O globo, n. 31334, 22/05/2019. Rio, p. 13

 

Entrevista - Maria Elizabeth Rocha: Ministra diz que militares mataram e mentiram

Maria Elizabeth Rocha

Jailton de Carvalho

22/05/2019

 

 

Única mulher no colegiado do Superior Tribunal Militar votou contra pedido para libertar acusados de disparar 83 tiros e matar músico e catador

Única voz divergente até agora no Superior Tribunal Militar (STM) contra a concessão de liberdade aos nove militares acusados de disparar mais de 83 tiros contra o carro de uma família — matando o músico Evaldo Rosa e o catador de papel Luciano Macedo —, a ministra Maria Elizabeth Rocha afirmou, em entrevista exclusiva ao GLOBO, ter percebido de imediato que a ação, ocorrida no início de abril, em Guadalupe, era um duplo homicídio. No último dia 8, ela votou para que a prisão preventiva seja mantida, enquanto quatro ministros e subprocurador-geral do Ministério Público Militar, Roberto Coutinho, se posicionaram a favor de soltar os acusados.Após um pedido de vista, a votação foi suspensa e não há prazo para voltar à pauta.

Por que a senhora entende que os nove militares devem permanecer presos ?

Primeiramente, por entender que a juíza de 1ª instância fundamentou adequadamente a prisão preventiva dos militares. Depois, porque vi presentes os requisitos próprios das medidas cautelares: o perigo na concessão da liberdade e a fumaça do cometimento do crime. Desde o primeiro momento, percebi que se estava diante de um duplo homicídio e de uma tentativa. Pesaram, ainda, na formação do meu convencimento, o alto potencial ofensivo da ação praticada, que, além de alvejar três civis desarmados com uma descarga de tiros desproporcional, foi realizada em meio à população, que poderia vir a ser atingida. A insensibilidade dos agentes, que se recusaram a prestar socorro, e a indignação popular, que eu também compartilho e que pode ser juridicamente traduzida como a preservação da ordem pública, igualmente norteou o meu voto. Por último, aversão inverídica engendrada pelos militares ao Comando do Leste, obrigado ase desdizer rapidamente, me fez temer pela instrução processual.

O subprocurador-geral e quatro ministros se manifestaram pela soltura dos acusados. Mesmo assim, a senhora manteve seu voto. De onde vem a sua convicção?

Minha convicção veio da temeridade do ato perpetrado. Do horror de uma esposa e de um filho de 7 anos verem o pai e marido serem fuzilados na sua frente sem nenhuma razão, de um humilde catador de resíduos perder a vida para tentar ajudar outro ser humano, na falta de misericórdia dos réus.

A senhora não se intimidou quando alguns ministros faziam gestos de desaprovação ao seu voto. Ser mulher num colegiado formado por homens cria algum embaraço à sua atuação na Corte?

A divergência faz parte do colegiado, ela não coage, ao contrário, é saudável e importante para o estado democrático de direito. Sera única mulher em um tribunal composto majoritariamente por homens é,sem dúvida, um desafio, na medida em que o meu olhar, obviamente, é subjetivo e singular. Encaro a minha presença como uma construção permanente em prol da igualdade de gênero. É espantoso constatar que, atualmente, os tribunais superiores contam com apenas 13 ministras, num universo de 89 magistrados.

O corporativismo tem peso nas decisões do STM?

O corporativismo que pejorativamente lhe é atribuído, como defesa exclusiva dos interesses dos réus militares, é inexistente, e digo isso com muita tranquilidade por ser eu a magistrada que mais absolve na corte, sendo sistematicamente vencida.

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Mulher diz que guarnição ignorou apelo e debochou

22/05/2019

 

 

Oito testemunhas do fuzilamento do carro do músico Evaldo Rosa, morto quando seguia coma família para um chá de bebê, foram ouvidas ontem na1ª Auditoria da Justiça Militar. Num depoimento emocionado, a viúva da vítima, Luciana dos Santos Nogueira, disse que os militares chegaram atirando e debocharam de seus pedidos de ajuda:

—Agente não representava nenhum perigo para a sociedade. Pedi muito socorro para ajudar meu marido baleado, mas eles continuaram com arma em punho e comportamento debochado.

Foram ouvidos ainda a mulher do catador Luciano Macedo, também morto, e Marcelo Bartoly , cujo carro, parecido com o de Evaldo, tinha sido roubado pouco antes da ação dos militares. Marcelo respondeu, ao ser perguntado, que não reconhecia Luciano como um dos assaltantes, o que chegou a ser dito em depoimento pelos acusados.