Valor econômico, v.19, n.4628, 12/11/2018. Especial, p. A16

 

Cenário favorece fim do subsídio ao diesel, dizem economistas 

Estevão Taiar 

Sergio Lamucci 

12/11/2018

 

 

O cenário econômico de 2019 cria um quadro favorável para o governo federal abandonar o subsídio ao diesel, adotado como resposta à greve dos caminhoneiros. Com as previsões mais tranquilas para o dólar e para o preço do petróleo no ano que vem, o governo deveria desistir de vez de arcar com parte do valor do combustível - a subvenção de R$ 0,30 por litro vale até 31 de dezembro. A análise é de economistas do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), que na semana passada realizaram debate a respeito do tema no Valor.

A transição presidencial também abre espaço para a discussão. O Ministério da Fazenda já vem inclusive trabalhando em uma solução, de acordo com o ministro de Minas e Energia, Moreira Franco.

"É factível e desejável acabar com a subvenção ao diesel em 2019", diz Bráulio Borges, pesquisador-associado ao Ibre e um dos autores do estudo sobre o tema, que também trata dos problemas causados pelo tabelamento do frete rodoviário - outra das concessões feitas para encerrar a paralisação dos caminhoneiros, que teve duração de 11 dias, iniciada em 21 de maio (ver a tabela abaixo).

Nas contas dos economistas do Ibre/FGV, o custo total estimado das medidas para aplacar o ânimo dos motoristas ficou em R$ 13,5 bilhões em 2018. Elas incluem a mudança na periodicidade dos reajustes do diesel nas refinarias, de diários para mensais; a subvenção temporária do preço nas refinarias e distribuidoras; a redução permanente da tributação federal sobre o diesel (Cide e PIS/Cofins); e o tabelamento do frete.

As perspectivas para 2019 apontam para um quadro favorável para se colocar um ponto final aos subsídios, segundo os analistas do Ibre/FGV. "Há uma janela de oportunidade para isso. Nada impede que no futuro o real volte a se desvalorizar, por exemplo. Deixar para acabar com o subsídio posteriormente pode ser mais complicado", diz Armando Castelar Pinheiro, coordenador de Economia Aplicada do Ibre-FGV.

O desconto de R$ 0,30 por litro no preço do diesel foi uma das maneiras encontradas pelo governo federal para encerrar a paralisação dos caminhoneiros. Na ocasião, foi formada uma "tempestade perfeita", que levou Temer e sua equipe a atender as demandas dos caminhoneiros, na expressão de Castelar. Além da alta do preços do petróleo no mercado internacional e da desvalorização do real, houve aumento da tributação sobre o diesel em 2017, a entrada em vigor da política de reajustes diários pela Petrobras, a fraca recuperação econômica - que limitava o valor do repasse dos fretes - e a baixíssima aprovação de Temer, presidente de um governo enfraquecido.

De junho de 2017 a maio de 2018, o diesel subiu 21,6%, levando o preço a atingir o nível mais elevado desde meados de 2009 em termos reais (descontada a inflação). Dessa alta de 21,6%, 7 pontos percentuais vieram do aumento da tributação federal sobre o combustível, definida em julho de 2017. A desvalorização do câmbio contribuiu com 5,8 pontos, enquanto outros 13,8 pontos se deveram à nova política de preços da Petrobras e da alta do petróleo no mercado internacional. Na direção contrária, a redução da margem média de comercialização dos postos "tirou" 5 pontos da variação das cotações do diesel.

Com validade até o fim deste ano, os gastos totais com a subvenção de R$ 0,30 por litro foram estimados em até R$ 9,5 bilhões para 2018, considerando o período de junho a dezembro. Para isso, a União abriu um pedido de crédito extraordinário, deixando a quantia fora do teto de gastos, o mecanismo que limita o crescimento das despesas não financeiras à inflação do ano anterior.

Agora, o cenário está muito mais favorável para que o governo abandone o subsídio, segundo os economistas do Ibre/FGV. Levando em conta projeções mais recentes, eles calculam que o barril de petróleo tipo Brent ficará na média em US$ 75 durante o ano que vem. Para o dólar, a projeção é de R$ 3,80. Nesse caso, seriam necessários R$ 7,4 bilhões (ou R$ 0,13 centavos por litro) anuais para manter o litro do diesel na bomba em R$ 3,50 - valor médio registrado entre junho e novembro deste ano. A ausência de protestos no período, de acordo com Borges, sugere que esse é um preço "tolerado" pelos caminhoneiros. Com o dólar a R$ 3,70, nível mais próximo do observado nas últimas semanas, o subsídio seria ainda menor, algo como R$ 4 bilhões anuais.

