Correio braziliense, n. 20462, 30/05/2019. Política, p. 2

 

Distensão na política, retração na economia

Rodolfo Costa

Maria Eduarda Cardim

30/05/2019

 

 

Poder » Um dia depois de anunciar pacto entre os Três Poderes, Bolsonaro volta a criar polêmica com o Congresso, mas presidente da Câmara minimiza provocação. Em meio à alardeada trégua, governo se prepara para más notícias

O governo sofrerá o seu maior baque hoje, quando o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgar o resultado do Produto Interno Bruto (PIB) do primeiro trimestre. Se os analistas estiverem certos, a economia encolheu 0,2% nesse período (veja reportagem na página 7). Ou seja, em vez de entregar o crescimento que prometeu durante a campanha, o presidente Jair Bolsonaro está tendo que lidar com uma atividade em retração, com desemprego em alta.

Quando anunciou, dois dias atrás, um grande pacto entre os Três Poderes em prol do Brasil, Bolsonaro já sabia do resultado ruim da economia que será apresentado pelo IBGE. Por isso, centrou o discurso de que a união celebrada entre ele e os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia; do Senado, Davi Alcolumbre; e do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, resultaria em uma pauta pró-crescimento. Passado o impacto inicial do anúncio do pacto, a desconfiança voltou. Ninguém acredita na cumplicidade entre Legislativo, Executivo e Judiciário.

No mesmo dia em que firmou o pacto, Bolsonaro declarou em público que, no café da manhã com o trio, disse a Maia que a “caneta” dele tem mais “poder” do que a do parlamentar. O que para o capitão reformado foi uma brincadeira gerou repercussão negativa entre congressistas, ainda que minimizada pelo presidente da Câmara. “Não vamos criar maldade onde não existe”, reagiu Maia.

A declaração de Bolsonaro foi dita no lançamento da Frente Parlamentar Mista da Marinha Mercante, no Clube Naval, em Brasília, sugerindo que o “poder da caneta” de Maia permite a ele “fazer leis”, enquanto que a “caneta” dele lhe permite fazer decretos. O assunto voltou a ser mencionado ontem, na cerimônia de posse do novo presidente do Instituto Brasileiro de Turismo (Embraer). “Um decreto, a gente estuda, passa pela nossa secretaria jurídica e nós podemos baixar um decreto regulando uma lei. E, muitas vezes, uma lei foi regulamentada por um decreto, e o decreto foi abusivo e nós temos que mudar esse decreto. Por que não (mudar)? (Se) Tem amparo jurídico, vamos mudar”, sustentou.

O presidente da Câmara evitou entrar em atrito e amenizou a polêmica. “Ele fala da questão do decreto na importância que um bom decreto tem na regulamentação da lei. Não tem maldade nenhuma”, disse Maia, ontem de manhã, após participar, ao lado de Bolsonaro, da sessão da Câmara em homenagem ao humorista Carlos Alberto de Nóbrega. A frase do demista foi vista entre aliados e lideranças do próprio DEM como um gesto cortês, a fim de evitar ampliar o tensionamento.

“Não é bom para a harmonia entre os Poderes, mas vamos ter de conviver com isso. O presidente foi eleito assim e não dá para esperar que ele mude o jeito de ser. O Rodrigo (Maia) só não quis tensionar mais”, disse um vice-líder do DEM. O partido, por sinal, trabalha para desvincular a imagem do Centrão e se posicionar como um partido de direita liberal. “Não seremos nós que entraremos em conflito público com Bolsonaro”, acrescentou outra liderança do Democratas.

Com Maia se distanciando do embate, o Centrão evitou cair no confronto. Mas lideranças de partidos como PR, PP, PRB e MDB observam céticos a postura de Bolsonaro. “É o ‘morde e assopra’ que não convence ninguém. O Maia não caiu na provocação, mas o tal pacto não convenceu a ele nem a ninguém”, disse um líder do bloco político. Dentro do próprio PSL, a leitura é de que o clima não mudará. “Está no DNA do Bolsonaro. O Vitor Hugo (do PSL-GO, líder do governo na Câmara) deu os primeiros passos para criar um relacionamento com o Maia, mas a postura do Jair mostra que não dá para esperar alguma articulação política de construção de bases e maiorias”, ponderou um vice-líder do partido.

A relação entre Maia e Vitor Hugo ficou estremecida na última semana, a ponto de o líder do governo ter dito no Twitter que sempre procurou construir um bom relacionamento e criticou nunca ter sido recebido pelo presidente da Câmara. Na noite de terça, no entanto, Maia sediou na residência oficial da Presidência da Casa um jantar organizado pela Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA). Cerca de 10 deputados do PSL compareceram, entre eles, Vitor Hugo.

