Valor econômico, v.19, n.4625, 07/11/2018. Política, p. A8

 

"Na democracia só há um norte, que é o da Constituição", diz Bolsonaro

Andrea Jubé 

Marcelo Ribeiro 

Carla Araújo 

07/11/2018

 

 

Em sua primeira passagem pela Câmara dos Deputados como presidente eleito, Jair Bolsonaro exortou a União dos três Poderes, e afirmou que a Constituição Federal é o "norte da democracia". Ao lado dos chefes das duas Casas legislativas, do presidente Michel Temer e do presidente do Supremo Tribunal Federal, Bolsonaro participou da solenidade de comemoração dos 30 anos da carta constitucional. A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, disse que a celebração "transcende" o momento porque a Constituição inaugurou o regime democrático, e mais do que contemplá-la, é preciso cumpri-la.

Em seu discurso, Bolsonaro não cumprimentou o presidente do Congresso, senador Eunício Oliveira (MDB-CE), que lhe franqueou a palavra - o que não constava do cerimonial -, e quase se esquece de cumprimentar o presidente Michel Temer. Ao se dirigir ao presidente da Câmara, entretanto, reportou-se a ele como "querido Rodrigo Maia".

Ele citou Deus quatro vezes no discurso de dois minutos, concluindo com seu slogan de campanha: "Felicidade, o Brasil acima de tudo, Deus acima de todos."

"Juntos, presidente Toffoli, querido Rodrigo Maia, demais autoridades da Mesa, vamos continuar, presidente Temer, construindo um Brasil que o nosso povo merece", disse Bolsonaro. "A união de nós, que no momento estamos aqui ocupando cargos chaves da República, podemos (sic) sim mudar os destinos dessa grande nação".

Criticado pela oposição como defensor de uma postura autoritária, ele se comprometeu com os preceitos constitucionais. Recorrendo ao jargão militar, lembrou que existem três nortes na topografia: o da quadrícula, o verdadeiro e o magnético. "Mas na democracia só há um norte, é o da nossa Constituição", concluiu.

Numa conjuntura de tensão com a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, Bolsonaro ouviu da chefe do Ministério Público Federal que a celebração de 30 anos da carta constitucional é "singular" porque "lembra ao povo brasileiro que a Constituição inaugurou o regime democrático, que tem na defesa da dignidade e da liberdade humanas a centralidade de suas normas".

Dodge ressaltou que, mais do que celebrar a carta constitucional, é preciso guardá-la. "Não basta reverenciá-la, em uma atitude contemplativa: é preciso cumpri-la, à luz da crença de que os países que custodiaram escrupulosamente suas Constituições identificam-se como aqueles à frente do processo civilizador".

A Constituição de 1988 é o principal símbolo da retomada democrática, após 21 anos de regime militar, com a realização de eleições presidenciais no ano seguinte. Dodge indispôs-se com as Forças Armadas no início do ano ao requerer ao STF o desarquivamento e julgamento de uma reclamação feita à Corte em 2014 por cinco agentes acusados de envolvimento no desaparecimento do ex-deputado Rubens Paiva, em janeiro de 1971, durante a ditadura militar.

Bolsonaro não aplaudiu a manifestação de Dodge, mas saudou a fala do presidente do Supremo, Dias Toffoli, que voltou a defender um "grande pacto nacional" pelas reformas fundamentais a serem enfrentadas, citando as da Previdência Social e tributária, além da promoção da segurança pública.

Toffoli defendeu que sejam construídos acordos e realizadas as reformas dentro de um quadro de segurança jurídica. Ele relembrou que o Supremo tem desempenhado um papel de mediador de conflitos e ressaltou que o tribunal, nesse contexto, será árbitro de eventuais conflitos.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, recordou que durante a campanha eleitoral, houve quem defendesse a convocação de uma nova assembleia constituinte, em uma crítica velada ao PT e ao PSL. "Nessa nossa história de constituições breves, não é trivial que propostas que acenaram para a substituição da Constituição em vigor tenham sido repudiadas pela opinião pública durante o último processo eleitoral", disse Maia.

"Em contexto de forte polarização política, houve quem pensasse que as pessoas se deixariam seduzir pela ideia fácil de que basta trocar de Constituição para resolver os problemas do nosso país, mas a sociedade reafirmou que tem nessa Constituição a sua bússola", completou.

A fala de Maia tinha como alvo a candidatura de Fernando Haddad à Presidência, cujo programa de governo previu a elaboração de uma nova Carta Magna, da qual o PT recuou depois. O vice-presidente eleito general Hamilton Mourão, durante a campanha, também defendeu a convocação de um conselho de notáveis para redigir uma nova Constituição.

Maia defendeu a necessidade de reformas. "Temos agendas que são prementes, algumas envolvem ajustes no texto: a reforma da Previdência é uma delas", disse o presidente da Casa. Ele disse que é preciso controlar o déficit, ainda que seja preciso enfrentar críticas e incompreensões no processo.