Por razões ainda não totalmente identificadas pelos economistas, até outubro foi gasto apenas R$ 1,68 bilhão dos R$ 9,5 bilhões reservados à subvenção. Ou seja: o preço do combustível caiu em uma proporção menor do que o desconto oferecido pelo governo. Dificuldades de empresas se credenciarem para terem direito ao subsídio é um dos motivos. "Dessa maneira, fica mais fácil tirar o subsídio. Quando você acaba com ele, o preço não dá aquele salto tão grande", diz Manoel Pires, pesquisador do Ibre e ex-secretário de Política Econômica.

O crescimento mais robusto da atividade em relação a este ano também deve puxar o valor dos fretes para cima. Borges destaca que a expansão do Produto Interno Bruto (PIB) deve passar de 1,5% em 2018 para algo entre 2% a 3% no ano que vem. Além disso, a elasticidade do valor dos fretes, nos cálculos de Borges, é maior do que 1. Ou seja: quando o PIB cresce 1%, o valor dos fretes sobe ainda mais.

Outro fator positivo é a previsão de alta de 6% a 6,5% do preço dos alimentos no ano que vem, segundo Livio Ribeiro, pesquisador do Ibre/FGV. Isso abriria espaço para um maior reajuste do valor do transporte de produtos agrícolas.

Parte da ajuda para colocar fim ao subsídio pode vir também da conjuntura política. Borges lembra que, no auge da greve, o governo Temer era considerado bom ou ótimo por aproximadamente 5% dos brasileiros. Já o presidente eleito, Jair Bolsonaro, deve começar o mandato com aprovação de algo entre 40% e 50%, de acordo com ele. Mas os economistas ponderam que Bolsonaro agradeceu publicamente os caminhoneiros em entrevista ao Jornal Nacional, logo no primeiro dia após o primeiro turno.

Um sinal de que o valor do diesel já não é um problema tão grave surgiu em setembro, quando o preço do combustível voltou aos patamares de maio. "Isso sugere que, para a categoria, os reajustes menos frequentes e a tabela que estabelece valores para o frete são mais importantes", diz Borges.

Manoel Pires destaca ainda que a abertura do crédito extraordinário para bancar o subsídio só foi possível em razão do caráter "imprevisível" dos acontecimentos de maio. "Agora esse argumento [da imprevisibilidade] tem menos força", o que provavelmente obrigaria o governo a incorporar a quantia destinada à subvenção ao teto dos gastos. "E esse é um benefício direcionado para uma categoria muito específica, que não gera uma sensação evidente de bem-estar para população", diz.

Uma opção apontada para minimizar os impactos de eventuais altas do preço do diesel seria a adoção de uma regra suavizando os reajustes, com base em médias móveis trimestrais, por exemplo.

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Tabelamento do frete deve ser revogado, defendem analistas 

Sergio Lamucci 

Estevão Taiar

12/11/2018

 

 

O tabelamento do frete rodoviário não faz sentido num mercado com muita concorrência, tendendo a levar a distorções como a criação ou ampliação de frotas de caminhões por empresas que precisam escoar a sua produção, na visão de economistas do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV).

"A melhor opção é revogar a tabela", diz Bráulio Borges, pesquisador-associado do Ibre/FGV, que não vê uma alternativa razoável à extinção da medida, tomada pelo governo em maio, como uma das respostas para colocar um fim à greve dos caminhoneiros.

Borges observa que, se o tabelamento for mantido, além de fazer as empresas investirem em frotas próprias, causando ineficiência, pode provocar uma perda ainda maior de fatia do mercado dos motoristas autônomos. E, tudo indica, foi justamente essa categoria a principal responsável pela paralisação, avalia ele. "O mercado como um todo encolheu e os autônomos ainda perderam market share", diz Borges. "Se mantida, a tabela de fretes mínimos poderá trazer mais problemas à frente. Acho que tem que revogá-la. Se você está preocupado com a questão dos autônomos, deve tentar resolver de outra maneira, mas não com o tabelamento de fretes num mercado que é concorrencial."

Coordenador de economia aplicada do Ibre/FGV, Armando Castelar diz que a adoção da tabela de fretes foi "uma péssima solução". Segundo ele, "no curtíssimo prazo", ela gera uma transferência de renda para os caminhoneiros, enquanto as empresas demoram para ter ou ampliar frotas próprias. "Mas é o mesmo que tabelar dólar, tabelar outras coisas. Nós já vimos no Brasil que isso não funciona."

Dado o aumento de custos provocado pelo tabelamento, empresas do setor agrícola passaram a estudar a criação ou ampliação de frotas de caminhões. É algo que causa ineficiência, segundo Castelar. A consequência é que, em vez de se preocupar em produzir, processar e comercializar, as companhias têm de se preocupar - e eventualmente gastar dinheiro - com uma atividade que não é o seu foco principal.

Um efeito colateral da ação das empresas é provocar uma perda de mercado ainda maior para os caminhoneiros autônomos. Segundo Borges, a fatia desses motoristas caiu de 46% em 2013 para 39% em 2016 (informação mais recente disponível). Além disso, o rendimento médio real (descontada a inflação) dos autônomos "encolheu expressivamente nos últimos anos". Houve queda relevante na diferença em relação aos ganhos dos motoristas empregados, cujos salários ficaram relativamente estáveis, além de contar com vários outros benefícios, como o 13º e o adicional de férias.

