Valor econômico, v.19, n.4625, 07/11/2018. Especial, p. A16

 

Bolsonaro e Guedes defendem votar reforma de Temer logo 

Edna Simão 

Fábio Pupo 

Fabio Murakawa 

Raphael Di Cunto 

07/11/2018

 

 

Os discursos sobre a reforma da Previdência do presidente eleito, Jair Bolsonaro, e do futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, convergiram em pelo menos um ponto: ambos passaram o dia em Brasília e enfatizaram que gostariam de ver "alguma coisa" aprovada ainda neste ano. "Vamos conversar com Temer; gostaríamos que saísse alguma coisa [da reforma]", disse Bolsonaro. "E não é o que nós queremos ou o que a equipe econômica quer, mas o que a gente pode aprovar na Câmara ou no Senado", completou ele, que se reúne hoje com o presidente Michel Temer para tratar do tema.

O presidente do Senado, Eunício Oliveira (MDB-CE), que não foi reeleito, já disse repetidas vezes que a reforma deveria ser votada na próxima legislatura, pelos parlamentares eleitos. Já o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o próprio Temer fizeram acenos positivos. Maia chegou a dizer que é possível reinterpretar a proibição a votar propostas de emenda à Constituição durante a intervenção federal no Rio, mas admitiu que há outras dificuldades. "Se olhar o que se tentou com esse Parlamento e não se avançou, a maior probabilidade é essa [adiar para 2019]. Mas sempre tento, nesse tema, ser otimista."

Paulo Guedes, que se reuniu ontem com o ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, também defendeu a aprovação do projeto. "Aprova-se a reforma que está aí, rápido. Tira essa nuvem negra do horizonte. Nos dá tempo para o novo regime", afirmou Guedes, ressaltando que não desistiram da ideia da capitalização: "Precisamos trazer um sistema previdenciário diferente. É um crime para as futuras gerações continuar no sistema de repartição".

Segundo ele, é "absolutamente natural" que haja uma desconfiança, como no caso da implementação de um regime de previdência capitalizado, não só do presidente eleito como da classe política quando não se conhece o assunto. Para Guedes, seria ideal para o país se for aprovada a reforma da Previdência e a independência do Banco Central. "Já entraríamos com a perspectiva de a economia crescer de 3% a 3,5% e teríamos tempo para trabalhar as reformas estruturantes", disse.

O futuro ministro disse ainda que vem sendo feita sondagem com os parlamentares para verificar quais as chances de aprovação, neste ano, da proposta de reforma da Previdência que já está em discussão na Câmara. Caso seja constatado que não há espaço para aprovação do texto, o tema será transferido para o próximo ano e o governo de Bolsonaro encaminhará proposta nova.

Segundo Guedes, o peso maior da decisão é do próprio Congresso. "Não podemos transformar um homem que venceu nas urnas em um homem que vai ser derrotado no Congresso antes mesmo de o governo começar", frisou. Segundo ele, os parlamentares reeleitos entrariam votando medidas positivas, e quem não foi eleito iria para casa com a sensação de dever cumprido, sem "toma lá dá cá".

"Na minha cabeça hoje tem Previdência, Previdência, Previdência. Por favor, classe política, nos ajude a aprovar a Previdência", apelou. "A bola está com eles [Congresso]. Se você perguntar para o futuro ministro, ele está falando o seguinte: prensa neles. Pede a reforma. É bom para quem está saindo e bom para quem está chegando", disse.

Para Guedes, se houver avanço na reforma neste ano "abre-se (em 2019) um novo governo só com notícias positivas" como simplificação e redução de impostos, criação de emprego e ritmo de abertura gradual da economia brasileira. "Ninguém vai abrir a economia brasileira de repente com esses impostos todos aí, juros altos e desproteger a nossa indústria", disse, sugerindo que o país deve buscar fazer uma reforma tributária antes: "Não posso soltar competição estrangeira dentro do Brasil antes de simplificar e reduzir impostos".

Segundo ele, deve-se começar "atirando" nos grandes gastos - liderados por aposentadorias e pensões. "Segundo grande gasto é o juro da dívida. Vamos acelerar privatizações e transformar o Estado. Na hora que acelerarmos privatizações, e liberar recursos em vez de pagar juros da dívida, esses recursos serão usados para fazer a reforma fiscal e descentralizar recursos para Estados e municípios." Para Guedes, a descentralização dos recursos para entes subnacionais fará o dinheiro ir para "onde o povo está".

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Equipe já cogita fazer capitalização apenas em 2020

Claudia Safatle 

Fabio Graner 

07/11/2018

 

 

Há dez propostas de reforma da Previdência nas mãos do futuro ministro da Economia, Paulo Guedes. Diante da complexidade do assunto, ganha força na equipe do presidente eleito, Jair Bolsonaro, a ideia de que o melhor caminho seria começar com algo mais simples, que não altere o atual sistema de repartição. Se essa alternativa prevalecer, um projeto mais ambicioso, de implantação do regime de capitalização, como Guedes defende, ficaria para 2020, em uma situação na qual a economia já estaria colhendo os dividendos da aprovação de uma reforma mais modesta.