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Ministros do STF fazem advertências 

Luísa Martins 

07/11/2018

 

 

Ao participarem de evento comemorativo aos 30 anos da Constituição Federal ontem em Brasília, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli, Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso enviaram recados indiretos ao presidente eleito Jair Bolsonaro e a seus apoiadores.

Presidente da Corte, Toffoli afirmou que a sociedade brasileira deve assumir responsabilidade e organizar-se para resolver seus próprios problemas, sem depositar a solução de conflitos nos representantes do povo escolhidos por meio da eleição. "Somos um país com uma sociedade combativa, engajada politicamente e ciente de seus direitos. E temos que assumir as nossas responsabilidades. Parar de esperarmos tudo de um representante eleito, de um líder, de uma autoridade constituída", disse ele, em discurso que, depois, foi repetido no Congresso Nacional ao lado do presidente eleito.

Segundo Toffoli, o jogo democrático "traz incertezas", mas é a coragem de se submeter a elas que faz a grandeza de um país. "Uma nação é feita de instituições. As pessoas passam. As instituições permanecem. O importante é que a nossa Constituição tem garantido a democracia e a solidez das instituições", disse.

Bolsonaro chegou a afirmar, quando era parlamentar, que era favorável à ditadura militar e ao fechamento do Congresso. Já seu vice, Hamilton Mourão, defendeu a elaboração de uma nova Constituição. Ontem, Toffoli reagiu: "Aos mais afoitos, lembro que a Constituição de 1988 é viva. Os tribunais devem ser capazes de adaptá-la à luz dos nossos tempos, não a reescrevendo, mas a interpretando e a aplicando com prudência."

Mais novo integrante do STF, Moraes também fez um discurso mirando uma fala de Bolsonaro de que "as minorias precisam se curvar às maiorias". Segundo o ministro, caberá ao Judiciário garantir a proteção aos grupos minoritários, conforme preconiza a Constituição.

"A maioria foi eleita pelas regras do jogo, para seguir as regras do jogo. Se não seguir, se desrespeitar, perseguir ou discriminar - o que a Constituição não permite -, aí o Supremo deve exercer seu poder moderador para equilibrar maioria e minoria. Quando a maioria abusa de seu poder, competirá à Suprema Corte fazer valer a Constituição."

Moraes também reforçou que o país não precisa de uma nova assembleia constituinte, pois problemas nacionais como a crise econômica, o desemprego, a crise na segurança e a necessidade de uma reforma política podem ser resolvidos sem que se mexa no texto da Carta Magna.

Já Barroso fez um discurso mais diplomático - disse torcer para que o governo de Bolsonaro rompa um "ciclo vicioso" de corrupção e crise fiscal no país. "Independentemente de qualquer governo, sempre torço a favor do país, porque esse é o partido que nos une", afirmou.

O ministro reforçou considerar necessária uma mudança nos sistemas político, previdenciário e jurídico, para que o presidente eleito "não fique refém" do modelo atual. "A fotografia do país é um pouco sombria e isso não tem a ver com eleições, mas com instituições. Governos passam, entram, saem, se reelegem ou não. O papel do Supremo é zelar pelas instituições", afirmou.

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Presidente eleito recua sobre transferir embaixada 

Fabio Murakawa 

07/11/2018

 

 

O presidente eleito Jair Bolsonaro disse ontem que a mudança da embaixada brasileira em Israel de Tel Aviv para Jerusalém "não está decidida ainda". O movimento, anunciado anteriormente por ele, agrada os israelenses, mas é controverso perante a comunidade internacional e desagrada os países árabes.

Ao deixar uma reunião no Ministério da Marinha, Bolsonaro foi questionado sobre a reação do Egito, que cancelou a visita marcada para amanhã de uma delegação brasileira ao país, após declarações de Bolsonaro sobre a mudança da embaixada. Essa delegação seria liderada pelo atual ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes.

"Para nós, não é um ponto de honra essa decisão. Mas quem decide onde é a capital de Israel é o povo, é o Estado de Israel", disse o presidente eleito. "Agora, seria prematuro um país [Egito] anunciar uma retaliação em função de uma coisa que não está decidida ainda."

A decisão de Bolsonaro de transferir a embaixada tem inspiração no presidente americano Donald Trump, que em maio inaugurou a sede da representação diplomática dos EUA em Jerusalém.

A medida é controversa porque, enquanto Israel classifica Jerusalém como sua capital única e indivisível, os palestinos reivindicam a porção oriental da cidade como a capital de seu futuro Estado. A Organização das Nações Unidas (ONU) não reconhece a anexação de Jerusalém Oriental por Israel, feita durante a Guerra dos Seis Dias, em 1967.

Por conta disso, a maioria dos países, inclusive o Brasil, mantém suas representações diplomáticas em Tel Aviv.