O globo, n. 31336, 24/05/2019. Sociedade, p. 23

 

Ódio na mira da justiça

Carolina Brígido

Paula Ferreira

24/05/2019

 

 

Maioria do Supremo vota pela criminalização da homofobia

Em uma votação histórica, seis dos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiram, ontem, equiparar as práticas de homofobia e transfobia ao crime de racismo. O julgamento foi interrompido e será retomado em 5 de junho. Mantida a decisão da maioria, o crime será inafiançável e imprescritível; quem ofender ou discriminar gays ou transgêneros estará sujeito a punição de um a três anos de prisão.

A medida foi celebrada por entidades ligadas à luta pelo direito da população LGBTI. De acordo com as organizações, o julgamento é um marco por resgatar o reconhecimento da cidadania desse grupo, e impõe ao Estado que desenvolva políticas públicas para tratar a questão.

Em fevereiro, Celso de Mello, Edson Fachin, Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso votaram a favor da criminalização. Ontem, foi a vez de Rosa Weber e Luiz Fux. No plenário do STF, representantes do movimento de gays, lésbicas e transexuais assistiram ao julgamento.

A cantora Daniela Mercury, que foi recebida em audiência por alguns ministros, acompanhou o debate na primeira fila.

—Essa decisão é uma pedra fundamental na mudança de atitude não só da sociedade, mas de nossos líderes. Para pensarem como estão se posicionando —disse a cantora ao GLOBO. — A votação traduz muito mais o que é o Brasil de 2019 do que a postura do presidente (Jair Bolsonaro )em suas declarações anteriores. É um momento de comemorar.

O ministro Fux lembrou que a violência contra gays e transgêneros não é apenas física, mas simbólica.

— Se um estabelecimento proíbe a contratação de integrante da comunidade LGBT, evidentemente que é um delito homofóbico, uma violência simbólica, que é tão alarmante quanto a violência física —declarou o ministro.

Coordenadora da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros (ABGLT), que moveu a ação junto com o PPS, Bruna Benevides comemorou a decisão, mas ressaltou que é preciso manter a pressão para que o julgamento seja concluído.

— Essa votação é uma forma de dizer que, embora

nosso chefe de Estado seja um homofóbico declarado, o Estado comandado por ele terá que nos proteger —afirmou, em referência a Bolsonaro.

— Temos plena noção de que a criminalização não resolve a situação da violência contra nós, mas é um marco simbólico. A partir de hoje, poderemos exigir que determinados espaços que cometam LGBTfobia sejam cobrados judicialmente.

Rusga entre poderes

As ações no Supremo foram movidas diante da omissão do Congresso Nacional para legislar sobre o assunto. Ontem, a maioria dos ministros do STF decidiu por retomar o julgamento na Corte, mesmo com a decisão tomada um dia antes pela Comissão e Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, aprovando projeto de lei que criminaliza homofobia e transfobia. A presidência do Senado enviou comunicado da decisão da CCJ ao STF, mas o tribunal declarou que o fato não impedia a continuidade do julgamento na Corte.

O ministro Celso de Mello, relator do processo, argumentou que a aprovação do projeto em uma comissão não garante o mesmo resultado no Congresso, e que ainda há outras fases de tramitação. Ele lembrou que já se passaram 18 anos desde a apresentação do primeiro projeto de lei sobre o assunto.

Oito ministros concordaram com o relator — apenas Marco Aurélio Mello e o presidente do tribunal, Dias Toffoli, discordaram. Eles defenderam que o STF aguardasse a tramitação do projeto no Congresso, segundo Mello, “por deferência aos demais Poderes”, já que houve movimentação por parte dos parlamentares. Toffoli acrescentou que “houve diminuição nas agressões” a LGBTIs.

'Vitória da vida'

Presidente da Aliança Nacional LGBTI, Toni Reis elogiou a coragem do Supremo de pautar a votação.

—É uma vitória da vida. Estamos muito emocionados. É uma decisão histórica para o Brasil, uma decisão civilizatória. Mostra que somos cidadãos e que podemos acreditar no Estado. O STF, com todas as pressões e manobras que foram feitas, decidiu manter o julgamento e já temos maioria consolidada — argumentou Reis.

Ativistas defendem ainda que a possibilidade de coletar dados sólidos sobre os índices de violência contra esse grupo será mais um aspecto importante da criminalização.

— Uma das principais pautas do movimento é a construção de políticas públicas para nossa comunidade. Muitos jovens LGBTI têm renunciado à vida porque não têm perspectivas. Precisamos mudar essa cultura —afirmou a drag queen Ruth Venceremos, que foi ao plenário do Supremo.