O globo, n. 31335, 23/05/2019. País, p. 4

 

Perdas e ganhos

Natália Portinari

Bruno Góes

23/05/2019

 

 

Câmara mantém 22 ministérios do governo, mas tira Coaf de Moro

Ao votar a Medida Provisória (MP) 870, a Câmara manteve ontem a estrutura do governo com 22 ministérios, mas retirou o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) da alçada do ministro Sergio Moro (Justiça). Por 228 votos a 210, os deputados transferiram o órgão de volta para a pasta da Economia, contrariando o desejo inicial de Moro.

No fim da noite, divergências sobre a votação de trecho do texto que restringe a investigação sobre corrupção por auditores da Receita Federal levaram ao encerramento da sessão. Deputados do PSL queriam que essa votação fosse nominal, o que iria expor publicamente a opinião de cada parlamentar.

O debate será retomado hoje. A MP ainda tem que ser votada pelo Senado. Se não for apreciada até 3 de junho, a Medida Provisória perde a validade. Nesse caso, voltariam a valer os 29 ministérios do governo Michel Temer.

— Sobre a decisão da maioria da Câmara de retirar o Coaf do Ministério da Justiça, lamento o ocorrido. Faz parte do debate democrático. Agradeço aos 210 deputados que apoiaram o MJSP (Ministério da Justiça e Segurança Pública) e o plano de fortalecimento do Coaf — disse Moro à colunista Bela Megale.

Discurso anticorrupção

Antes da apertada votação do destaque do Coaf, parlamentares do PSL usaram a tribuna para discursar contra a corrupção. Eles foram vaiados pela oposição e deputados de centro.

Na comissão que analisou o tema no início do mês, centrão e oposição se uniram para defender a mudança no Coaf e a transferência da Fundação Nacional do Índio(Funai) de volta para a Justiça.

Ontem, os únicos partidos que orientaram o voto a favor de Moro, além do PSL, foram Podemos, PROS, Cidadania, NOVO e PV. O PSD e o PSDB liberaram suas bancadas. Ao justificarem o voto, líderes do centrão disseram que a prática internacional recomenda a permanência do órgão na Economia.

—Em todos os países civilizados, inclusive os que fazem parte da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), (órgãos como o Coaf ) funcionam nos respectivos ministérios da Economia. A Alemanha, em 2018, para fazer acordo internacional, teve que modificar da Justiça para a Economia —disse o líder do PP, Arthur Lira (PP-AL).

Para o líder do DEM, Elmar Nascimento (BA), a pressão das redes sociais pesou para que o placar não ficasse desequilibrado contra Moro. Ele sustenta que o argumento de devolver o Coaf à área econômica é técnico e não político. Já José Nelto (GO), líder do Podemos, lamentou a derrota do governo:

— É uma derrota de quem quer combater o crime organizado e a lavagem de dinheiro. Essa Casa representa a vontade popular, mas hoje ela não atendeu o povo brasileiro.

Mesmo com a deterioração da relação entre Palácio do Planalto e Congresso, anteontem líderes do centrão e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), decidiram votar Medidas Provisórias de interesse do governo para limpar a pauta. O objetivo é que deputados possam tocar a sua agenda, sem depender da articulação do governo. Líderes já encaram a postura do Congresso como uma forma de “parlamentarismo branco”.

Votação nominal

Ontem, no início da sessão, com medo de que o centrão não permitisse a votação nominal para o destaque do Coaf, o PSL apresentou um requerimento para ter qualquer decisão de mérito votada no painel eletrônico, com indicação de como votou cada parlamentar.

Insatisfeito, o centrão entrou em obstrução e o PSL recuou, retirando o requerimento. Depois, os líderes concordaram em contar os votos em painel eletrônico na votação sobre o Coaf.

Durante o encaminhamento da votação, o deputado Célio Silveira (PSDB- GO) afirmou que votaria tudo o que fosse “necessário para o país crescer e se desenvolver, inclusive a questão do Coaf”. Maia respondeu: —Mas não vai fazer o Brasil crescer, não é, deputado? O Coaf não vai fazer o Brasil crescer. Nós temos 20% da população cozinhando com lenha ou carvão.

Na sessão de ontem também foi rejeitado o desmembramento do Ministério do Desenvolvimento Regional em duas pastas: Integração Nacional e Cidades. A proposta estava prevista no relatório elaborado pelo líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE). Na última semana, após o presidente Jair Bolsonaro voltar a criticar o Congresso, a ideia foi abandonada pelos parlamentares que inicialmente a defendiam.

Deputados também tiraram a Funai da ministra Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos) e aprovaram o retorno do órgão ao Ministério da Justiça. A demarcação de terras indígenas, que tinha sido deslocada para a pasta da Agricultura, volta à Funai.

Negociações e jogo de pressão nos últimos meses

Redução de ministérios

Ao tomar posse, o presidente Jair Bolsonaro edita a Medida Provisória (MP) 870, reduzindo os ministérios de 29 para 22 e reorganizando o Executivo.

Recriação da pasta das Cidades

No dia 7 deste mês, o governo cede ao Congresso e anuncia que pretende desmembrar o Ministério do Desenvolvimento Regional em duas pastas: Integração Nacional e Cidades.

Comissão derrota governo

Dois dias depois, comissão especial do Congresso impõe derrota ao governo, ao retirar o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) da alçada do ministro Sergio Moro (Justiça) e devolvê-lo ao Ministério da Economia.

MP corre risco de caducar

Em meio a dificuldades na articulação política do governo, o centrão ameaça não votar a MP, que perde a validade em 3 de junho. Nesse caso, o Executivo volta a ter 29 ministérios.

Congresso desiste de recriar Ministério das Cidades

Planalto e líderes partidários chegaram a acordo anteontem para votar a MP. Os deputados desistiram de recriar as pastas de Integração Nacional e Cidades, mas havia divergências sobre o destino do Coaf.

Câmara tira Coaf de Moro

A Câmara aprovou o texto principal da MP, mas retirou o Coaf da alçada de Sergio Moro. A Medida Provisória ainda precisa ser votada pelo Senado