Correio braziliense, n. 20463, 31/05/2019. Brasil, p. 8

 

Protestos em 25 estados e no DF

Ingrid Soares

Marina Torres

Rafaela Gonçalves

31/05/2019

 

 

Protestos » Segunda manifestação contra o bloqueio de verbas da educação toma as ruas de 126 cidades. Em Brasília, ato foi realizado na Esplanada dos Ministérios e ocorreu de forma pacífica. São Paulo, Rio e Belo Horizonte tiveram passeatas à noite

Pela segunda vez, estudantes e professores tomaram as ruas ontem  para protestar contra o contingenciamento de recursos na educação. Até por volta das 20h, haviam sido registrados protestos em, pelo menos, 126 cidades de 25 estados e do DF. Em Brasília, estudantes, professores e sindicalistas, se concentraram em frente ao Museu da República e se dirigiram, em passeata, até o Congresso Nacional. A Polícia Militar do DF contabilizou, até as 11h, cerca de 1,5 mil manifestantes, mas não houve contagem final. Segundo a União Nacional dos Estudantes (UNE), o ato reuniu 30 mil pessoas.

À noite, ocorreram manifestações em São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba e Belo Horizonte. Em São Paulo, a concentração foi no Largo da Batata, no bairro de Pinheiros. Em seguida, o grupo seguiu em passeata pela Avenida Rebouças em direção à Avenida Paulista. No Rio, os manifestantes seguiram da Igreja da Candelária rumo à Cinelândia, caminhando pela avenida Rio Branco. Milhares de pessoas participaram.

Em Belo Horizonte, estudantes, professores e servidores públicos se reuniram no Centro. Em Curitiba, os manifestantes recolocaram a faixa com os dizeres “em defesa da Educação” na fachada do prédio da Universidade Federal do Paraná, na Praça Santos Andrade. A faixa havia sido retirada por manifestantes pró-Bolsonaro, em ato realizado no último domingo. Em Pernambuco, estudantes, professores e servidores da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) realizaram um “abraço simbólico” ao prédio da instituição, no bairro de Dois Irmãos.

Embora abrangentes, as manifestações de ontem foram em menor número que as ocorridas em 15 de maio, quando foram registrados atos em 158 cidades de todos os 27 estados e no DF. Em Brasília, o mote também foi contra a gestão do presidente Jair Bolsonaro (PSL), a reforma da Previdência e as medidas do governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB).

Empunhando cartazes e faixas, os participantes entoaram gritos e seguiram pela Esplanada dos Ministérios até o espaço em frente ao Congresso. Por falta de autorização prévia, os carros de som não acompanharam o trajeto.Três faixas do Eixo Monumental foram bloqueadas enquanto os manifestantes caminhavam e foram liberadas pouco mais de uma hora e meia depois. A Polícia Militar acompanhou a manifestação de perto, revistou os participantes e solicitou que retirassem panos dos rostos.

Um boneco com o rosto do presidente Bolsonaro foi queimado quando a manifestação chegou em frente ao MEC, que estava protegido pela Força Nacional de Segurança Pública. Durante o trajeto, houve um princípio de tumulto entre policiais militares e manifestantes que saíram da área reservada ao protesto. A corporação usou spray de pimenta contra o grupo, e um homem foi detido por desacato. Em seguida, os participantes seguiram para a Rodoviária do Plano Piloto, onde continuaram o ato com gritos de guerra e provocações ao presidente Jair Bolsonaro. O ato se encerrou por volta das 14h.

Estudante de psicologia da UnB e militante do Juntos pela Educação, Bruno Zaidan, 25 anos, ressaltou que o ato faz parte de uma agenda de sucessivas manifestações. “É uma jornada de lutas. Fizemos também o ato no dia 15. É possível vencermos essa batalha. A sociedade está contra o desmonte da educação. Essa é a segunda fase de muitas. O ministro que colocaram não tem qualificação. A única preocupação é promover uma guerra ideológica nas universidades. Não vamos deixar. Queremos estudar, pesquisar, construir o conhecimento e não daremos um dia de descanso para o governo”, afirmou.

Ronei Delfino da Fonseca, 38 anos, técnico administrativo e estudante da UnB, foi um dos prejudicados com o corte de bolsas de pós-graduação pela Capes anunciado pelo governo. Ele havia sido selecionado para um doutorado em sistema mecatrônico. Agora, avalia se poderá continuar a estudar. “Temos que mostrar para o governo que a educação tem que ser prioridade. Para a área da pesquisa, esses cortes são muito ruins. Acaba jogando no lixo tudo o que já foi feito. Pesquisa precisa de início, meio e fim. Com o que está acontecendo, muitos desistem de investir nisso”, avaliou.

Além de lideranças de entidades como a UNE, União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), Movimento Juntos Pela Educação e Associação dos Acadêmicos Indígenas da UnB, também participaram do ato centrais sindicais e políticos, como o deputado distrital Fábio Felix (PSol), as deputadas federais Tabata Amaral (PDT-SP), e Erika Kokay (PT-DF) e a presidente do PT, deputada federal Gleisi Hoffmann (PR). Uma nova manifestação contra o bloqueio de verbas da educação está marcada para 14 de junho.

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Ministro fala em "coação"

31/05/2019

 

 

 

 

O ministro da Educação, Abraham Weintraub, postou vídeo ontem, no Twitter, em que afirma que professores estão “coagindo alunos” a participarem das manifestações. Ele estimulou os estudantes que estiverem se sentindo pressionados a enviar denúncia ao ministério para que a pasta tome providências. O discurso do ministro foi reforçado por nota divulgada pelo MEC, segundo a qual nenhuma instituição pública de ensino tem prerrogativa legal para incentivar movimentos político-partidários e promover a participação de alunos em manifestações.

A afirmação de Weintraub provocou reações entre a comunidade acadêmica e políticos de oposição. Em nota, o Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes) considerou as declarações do ministro como “uma afronta”. Para o Andes, o discurso demonstra “o equivocado raciocínio do governo de que os estudantes são incapazes de pensar de forma independente”.

A diretora do Sindicato dos Professores no Distrito Federal (Sinpro-DF), Rosilene Corrêa afirma que o posicionamento do ministro mostra que o governo tenta passar para a sociedade uma ideia distorcida da postura e do papel do professor. “Também não entendemos que seja um erro os professores incentivarem os alunos a participar. A escola precisa, sim, incentivar o questionamento, o debate. Achar que nossos estudantes não têm capacidade de compreender por si só e de se organizarem é desconsiderar a capacidade da juventude. O movimento estudantil tem total autonomia de organizar um ato como esse”, disse.

Ontem, o Ministério Público Federal (MPF) no Rio Grande do Norte ajuizou uma ação civil pública contra Abraham Weintraub e a União por danos morais coletivos causados aos alunos e professores das instituições públicas de ensino. A Procuradoria sugeriu o pagamento de uma indenização de R$ 5 milhões em razão de condutas e falas do ministro, entre elas a declaração: “universidades que, em vez de procurar melhorar o desempenho acadêmico, estiverem fazendo balbúrdia, terão verbas reduzidas”. Para o Ministério Público Federal, a afirmação “demonstra clara vontade discriminatória”.

No último domingo, o presidente Bolsonaro afirmou que exagerou ao chamar de “idiotas úteis” manifestantes que foram às ruas em 15 de maio contra cortes de verbas da educação. Na ocasião, Bolsonaro também afirmou que os estudantes são “massa de manobra”, manipulados por uma minoria que comanda as universidades federais. Para o presidente, o “certo” seria chamá-los de “inocentes úteis”. (IS)