O globo, n. 31335, 23/05/2019. Opinião, p. 2

 

Depois de 11 anos, Argentina julga a ex-presidente Cristina Kirchner

23/05/2019

 

 

Passaram-se onze anos, desde a primeira denúncia, até o início do julgamento. Na terça-feira, a ex-presidente argentina Cristina Kirchner sentou-se no banco dos réus, acusada pelo desvio de US$ 60 milhões (R$ 240 milhões) em contratos de 51 obras viárias outorgadas durante o seu governo a um empreiteiro, Lázaro Báez. Os projetos se concentravam na província de Santa Cruz, reduto eleitoral dos Kirchner.

O julgamento prossegue na segunda-feira, com a leitura das 584 páginas da acusação. Ele ocorre em meio à disputa pela presidência da Argentina em outubro. Na sexta-feira passada, a senadora peronista Cristina surpreendeu ao se anunciar candidata à vice-presidência em chapa liderada pelo seu antigo chefe de gabinete, Alberto Fernández.

A manobra apimentou uma campanha que já estava agitada pela fragilidade eleitoral do presidente Mauricio Macri, candidato à reeleição e principal adversário da ex-presidente. Acossado pelo descontrole inflacionário, Macri decretou um congelamento de preços da cesta básica até a eleição. A recorrência à receita populista nunca deu certo — nem mesmo na Argentina.

O clima de polarização permitiu a Cristina dar coloração política ao seu juízo por corrupção, vitimizando-se: “É ato de perseguição colocar uma ex-presidente, de oposição, no banco dos acusados em plena campanha presidencial”.

Argumentos, porém, não resistem aos fatos. Um deles é a indelével marca de corrupção dos governos do falecido Néstor Kirchner (2003-2007) e de sua sucessora Cristina (2007-2015). Comprovam os inúmeros casos no Judiciário, entre eles este que levou a ex-presidente ao banco dos réus. Um dos protagonistas, o empreiteiro Báez, é reconhecido como operador financeiro do casal Kirchner na década em que comandou a Argentina.

A outorga das 51 obras viárias começou com Néstor e foi ampliada por Cristina. Duas foram concluídas no prazo previsto. Das 49 restantes, depois de 12 anos de pagamentos, custos aditivados e prazos ampliados, Báez entregou 24. Abandonou outras 25. Entre todas, apenas uma foi executada no orçamento pactuado com o governo.

É provável que o julgamento de Cristina atravesse a campanha eleitoral. Foram necessários onze anos para que a ex-presidente se sentasse no banco dos réus, mesmo com o privilégio da imunidade parlamentar inerente ao atual mandato de senadora. Se ainda será preciso mais alguns meses até a sentença, paciência. O importante é que, independentemente do veredicto, justiça seja feita.