Correio braziliense, n. 20462, 30/05/2019. Opinião, p. 11

 

Educação: o silêncio dos inocentes

Roberto Rocha

30/05/2019

 

 

Sou de um estado em que 15 municípios estão entre os 20 do Brasil que mais necessitam de recursos do Fundeb. Um único município, Buriti, depende 94,4% dessa receita. Sou de um estado em que a merenda escolar é, muitas vezes, a única refeição de uma criança ao longo do dia. Mais de mil cidades, em todo o Brasil, dependem em mais de 80% da participação do Fundeb e correm o risco de fechar escolas.

Mas não tenho esperança de assistir a manifestações cívicas para defender a garantia do mínimo das necessidades nutricionais dos mais vulneráveis dos brasileiros, que são as nossas crianças. São elas os inocentes que, em silêncio, mais precisam de uma voz que as defenda.Vejo com ânimo, no entanto, o vigor com que universitários se lançam em defesa da educação superior, movidos por desentendimento de como funciona o orçamento público. Um erro de comunicação do governo, falando em cortes, mobilizou milhares em todo o país.

Não posso querer que os estudantes conheçam a peça jurídica da Lei Orçamentária Anual (LOA), que fixa as despesas e estima as receitas da União para cada exercício financeiro, bem como da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que concede ao presidente da República o prazo de 30 dias, após a edição da LOA, para publicar o cronograma de execução mensal de desembolso.

Verificada a incompatibilidade entre ambas, seja por frustração de receitas, seja pela elevação de despesas obrigatórias, a responsabilidade fiscal impõe ao presidente a obrigação de editar decreto de contingenciamento. Ora, o governo não teve nenhuma opção legal senão adequar a receita ao cumprimento de metas fiscais. Outra saída seria rebaixar as metas, mas depende de aprovação rápida no Congresso Nacional, o que é inviável no quadro atual de tensão política entre o Executivo e o Legislativo.

O contingenciamento, portanto, nada mais é do que um instrumento de gestão, à disposição das autoridades para compatibilizar o fluxo de receitas com o de despesas. Não se trata de corte, mas de medida de prudência discutida e votada no Congresso Nacional para fazer cumprir a LRF. Curioso mesmo é parlamentares, que conhecem a lei, terem se lançado a uma cruzada com discursos de indignação moral contra uma atitude que vem sendo tomada por todos os governos há décadas.

Será que alguém se perguntou se o contingenciamento colocará em risco a saúde dos pequeninos no interior do Nordeste? Alguém está verdadeiramente preocupado com o fato de o Fundo Nacional de Educação Básica (Fundeb), criado em 2008, ter prazo de validade até o fim deste ano? Não seria hora de estarmos discutindo a eficácia desses recursos para garantir o seu melhor uso, dando prioridade para as regiões mais pobres do país?

São questões básicas que não têm merecido o foco da nação, envolvida em uma guerra ideológica da qual sai muito calor e pouca luz. E é apenas um exemplo. Parece que vivemos em constante erro de paralaxe, mirando não a realidade, mas os efeitos ideológicos dos problemas. Precisamos retornar às águas límpidas da origem de nossos problemas. Por que, com todo o dinheiro investido em nossa educação, os nossos jovens aprendem menos do que há 20 anos, segundo o Pisa? Por que não conseguimos dar alimentação de qualidade na merenda escolar? Por que, sendo nós a oitava economia do planeta, permitimos que 43% dos nossos jovens não concluam o ensino médio?

Essas perguntas não devem jamais nos fazer acreditar em empreender uma tábula rasa no campo educacional, como se estivesse tudo errado e precisássemos partir do zero novamente. Temos vasta história de acertos, temos indicadores precisos, diagnósticos e planos em curso, além de centenas de boas práticas em todo o país. Mas a educação, todos os países sabem, é penosa e coordenado esforço de longo prazo que depende de um pacto social que atravesse governos e mandatos. A educação não é um bem individual, como um fim em si mesmo, mas o principal ativo para o desenvolvimento econômico e social de uma nação.

Por tudo isso é necessário que a educação esteja na pauta da sociedade como uma agulha na consciência dos cidadãos. Do contrário, ficaremos para sempre mergulhados no mundo da escuridão da falta de conhecimentos, que é a melhor receita para a ruptura da coesão social que estamos vivendo. (...)