O globo, n. 31331, 19/05/2019. País, p. 5

 

Bolsonaro: ‘Apenas passei para meia dúzia de pessoas’

Gustavo Maia

19/05/2019

 

 

Questionado sobre texto segundo o qual o país é ‘ingovernável’, presidente mandou perguntar para o autor

O presidente Jair Bolsonaro afirmou ontem que “apenas” encaminhou para “meia dúzia de pessoas” o texto em que o Brasil é descrito como um país “ingovernável” fora dos “conchavos políticos”. Ele foi questionado sobre o envio da mensagem pelo WhatsApp depois de cumprimentar alunos de uma escola no Palácio da Alvorada, em Brasília.

— O texto, pergunta para o autor. Apenas passei para meia dúzia de pessoas — disse o presidente, na única resposta que deu aos jornalistas que estavam na frente de sua residência oficial.

O artigo foi escrito pelo servidor público Paulo Portinho, que trabalha na Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Ao compartilhá-lo com seus contatos no aplicativo de mensagens, conforme revelou o jornal “O Estado de S.Paulo”, Bolsonaro comentou que se tratava de “um texto no mínimo interessante” e de leitura “obrigatória”. Endossado pelo presidente, o texto tem um tom de desabafo sobre as dificuldades de governar e se encerra com a preocupação de que o governo seja “desidratado até morrer de inanição”.

A ideia principal é que Bolsonaro sofre resistência de “corporações” e que o Congresso o impede de aprovar medidas. Bolsonaro deixou a residência pouco antes das 11h, quando um grupo de estudantes de 4 a 12 anos da Escola Classe SRIA, do Guará, região administrativa do Distrito Federal, gritou seu nome nos portões do palácio.

De acordo com a vice-diretora da unidade, Carita Sá, 108 alunos saíram para visitar pontos turísticos de Brasília, e o encontro com o presidente não estava previsto. Ele saiu da residência acompanhado da primeira dama, Michelle Bolsonaro, e do ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno. Durante os mais de dez minutos de interação com as crianças, Bolsonaro pegou algumas delas no colo, posou para fotos e disse que cogitava ir até a escola para hastear a bandeira do Brasil antes do início das aulas, às 7h. Segundo a vice-diretora, ele afirmou que a assessoria da Presidência entraria em contato.

No meio do grupo de alunos, o presidente questionou qual era o melhor país do mundo e eles responderam, em uníssono, que é o Brasil. Bolsonaro também perguntou quais deles torciam para o Flamengo, e grande parte levantou as mãos e gritou.

Poderes limitados

Anteontem, ao dar explicações sobre o texto por meio de seu porta-voz, Otávio Rego Barros, Bolsonaro afirmou que “infelizmente, os desafios são inúmeros e a mudança na forma de governar não agrada àqueles grupos que, no passado, se beneficiavam das relações pouco republicanas. Quero contar com a sociedade para, juntos, revertermos essa situação e colocarmos o país de volta no trilho do futuro promissor”.

O artigo foi compartilhado por Bolsonaro no momento em que governo corre o risco de não conseguir aprovar, no Congresso, a medida provisória que reduziu ministérios e reorganizou o Executivo. A MP precisa ser votada até o dia 3 de junho, para não perder a validade.

Na comissão especial, deputados e senadores já tiraram o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf ) da alçada do ministro Sergio Moro (Justiça) e o devolveram para o Ministério da Economia. E o Ministério do Desenvolvimento Regional foi desmembrado em duas pastas: Integração Nacional e Cidades. Líderes do centrão também ameaçam impor novos limites à edição de medidas provisórias e derrubar decretos de Bolsonaro, como o que atribuiu ao ministro Carlos Alberto dos Santos Cruz (Secretaria de Governo) a avaliação de indicações para cargos de segundo e terceiro escalões.

“Que poder, de fato, tem o presidente do Brasil? Até o momento, como todas as suas ações foram ou serão questionadas no Congresso e na Justiça, apostaria que o presidente não serve para nada, exceto para organizar o governo no interesse das corporações”, diz trecho do texto compartilhado por Bolsonaro.