Valor econômico, v.19 , n.4623 , 3/11/2018. Brasil, p. A3

 

Fazenda dá pareceres contrários à renovação de ferrovias da Vale

Fabio Graner

Daniel Rittner

03/11/2018

 

 

Dois pareceres inéditos da Secretaria de Promoção e Defesa da Concorrência (Seprac) do Ministério da Fazenda defendem que não sejam feitas as renovações antecipadas dos contratos de concessão de duas ferrovias operadas pela mineradora Vale: a Estrada de Ferro Carajás (EFC) e a Estrada de Ferro Vitória-Minas (EFVM).

O principal argumento contra a medida é que o volume de investimentos adicionais previstos na prorrogação das concessões não justificaria o uso dessa excepcionalidade. De acordo com os pareceres, o melhor é caminhar para que essas ferrovias sejam relicitadas quando os atuais contratos vencerem, em 2026 e 2027.

A renovação das concessões é uma das apostas do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) para destravar a ampliação da malha brasileira. Em troca da extensão contratual por 30 anos, o governo exige que a Vale construa e entregue à União um trecho de 383 quilômetros da Ferrovia de Integração do Centro-Oeste (Fico), entre Goiás e Mato Grosso. O processo está em audiência pública aberta pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).

Para a secretaria da Fazenda, os parâmetros usados na proposta de prorrogação favoreceriam a Vale, em detrimento da União. O subsecretário de promoção da produtividade, concorrência e inovação, Ângelo Duarte, explicou ao Valor que as tarifas de referência utilizadas nos dois casos estão muito abaixo do que seria o preço de mercado, distorcendo o valor de amortização do investimento que já foi realizado pela mineradora nas duas ferrovias.

Outro parâmetro contestado pela Seprac é a taxa de desconto (juro de referência), que os técnicos consideram defasada, pois foi calculada em 2015 - quando os juros eram mais altos e o ambiente econômico estava deteriorado.

No caso de Carajás, por exemplo, as contas apresentadas na audiência pública apontariam um valor atual de amortização de R$ 18,7 bilhões, que cai ao longo do tempo mas no fim da concessão atual, em 2027, ainda seria favorável à empresa, ou seja, a União deveria pagar pelos investimentos feitos. Mesmo com a renovação por 30 anos, pelos parâmetros da consulta pública, ainda restariam cerca de R$ 2 bilhões a pagar pela União - a secretaria discorda.

Duarte explicou que, no caso de Carajás, o argumento central para usar a prerrogativa de renovação antecipada, a realização de investimentos, não se aplica. Isso porque esses já ocorreram e não há necessidade de aportes vultosos nessa direção. A visão da secretaria é que o programa de investimentos de R$ 11,4 bilhões apresentado para o período do novo contrato ocorreria de qualquer jeito, pois em sua maior parte refere-se a gastos com manutenção e conservação. Apenas R$ 243 milhões poderiam ser considerados efetivamente decorrentes da prorrogação. "Esse volume não justifica renovação", disse.

No caso da Vitória-Minas, a oposição da Seprac vai na mesma linha, incluindo os parâmetros econômico-financeiros utilizados e à questão de que investimentos já teriam sido efetuados. Nesse caso, contudo, a União teria direito a receber pelo menos R$ 3,1 bilhões relativos aos investimentos já amortizados, valor que pode ser maior devido aos parâmetros usados.

Os técnicos contestam a sugestão de que o pagamento da Vale à União seja feito por meio de um investimento cruzado de R$ 3,1 bilhões na Fico. Para eles, seria melhor deixar que a Vale, ao fim da concessão, indenize o governo e que os recursos sejam direcionados pelo governo para subsidiar os investimentos de quem vencer uma futura a licitação da Fico.

O principal argumento é que, como a Vale não vai operar essa ferrovia, os riscos são de uma obra mal feita e que não atraia interesse de operadores, temerosos da necessidade de fazer gastos novos. "É um incentivo ruim", disse Duarte.

Os pareceres da Seprac não têm poder de barrar a renovação antecipada, mas há um peso político. São os primeiros documentos do próprio governo contrários à prorrogação. A decisão de levar adiante as extensões contratuais, com esse modelo, foi tomada pelo conselho de ministros do PPI em julho. Depois que a ANTT concluir a audiência, o processo segue para análise do Tribunal de Contas da União.