Nas suas últimas entrevistas, Bolsonaro tem dado indicações nessa direção. Ele falou em tentar aprovar pelo menos parte da reforma proposta por Michel Temer e foi cauteloso ao tratar da capitalização, mostrando preocupação com a viabilidade do sistema.

As dúvidas sobre os custos da capitalização também preocupam a equipe econômica. Uma das visões é que enveredar por esse caminho exigiria um programa mais arrojado de privatizações para bancar a transição do regime atual para o de capitalização.

Acentuam as inquietações do novo governo a delicada situação de boa parte dos 2.062 fundos de previdência municipais. Mais da metade desses fundos está quebrada. Isso, sem considerar a previdência dos Estados, cuja performance não é muito melhor.

A realidade é que, a despeito de o tema estar sendo discutido e analisado há meses por Paulo Guedes e sua equipe, o norte da reforma ainda não está claro.

É sabido, contudo, que é no primeiro ano de governo que se consegue aprovar matérias mais difíceis, mais polêmicas. Ao optar por investir na aprovação, ainda este ano de parte da PEC 287, em tramitação na Câmara, ou conceber uma reforma mais modesta para ser votada no ano que vem, o governo de Jair Bolsonaro estará gastando parte do seu capital político com algo que demandará novas mudanças em um futuro próximo.

Ficará bem mais difícil para o presidente, depois de aprovada uma reforma meia-sola, patrocinar um projeto que faça a migração para o regime de capitalização no segundo ano do seu mandato e que resolva de vez o gigantesco déficit previdenciário.

Considerações de ordem política e técnica têm sido feitas, como qual a melhor configuração para a idade mínima de aposentadoria.

Há propostas de uma só idade para todos, que o presidente eleito já mostrou que não quer, até ideias bem mais complexas como a reforma "fásica" (gradual) dos irmãos Arthur e Abraham Weintraub, que são parte do grupo econômico do presidente eleito e foram nomeados para a equipe de transição.

Essa proposta, que supõe a introdução de um regime de capitalização no INSS, prevê que o trabalhador se aposente em etapas, começando a receber parte de seus proventos ainda na ativa, quando também vai reduzindo sua carga de trabalho. Por exemplo, a partir de 50 anos o trabalhador já não contribuiria mais (mantendo-se o recolhimento patronal). A partir de 55 anos, receberia 25% do salário mínimo, subindo para 50% aos 60 anos e 100% aos 65 anos.

Assessores do futuro ministro da Economia que leram as dez propostas consideraram "muito duras" as mudanças concebidas no projeto formulado por um grupo de economistas sob coordenação do ex-presidente do Banco Central Arminio Fraga, assim como a do economista do BNDES Fábio Giambiagi, que nem "sequer" tem um período de transição de um regime para o outro, avaliaram.

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Aprovação este ano é improvável, dizem especialistas 

Arícia Martins 

07/11/2018

 

 

As chances de que parte da reforma da Previdência proposta pelo governo Michel Temer passe no Congresso ainda neste ano são bastante baixas, afirmam especialistas. O pouco tempo disponível para a tramitação do projeto, a necessidade de acordo entre a equipe econômica atual e a nova sobre quais pontos serão alterados e o elevado índice de renovação no Legislativo seriam entraves relevantes à ideia do presidente eleito, Jair Bolsonaro, de aprovar algo em 2018.

"Bolsonaro ainda não sentou na cadeira de presidente da República, e nem o presidente sentado hoje conseguiu isso", diz Michel Neil, cientista político e sócio-diretor da Patri Políticas Públicas. Neil lembra que a aprovação do projeto requer 60% de votação a favor, tanto na Câmara quanto no Senado. "Quem está sentado na cadeira de presidente é que tem os instrumentos necessários do presidencialismo de coalizão para poder fazer valer essas maiorias", afirmou. No momento atual, aponta, o máximo que o capitão reformado eleito teria para negociar com os parlamentares são promessas.

Outro entrave à volta da tramitação da Previdência neste ano, segundo o sócio da consultoria, é o elevado índice de renovação nas duas casas. Na Câmara, mais de metade dos deputados vai terminar seus mandatos no fim do ano legislativo, lembrou, enquanto, no Senado, das 54 vagas em disputa neste ano, apenas oito conseguiram se reeleger. "Conseguir negociar com esses parlamentares e fora da cadeira de presidente é muito difícil."

Para Rafael Cortez, sócio e cientista político da Tendências Consultoria, a tramitação do projeto nas duas casas legislativas em tão pouco tempo e a definição de qual projeto será colocado em pauta pela equipe de transição não são questões triviais, assim como a necessidade de revogar a intervenção militar federal no Rio.

Uma versão diminuta da proposta - com regras mais flexíveis de transição e a exclusão de algumas categorias profissionais, por exemplo - pode ser eventualmente aprovada na Câmara e no Senado, mas este não é o cenário mais provável, acredita. "Seria um uso pouco eficiente do capital político que Bolsonaro conseguiu mobilizar."

Na visão de Cortez, a estratégia mais acertada para o novo governo eleito seria aproveitar o apoio conseguido durante as eleições para apresentar um projeto mais ambicioso de reforma previdenciária, no início do próximo ano. "Ou faz a votação do projeto atual no curto prazo como ele está, ou faz uma opção por um plano mais estrutural", disse.