Correio braziliense, n. 20462, 30/05/2019. Economia, p. 6
Dívidas do funcionalismo chegam a R$ 198,5 bilhões no consignado
Beatriz Roscoe
30/05/2019
Servidores públicos tomaram R$ 42,1 bilhões de crédito pessoal consignado só nos primeiros quatro meses do ano, segundo dados do Banco Central (BC). O valor concedido de janeiro a abril é 39,7% mais alto do que o do mesmo período de 2018. No mês passado, o aumento foi de 11,1% na mesma base de comparação. O saldo de crédito consignado para servidores públicos em abril somava R$ 198,5 bilhões.
Segundo o professor de economia da Universidade de Brasília Newton Marques, duas possibilidades podem explicar o aumento dos empréstimos com garantia em folha: ou os servidores fizeram compras a crédito e não estão conseguindo pagar sem o empréstimo com juros mais baixos, ou quitaram dívidas e estão buscando consignado para reformas, compra de carros ou para outros investimentos.
É o caso do servidor público da Polícia Civil do Distrito Federal Bruno Barroso. Ele utilizou crédito consignado para um investimento. “Eu fiz empréstimo com desconto na folha de pagamento porque, no meu caso, vale muito a pena, os juros não são altos”. Ele pegou R$ 20 mil, e as parcelas ficaram em torno de R$ 840. Essa foi a primeira vez que Bruno recorreu ao consignado, mas, segundo ele, vários colegas de trabalho utilizam o empréstimo sempre.
“Eu vejo colegas falando nos grupos que conseguiram quitar um consignado, ou que faltam tantos meses para quitar. Vejo que, por não termos reajuste há um tempo, eles estão precisando de dinheiro para pagar contas. Escola particular, por exemplo, aumenta todo ano, e o salário não acompanha”, disse.
De acordo com o professor do Departamento de Economia da UnB José Luís Oreiro, provavelmente o que puxou esses números foram os servidores municipais e estaduais que, ao contrário dos servidores públicos federais, não tiveram reajuste de salário. “Há uma inflação acumulada que faz com que a renda caia. Não me parece que os servidores estão pegando empréstimos para comprar carros. A meu ver, provavelmente estão tomando dinheiro para fechar contas”, afirmou.
Segundo o professor de finanças da Fia e Unifesp Bolívar Godinho, não há como apontar uma justificativa para o aumento na concessão de consignados para servidores públicos: “Não há fatores macroeconômicos que justifiquem essa alta. A inflação subiu, mas foi pouco. É difícil ter uma justificativa clara do porquê”. Segundo ele, os servidores públicos podem estar pegando mais empréstimos, pois não têm receio em perder o emprego. De acordo com o chefe do Departamento de Estatísticas do BC, Fernando Rocha, os servidores públicos conseguem crédito consignado com mais facilidade que os demais e a operação tem taxas de juros menores.
Nos primeiros quatro meses do ano, também houve alta na concessão de crédito consignado para beneficiários do INSS, de 17,8% — R$ 28,5 bilhões ante R$ 24,2 bilhões de janeiro a abril de 2018 —; e de 36,7% para trabalhadores do setor privado — R$ 5,6 bilhões ante R$ 4,1 bilhões.
O saldo de crédito pessoal consignado total de pessoas físicas foi de R$ 351,292 bilhões em abril, com uma variação de 1% em relação ao mês anterior e acumulado de 5,4% no ano. O cheque especial teve saldo de R$ 25,534 bilhões para pessoas físicas, com variação no mês de 4,3% em relação a março e de 16,2% no acumulado do ano, o que é uma notícia ruim, segundo Rocha.
Oreiro considera essa modalidade de crédito a pior para o consumidor: “É a que possui as taxas mais altas, mais de 10% ao mês. As pessoas entram no cheque especial pela facilidade, mas uma vez que você entra, vira uma bola de neve. A pessoa se endivida cada vez mais”. Na opinião dele, isso mostra a gravidade do quadro econômico recessivo e demonstra que as pessoas estão sem renda.
O saldo total de operações de crédito do sistema financeiro nacional (SFN) alcançou R$ 3,3 trilhões no mês passado, mantendo-se estável em relação ao mês anterior. As operações com pessoas físicas cresceram 0,8% enquanto houve redução de 1,1% na carteira de pessoas jurídicas. No acumulado dos últimos 12 meses, a alta foi de 5,4% no saldo total, de 9,5% no crédito às famílias e de 0,6% nas operações com empresas.
De acordo com o BC, o total de operações de crédito em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) passou de 47,3% pra 47,0% na passagem de março para abril. As projeções, atualizadas no Relatório Trimestral de Inflação (RTI) de março, indicam expansão de 7,2% para o crédito total em 2019.