Ex-secretário de Política Econômica da Fazenda e pesquisador do Ibre/FGV, Manoel Pires vê um cenário mais favorável em 2019 para o fim do tabelamento. A expectativa é de um crescimento mais forte da economia, o que deve aumentar a demanda por fretes - a fraqueza da atividade foi um dos fatores que afetaram a vida dos caminhoneiros, levando as empresas a buscar menos os seus serviços. A expectativa também é que os preços de alimentos aumentem a um ritmo mais firme em 2019, diz Pires. Com isso, os agricultores terão mais folga para arcar com fretes um pouco mais elevados.

A questão do tabelamento foi judicializada, e ainda não foi decidida pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Na sexta-feira, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) definiu os valores das multas para quem não cumprir a tabela do frete.

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Estudo mostra que tabela é nociva para setor privado 

Sergio Lamucci 

12/11/2018

 

 

Estudo do Boston Consulting Group (BCG) aponta diversas consequências negativas da tabela de frete rodoviário para o setor privado, avaliando que as implicações podem ser nocivas para os negócios no país. Elas resultam em aumento de preços para o restante da cadeia de produtos e para consumidores, "gerando uma tendência de queda de competitividade dos setores produtivos", diz o relatório do BCG, ao tratar de uma das decisões tomadas pelo governo em maio, então acuado pela greve dos caminhoneiros.

A manutenção da tabela estimula empresas a ter frotas próprias de caminhões, como já começa a ocorrer no setor agroindustrial, avalia o BCG. "Tal movimento, juntamente com a dificuldade de acesso a cargas que o caminhoneiro autônomo precisa enfrentar, pode apresentar um efeito reverso para essa categoria: o caminhoneiro autônomo até poderá contar com uma remuneração maior para cada frete com a tabela mínima, porém o nível de ociosidade será mantido ou mesmo aumentará", diz o estudo.

"O tabelamento está longe de ser a solução ideal", resume Thiago Cardoso, diretor do BCG especialista em infraestrutura. Ele observa que é muito complexo criar uma tabela de preços que contemple todas as situações de negócios. "É muito difícil estabelecer uma tabela objetiva que considere de maneira justa e adequada todas as peculiaridades que afetam o preço, tais como: consideração do frete de retorno, condições das estradas, tempo de carregamento/descarregamento, produtividade, diferenciação por qualidade/idade do ativo (caminhão)", nota o estudo, lembrando ainda que ela pode ser vista como fator de limitação de concorrência pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).

"Ela não corrige o problema e é ineficaz", diz Cardoso, reiterando que a medida pode aumentar o preço por viagem feita pelo caminhoneiro, mas, ao estimular o aumento da oferta, que já seria excessiva, há a perspectiva de maior ociosidade. "Quem deveria a priori ser beneficiado pela tabela pode no final das contas ser prejudicado", diz o estudo.

O relatório ressalta que o impacto da tabela de frete é muito significativo para as empresas que precisam ter a sua produção transportada. Cardoso diz que, no caso de uma empresa exportadora de grande porte do setor industrial entrevistada pelo BCG, a tabela do frete pode aumentar os custos em R$ 500 milhões por ano. "Nesse contexto, a verticalização das atividades de transporte se tornará mais atrativa", aponta o estudo, observando que essa opção "claramente demanda cuidados e envolve riscos", dado que implica na entrada dessas empresas num segmento historicamente caracterizado por alta informalidade e baixos retornos. "Algumas empresas do setor agroindustrial, um dos ramos mais impactados pela tabela, já anunciaram a compra de caminhões e a internalização parcial das atividades logísticas."

Segundo Cardoso, há companhias que já seguem a tabela, arcando já com um aumento de custo; outras não a cumprem, parcial ou integralmente, o que gera um passivo em potencial; e há algumas que já decidiram pelo menos em parte pela chamada verticalização, discutindo se vão comprar frotas próprias de caminhões ou se vão alugá-los.

Ao analisar as implicações para a economia, o estudo do BCG enfatiza que, "com a aplicação da tabela, há uma tendência de queda de competitividade dos setores produtivos e um aumento de preços para o restante da cadeia de produtos/consumidores". No caso de setores com forte dependência das exportações, como o agroindustrial, "o impacto pode atingir valores muito acima do simples aumento do frete".

A medida, desse modo, tem diversos problemas, causando vários efeitos colaterais indesejados. "Em resumo, acreditamos que a tabela apresenta uma complexidade grande de implementação, causa distorções no modelo competitivo existente e não resolve a causa raiz do problema, de atual excesso de capacidade de transporte rodoviário", diz o estudo do BCG. É mais um elemento a complicar a "já ineficiente cadeia logística do país".