Valor econômico, v.19, n.4627, 09/11/2018. Brasil, p. A4

 

Pobreza ameaça biodiversidade no país, aponta estudo 

Daniela Chiaretti 

09/11/2018

 

 

Perto de 40% da cobertura vegetal do Brasil está concentrada em apenas 400 municípios onde vive 13% da população brasileira economicamente mais carente. A concentração de pobreza em lugares que ainda possuem remanescentes de vegetação representa um risco para a biodiversidade. Esta equação é ainda mais perversa porque a troca da mata por agricultura e pecuária não tem melhorado a qualidade de vida dos moradores tradicionais e é uma das causas do êxodo rural.

Este alerta faz parte do Primeiro Diagnóstico Brasileiro de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos, um extenso e inédito estudo elaborado por uma rede de 120 cientistas de diversas especialidades e de todas as regiões do Brasil. O sumário executivo para autoridades e gestores foi lançado ontem no Rio de Janeiro.

"É o que chamamos de 'pobreza verde': municípios, principalmente na região Norte, têm alta cobertura de vegetação nativa e IDH baixos. A leitura tradicional, de substituir a mata por um plantio ou pecuária, faz com que o município perca a maior parte do valor que tinha, além de perder a pequena agricultura, o extrativismo e empurrar estes atores para as periferias das cidades", explica o biólogo Carlos A. Joly, professor de ecologia da Universidade de Campinas (Unicamp). "Não é a população que vive ali que vai se beneficiar da riqueza que pode vir com a conversão da floresta", segue Joly.

"Precisamos mudar esse quadro e fazer com que a riqueza da biodiversidade reverta para a população que vive ali. Temos que criar cadeias de produção dos recursos naturais e conseguir que a floresta em pé melhore a qualidade de vida das pessoas que vivem na região e assim aumentar o IDH", segue Joly, coordenador da Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES).

"A mensagem principal do diagnóstico é que biodiversidade e serviços ecossistêmicos não podem ser vistos mais como obstáculo ao desenvolvimento", diz Joly. "São um patrimônio fantástico e imprescindível para a qualidade de vida. É perfeitamente possível manter ou aumentar a paisagem agrícola e a pecuária usando sistemas integrados de agricultura e floresta", segue.

Há uma série de oportunidades a ser consideradas, diz a professora da Universidade de Brasília Mercedes Bustamante. A restauração florestal, por exemplo, tem grande potencial. Uma das metas climáticas do Brasil é reflorestar 12 milhões de hectares. "Essa é uma agenda de múltiplos propósitos. Serve ao ambiente, à biodiversidade, ao clima e à economia se tivermos cadeias produtivas associadas à restauração", diz Mercedes, especialista em Cerrado e também coordenadora da plataforma.

A restauração florestal é cada vez mais viável tecnicamente, mas pode ter custo elevado dependendo do bioma e do grau de degradação da área. Segundo o relatório, pode variar de R$ 800 por hectare (quando se utiliza a regeneração natural) a R$ 17 mil por hectare (no caso de plantio de mudas).

"Entretanto, alcançar 30% de cobertura vegetal da Mata Atlântica e manter a integridade das comunidades de vertebrados essenciais ao funcionamento do ecossistema custaria, por ano, cerca de R$ 445 milhões, ou seja, menos de 0,01% do PIB anual brasileiro, ou 6,5% do que é pago em subsídios agrícolas", contabiliza o diagnóstico da biodiversidade.