Valor econômico, v.19, n.4626, 08/11/2018. Brasil, p. A2

 

Rota 2030 passa na Câmara com benefíco a Nordeste e sem Goiás 

Raphael Di Cunto 

Marli Olmos 

08/11/2018

 

 

Após semanas de brigas entre as montadoras, a Câmara dos Deputados aprovou ontem a medida provisória (MP) do Rota 2030, nova política de incentivo à indústria automotiva que define as diretrizes para produção dos veículos que serão vendidos pelos próximos 15 anos, as metas de eficiência energética que deverão ser atingidas e os benefícios tributários, calculados em R$ 2,1 bilhões por ano pela Fazenda.

Embora o discurso do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), e do futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, ao longo de toda a campanha eleitoral tenha sido pelo fim dos subsídios e incentivos fiscais, o partido dele, o PSL, ignorou completamente a discussão da MP. Uma das emendas aprovadas prorroga o regime automotivo do Nordeste, que hoje custa cerca de R$ 2,5 bilhões.

Sem a interferência do governo eleito e nem da gestão Temer, a votação teve 6 das 9 emendas aprovadas. Os deputados diminuíram em três pontos o IPI de veículos híbridos (com motor elétrico) que sejam flex (gasolina e álcool) ou apenas a etanol, o que deve elevar a renúncia fiscal.

Por outro lado, a Câmara aprovou, por 158 a 145, destaque a oposição para que só sejam habilitados no Rota 2030 os veículos produzidos no Brasil - a MP permitia que aderissem ao programa também as que trabalhavam com importação e venda. O objetivo foi favorecer a produção e geração de empregos no país.

Até mudanças menores foram feitas, como excluir das diretrizes do programa a "automatização do processo de manufatura" e acrescentar que o Rota 2030 terá como meta "assegurar a expansão ou manutenção do emprego".

Desde a semana passada, o líder da sigla na Câmara é Eduardo Bolsonaro (SP), filho do presidente eleito. Ele, contudo, não participou da reunião de líderes que discutiu o projeto pela manhã - enviou de última hora o deputado Marcelo Álvaro (MG), que disse não estar acompanhando o assunto e não comentou sobre a MP. Os deputados do PSL se dividiram entre a abstenção e o voto a favor.

Conforme antecipado pelo Valor, a equipe econômica da transição do governo se manifestou internamente contra o programa, por achar que o subsídio é desnecessário e poderia ser mais bem aplicado em outra área ou usado para reduzir o déficit fiscal, mas cabia a Guedes decidir a estratégia política sobre isso.

O Rota 2030 concede incentivos tributários para investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D). As empresas terão, a cada cinco anos, que alcançar metas de eficiência energética e novas tecnologias. As montadoras defendiam que os créditos pudessem ser utilizados para abater todos os impostos, mas o benefício ficou restrito ao Imposto de Renda Pessoa Jurídica - o que desagradou as empresas que operam no vermelho e, por isso, não terão como utilizá-los.

Essa política foi desenhada pelo governo para substituir o Inovar-Auto, que foi condenado pela Organização Mundial do Comércio (OMC) pelo protecionismo. O presidente Michel Temer pretendia sancionar a MP hoje, na abertura do Salão do Automóvel, mas as divergências regionais atrasaram a votação. O Senado deve deliberar sobre a proposta na próxima semana -e, caso não aprove até o dia 16, ela perderá a validade.

O texto teve apoio até da oposição, mas disputas entre as montadoras em torno das emendas apresentadas criaram uma guerra entre as bancadas de cada Estado. A Fiat Chrysler Automobiles (FAC) articulou com a bancada de Pernambuco, onde tem fábrica, a prorrogação por mais cinco anos do regime automotivo do Nordeste, que acabaria em 2020. A emenda não agradou a Ford, com fábricas na Bahia e Ceará, e a articulação política do governo Temer teve que ceder e autorizar o uso dos créditos para abater todos impostos, e não apenas o IPI, como queria o Ministério da Fazenda. A vitória do governo é reduzir, a partir de 2021, os créditos em 40%.

Esse acordo, contudo, envolveu também a prorrogação do regime do Centro-Oeste, que beneficia montadoras com unidades em Goiás como a Mitsubishi e CAOA Hyundai. Mas a emenda foi malfeita e acabou elevando o valor dos créditos em quase três vezes, o que levou montadoras do Sudeste, como a Toyota, a pressionarem, com apoio dos deputados de São Paulo, pela retirada da emenda. O texto acabou revogado por 299 a 17 e as montadoras de Goiás ficarão sem a extensão de seu benefício fiscal.

Os dirigentes da indústria comemoraram a aprovação pela Câmara por dois motivos. Todo o setor celebrou a liberação de incentivos para pesquisa e desenvolvimento, a parte do programa mais aguardada pelo setor. Ao mesmo tempo, os representantes das montadoras do Sudeste celebraram a revogação da extensão dos benefícios para as empresas com fábricas no Centro-Oeste. "Isso acaba com o privilégio com recursos públicos para poucas empresas", destacou o diretor de assuntos governamentais da Toyota, Ricardo Bastos.

Executivos das montadoras temiam que a discussão ficasse para 2019, o que significava reabrir a discussão com um novo governo, que já demonstrou não ser simpático à ideia de incentivos fiscais.

O presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) Antonio Megale, disse que a entidade está pronta para explicar os detalhes do programa à futura equipe econômica e está preparando até um trabalho que mostrará, disse, que governos de outros países também dão incentivos fiscais para a pesquisa e desenvolvimento.

A posição da equipe de Bolsonaro contrária a benefícios fiscais preocupou menos o setor na medida em que o futuro ministro Paulo Guedes deu sinais da intenção de promover uma reforma tributária. "Se o Estado ficar mais leve não precisamos de subsídios", destacou o presidente da Volkswagen América Latina, Pablo Di Si. "Se reduzirem a carga tributária vão ajudar o consumidor, que chega a pagar hoje 40% a 45% de imposto no preço num carro", disse o presidente da Nissan Brasil, Marco Silva.

A abertura de um novo programa de refinanciamento tributário (Refis), proposto como uma emenda (o chamado "jabuti"), foi rejeitada pela Câmara.