O globo, n. 31329, 17/05/2019. Opinião, p. 2

 

Mudança no orçamento amplia o ônus e o bônus do Poder Legislativo

17/05/2019

 

 

O governo anuncia que pretende mandar à votação, depois da reforma da Previdência, uma Proposta de Emenda Constitucional para eliminar todo tipo de obrigação, indexação, vinculação e centralização das despesas e receitas nos orçamentos da União, estados e municípios.

A reforma previdenciária é questão matemática, pendente de resolução desde os anos 90. Representa a imposição de um mínimo de racionalidade às contas nacionais. Esse segundo movimento, porém, teria outra dimensão política, além de um óbvio caráter complementar.

Nas palavras do ministro da Economia, Paulo Guedes, se trata de uma completa transferência ao Poder Legislativo da responsabilidade na definição das receitas e despesas nos orçamentos “de todos os entes federativos” — como explicou em debate no Rio, na semana passada.

O governo vê nessa proposta de mudança na Constituição a moldagem de um novo pacto federativo, sob as premissas da descentralização de poder, de recursos e de deveres nas áreas federal, estadual e municipal.

Se confirmada, mudaria a lógica da gestão pública brasileira, com reforço à independência e harmonia dos poderes. Congresso, Assembleias estaduais e Câmaras municipais passariam a ter voz ativa, de fato, na elaboração e na fiscalização dos orçamentos — tarefa típica do Legislativo na moderna democracia. E, claro, se responsabilizariam diante dos eleitores pelas escolhas feitas no limite da real disponibilidade de recursos.

Numa hipotética situação de escassez de dinheiro, seria dos parlamentares a decisão sobre aumentar ou congelar salários de servidores, investir ou cortar despesas em saúde, educação e segurança pública. “Em vez de o Congresso ficar pressionado o Executivo, por exemplo, pela liberação de emendas parlamentares orçamentárias de R$ 5 milhões, não seria melhor assumir o Orçamento da União com R$ 1,5 trilhão?” — argumenta o ministro.

O bônus, no caso, estaria no aumento do poder do Legislativo. O ônus de cada parlamentar estará na obrigatoriedade da transparência das escolhas, com permanente prestação de contas à sociedade e submissão dos resultados ao julgamento nas urnas a cada quatro anos. Em síntese, o Congresso assumiria a tarefa de fazer o orçamento, ao Governo caberia executá-lo.

Há que se aguardar a PEC anunciada para melhor avaliação, e saber se o ambiente estará favorável a essa nova iniciativa reformista. Ela pode induzir o Estado a uma guinada liberal, com a descentralização da gestão dos recursos públicos.