Valor econômico, v.19, n.4627, 09/11/2018. Brasil, p. A2

 

Ressucitado, 'Brasduto' avança e causa polêmica ao tirar recurso de fundo social 

André Ramalho 

09/11/2018

 

 

Os parlamentares brasileiros ressuscitaram nesta semana uma proposta para usar parte dos recursos do pré-sal hoje destinados à educação e saúde para financiar a construção de gasodutos, no país. Depois de uma tentativa fracassada de tentar emplacar a criação do fundo de expansão da infraestrutura de gás (batizado de Dutogás), na MP 814, sobre a privatização da Eletrobras, a proposta foi incorporada em dois projetos de lei diferentes e está sendo tratada em duas frentes ao mesmo tempo, uma na Câmara e uma no Senado.

Na quarta-feira, o plenário do Senado aprovou a criação do fundo, rebatizado na Casa de Brasduto, via emenda ao PLS 209/2015, que trata da repactuação do risco hidrológico entre as geradoras de energia.

Se aprovada na Câmara, metade da renda do pré-sal que vai hoje para a educação e saúde, por meio do Fundo Social, terá sua destinação original desviada. A ideia é que 20% dos recursos obtidos com a venda do óleo e do gás da União sejam destinados ao "Brasduto", e outros 30%, ao Fundo de Participação dos Estados e Distrito Federal (FPE) e ao Fundo de Participação dos Municípios (FPM). A proposta provocou reações. "É bastante preocupante", disse o ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão sobre o corte. "Num contexto dramático que estamos vivendo, essa decisão do Senado pode agravar ainda mais a disponibilidade de recursos para a saúde pública, num cenário de restrição."

Poupança criada em 2010 e que destina metade de seus recursos para as áreas de saúde e educação, o Fundo Social já recebeu cerca de R$ 10,5 bilhões entre janeiro e agosto deste ano, somente com recursos de royalties e participações especiais, segundo dados da Agência Nacional de Petróleo (ANP). Além das receitas da comercialização do óleo e gás da União, o Fundo Social recebe outros recursos, como parte dos bônus de assinatura dos contratos de partilha e royalties de áreas do pré-sal.

A matéria segue agora para a Câmara, onde a criação do fundo para financiamento de gasodutos foi incorporada também ao texto do projeto de lei que trata da reforma do marco regulatório do setor de gás (PL 6.407/2013).

A proposta é apoiada pela Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado (Abegás), que chegou a incluir a sugestão do fundo dentro de um documento entregue, durante a campanha eleitoral, aos candidatos à Presidência. A Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace) e o Instituto Brasileiro de Petróleo (IBP), por sua vez, defendem a necessidade de maior discussão sobre a necessidade de uso de recursos públicos para financiar gasodutos.

No mesmo dia da aprovação da matéria, no Senado, o ministro de Minas e Energia, Moreira Franco, disse que não via necessidade na criação do Brasduto. E questionou o uso frequente de subsídios na política energética, no Brasil.

"Acho que não há necessidade de subsídios. Precisamos estimular o mercado... A estratégia mais correta é criar de maneira transparente mecanismos que permitam o setor ter força e vitalidade e estimular a concorrência entre diversos grupos", afirmou.

O presidente-executivo da Abegás, Augusto Salomon, explica que não se trata de subsídio, já que o fundo é reembolsável. "Os recursos que forem destinados à construção do gasoduto voltam, corrigidos, para o Fundo Social, para a educação e saúde, à medida que o gasoduto for ficando cheio [e as tarifas forem sendo pagas]. Além disso, ao possibilitar o escoamento do gás do pré-sal para a costa, é mais gás sendo vendido pela União e mais recursos entrando no Fundo Social", defende.

O objetivo da proposta do Brasduto é financiar a expansão da infraestrutura de gás (unidades de processamento, gasodutos de escoamento e transporte, terminais de GNL) e criar uma rede nacional para atender capitais que ainda não contam com mercados estabelecidos.

Atualmente, existem distribuidoras virtuais de gás canalizado que não são abastecidas por gasodutos de transporte e, portanto, têm dificuldades para viabilizar a expansão de seus mercados, em alguns casos inexistentes. São os casos de Brasília (CEBGás), Goiânia (Goiasgás), Porto Velho (Rongás), Macapá (Gaspap), São Luís (Gasmar) e Teresina (Gaspisa), concessionárias que contam com a participação da Termogás, empresa do empresário Carlos Suarez, um dos fundadores da OAS.