Fora de sintonia

O cientista político e sociólogo Paulo Baía, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), avaliou que, ao medir os poderes com Maia, Bolsonaro supervaloriza o Executivo e entra em choque com a Carta Magna. “Ele fala em decreto nos moldes do decreto-lei da Constituição de 1969. Mostra que é uma pessoa que está fora de sintonia com os padrões institucionais da Constituição de 1988”, avaliou.

Para Baía, é equivocado governar por medida provisória e decreto. A análise é endossada pelo cientista político e economista Ricardo Sennes, sócio-diretor da consultoria Prospectiva. Na opinião dele, o poder de um presidente da República é relativo. “O processo decisório no Brasil envolve vários atores. O presidente só tem a caneta e uma liberdade de atuação se isso estiver respaldado em um mínimo arranjo político-legislativo, alinhado com os órgãos de controle”, justificou. Diante da estagnação econômica, constitui um cenário preocupante. “Em menos de cinco meses, a previsão de crescimento do PIB desmoronou. Isso é um sinal de desconfiança da capacidade de coordenar uma agenda positiva de crescimento”, alertou Sennes.

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Juízes preocupados

30/05/2019

 

 

 

 

Os juízes federais se declararam, ontem, “preocupados” com o pacto anunciado na terça-feira, entre Executivo, Legislativo e Judiciário. Em nota pública, a Associação dos Juízes Federais (Ajufe), principal entidade da classe, apontou “especialmente” para a concordância do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, à reforma da Previdência e dizem que pacto é para “atores políticos”. “Sendo o STF o guardião da Constituição, dos direitos e das garantias fundamentais e da democracia, é possível que alguns temas da reforma da Previdência tenham sua constitucionalidade submetida ao julgamento perante a Corte máxima do país”, alertam os magistrados. Eles lembram a Toffoli a missão do Supremo e mandam um recado ao presidente da Corte. “Isso revela que não se deve assumir publicamente compromissos com uma reforma de tal porte, em respeito à independência e resguardando a imparcialidade do Poder Judiciário, cabendo a realização de tais pactos, dentro de um Estado democrático, apenas aos atores políticos dos Poderes Executivo e Legislativo.”

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Parceria pela atualização da tabela do IR

30/05/2019

 

 

 

Apesar dos ruídos, o governo, representado pela equipe econômica, tenta construir uma agenda com a Câmara. O secretário especial da Receita Federal, Marcos Cintra, e o presidente da Frente Parlamentar Mista da Reforma Tributária, deputado Luís Miranda (DEM-DF), almoçaram ontem para conversar sobre o Projeto de Lei nº 3.129/2019, que atualiza a tabela do Imposto de Renda (IR) para consumidores e empresas e ainda institui a tributação sobre lucros e dividendos.

O titular do Fisco propôs parceria para apoiar o projeto. Cintra se dispôs a apresentar uma nota técnica, que, na prática, daria respaldo ao mérito da matéria. Apontou algumas sugestões de mudanças em “pontos ou outros” que poderão ser feitos por emendas.

Apesar das articulações feitas pela equipe econômica, o relacionamento entre governo e Congresso segue sob tensão. A Comissão de Agricultura da Câmara recebeu ontem o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, após convocação feita pelos parlamentares. O que era para ser uma audiência de debate sobre repercussões para o comércio externo do agronegócio dos posicionamentos do governo na política externa, abriu espaços para críticas abertas ao Executivo.

No entendimento de alguns dos membros, a política externa está pautada em ideologias, ao ter priorizado relações com Israel e com os Estados Unidos, e ter deixado em segundo plano o mercado asiático, sobretudo o relacionamento com a comunidade árabe e a China. O presidente do colegiado, Fausto Pinato (PP-SP), disse ser aliado do governo e apoiar decisões como o corte nas relações com Cuba e Venezuela, mas criticou o ideologismo considerado de extrema direita. “Sou assumidamente de direita, mas não sou obrigado a concordar com ideias loucas e sem dados”, declarou, referindo-se à falta de informações técnicas que tenham, até o momento, embasado as relações com nações como Israel, por exemplo, em detrimento dos países árabes.

A política externa conduzida por Ernesto teria, para alguns, obrigado a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, a apagar incêndios com a recente viagem à Ásia. Em defesa, o chanceler disse que as relações com a China, por exemplo, são independentes, classificando ser possível manter os relacionamentos atuais e ampliar as relações com outros mercados. (RC e MED)