informou que “prestou todas as informações solicitadas pelo Cade e continua à disposição do órgão para qualquer novo esclarecimento”. Bradesco e Santander não responderam até o fechamento desta edição.

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Projeção para o PIB deste ano recua

 

 

 

 

 

 

 

Hamilton Ferrari

23/04/2019

 

 

 

O humor em relação à economia está mais azedo desde que o Palácio do Planalto demonstrou dificuldades em criar e manter uma base de apoio firme para a aprovação da reforma da Previdência. Há uma frustração de expectativas entre os investidores em relação à atividade econômica. As projeções para o Produto Interno Bruto (PIB) de 2019 estão sendo revisadas de maneira mais intensa por conta do atraso da proposta que reformula as aposentadorias e pensões. Tanto é que os analistas reduziram pela oitava vez consecutiva a perspectiva para o crescimento do Brasil neste ano, passando, no último relatório Focus do Banco Central (BC), de 1,95% para 1,71%.
Os especialistas afirmam que, quanto mais tempo o governo demorar para construir uma base de apoio e o Congresso sinalizar que a reforma será aprovada, menor será o PIB. As projeções para 2020 também estão recuando, caíram de 2,58% para 2,5%. Esta foi a quinta queda consecutiva. Por conta disso, o Ibovespa, principal índice da Bolsa de Valores de São Paulo (B3), subiu apenas 0,01%, atingindo 94.591 pontos. Pela manhã e parte da tarde, as ações chegaram a cair, mas o mercado se tranquilizou após declarações do presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do secretário de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho, de que a reforma seria aprovada hoje na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), primeira etapa no Congresso.
Mesmo assim, há bastante cautela, já que a articulação do governo está longe de convencer o mercado de que conseguirá evitar desidratação do texto. O dólar também registrou ganhos de 0,08%, para R$ 3,932.  O economista-chefe do Banco ABC Brasil, Luis Otávio Leal, afirmou que, efetivamente, o Brasil está caminhando para uma repetição do PIB dos dois últimos anos. “Quanto mais demorar para a reforma passar, mais perto de 1,1% vai ficar”, declarou.
Ele ainda ressaltou que, mesmo com a atividade econômica fraca, o Banco Central (BC) deve manter os juros Selic em 6,5% ao ano, já que há cenários de riscos. “Há três possibilidades. Passar uma reforma robusta, uma meia boca ou não passar. Eu já fui mais otimista com a aprovação de um texto mais robusto, mas hoje eu estou mais na direção de uma proposta meia boca, o que não vai trazer uma recuperação rápida. Ou seja, abre espaço para a redução da Selic no futuro”, defendeu.
Segundo Newton Rosa, economista-chefe da SulAmérica Investimentos, os indicadores do primeiro trimestre mostram uma atividade mais fraca. “A economia está patinando e não está ganhando tração nesse primeiro trimestre do ano”, destacou. Ele mantém sua projeção de 1,8% de crescimento para o PIB deste ano, mas admite que a estimativa está com “viés de baixa” para 1,5%. “Vamos acompanhar a reforma da Previdência, que deve se estender ao longo do ano. E, com isso, a economia vai continuará nessa atividade bastante frágil”, completou.
Além disso, há uma cautela no mercado financeiro em relação a uma possível greve dos caminhoneiros que, no segundo trimestre de 2018, resultou na alta da inflação e desaquecimento da economia, quando paralisação similar ocorreu. Os economistas aguardam o desfecho das negociações do governo com a categoria. (RH)