A companhia é proprietária, também, do projeto Brasil Central, gasoduto que conectaria São Paulo a Goiás, passando pelo Triângulo Mineiro. O projeto é um dos potenciais candidatos naturais a contar com os recursos do fundo Dutogás.

"Conceitualmente, não faz sentido querer crescer a malha de gasodutos com recursos públicos do Fundo Social da educação e saúde", afirma o presidente da Abrace, Edvaldo Santana, que também questiona a aplicação de recursos públicos para construção de infraestrutura de gás natural no país.

"A construção da infraestrutura de gás é uma atividade privada. Gostaríamos de aprofundar essa discussão com mais calma. Não é uma questão de questionar o mérito da proposta, mas discutir alguns aspectos e evitar dar margem para instituir alguns privilégios", complementou o secretário-executivo do IBP, Luiz Costamilan.

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Mudanças no texto original emperram Lei do Gás 

André Ramalho 

09/11/2018

 

 

Em meio à dificuldade do mercado de gás natural em costurar um consenso sobre a reforma do marco regulatório do setor, duas mudanças no texto do projeto de lei do Gás Para Crescer prometem emperrar de vez as pretensões de que a iniciativa avance durante a transição de governo. O impasse já está instalado há quase um ano, mas ganhou novos contornos depois que a ideia original de regulação do mercado livre foi desfeita e o substitutivo da Lei do Gás ganhou um novo artigo criando um fundo para financiar gasodutos.

Sem avanços na busca de um consenso, o relator na Comissão de Minas e Energia da Câmara, o deputado Marcelo Squassoni (PRB/SP), pediu a retirada do projeto da pauta da reunião desta quarta-feira. A intenção é que a matéria volte à pauta ainda neste ano, mas a falta de um entendimento entre as partes pode dificultar a aprovação da nova Lei do Gás.

Existe a expectativa no setor de que o governo Jair Bolsonaro consiga sacramentar a reforma do marco regulatório. A proposta de plano de governo do novo presidente eleito vai na direção de alguns pontos incluídos na reforma iniciada no governo Michel Temer. O documento de Bolsonaro cita, por exemplo, o interesse na desverticalização e desestatização do setor e medidas como livre acesso e compartilhamento dos gasodutos e criação de um mercado atacadista de gás natural.

A tarefa de avançar com a reforma num ambiente de conflito, no entanto, não será fácil. Não à toa, a Agência Nacional de Petróleo (ANP) abriu uma série de consultas públicas para tentar emplacar as mudanças de forma infralegal. O órgão vai discutir nos próximos meses temas como a desverticalização do setor, acesso a infraestruturas essenciais e harmonização das regulações estaduais. A expectativa, no entanto, é que propostas só se tornem concretas em 2019.

A tramitação do PL travou na Câmara no fim de 2017. A versão original do substitutivo do PL 6.407/2013, apresentada na ocasião, atribuía à ANP a regulação do consumidor livre. A proposta é defendida por praticamente todos os agentes, mas esbarrou na resistência das distribuidoras, favoráveis à manutenção da regulação estadual e que possuem força nas bancadas estaduais. Hoje, cada Estado possui uma regulação própria.

Com a pressão das distribuidoras, o projeto parou. O novo substitutivo, apresentado na Câmara nos últimos dias, confirmou o recuo na proposta de atribuir à ANP a regulação do mercado livre e desagradou parte da indústria.

Representantes dos consumidores (Abrace) e o Instituto Brasileiro de Petróleo (IBP) se queixam de que há legislações estaduais que são impeditivas à abertura do mercado. Reclamam que, em alguns Estados, as exigências para migração para o mercado livre são altas e que usuários têm de pagar às distribuidoras a mesma tarifa paga por clientes cativos. Já a Abegás, que representa as distribuidoras, defende que, pela Constituição, cabe aos Estados regular o gás canalizado e que o mercado só não se desenvolveu por falta de ofertantes.

Com o impasse ainda não resolvido, sobrem dúvidas sobre as condições de o projeto avançar.

"Seria mais interessante deixar as discussões para 2019, num novo governo, fazer as coisas de forma mais consistente", afirmou o presidente da Abrace, Edvaldo Santana.