O globo, n. 31329, 17/05/2019. País, p. 4

 

Lava-jato nas nuvens

Aguirre Talento

17/05/2019

 

 

 Recorte capturado

Aéreas captaram R$ 2,5 milhões para fundo de caixa dois, delata dono da Gol

Em mais um capítulo de sua delação premiada, Henrique Constantino, um dos donos da Gol, afirmou que as principais companhias aéreas do Brasil criaram um fundo de R$ 2,5 milhões para repasses de caixa dois a parlamentares em troca de bom relacionamento com o Poder Legislativo. A ideia teria partido do presidente da Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear), Eduardo Sanovicz, que administraria os valores.

Segundo Constantino, Sanovicz promoveu uma reunião em 2014 na qual apresentou uma lista de oito parlamentares que seriam beneficiados com os recursos, entre eles o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), o presidente do MDB, Romero Jucá (RR), e o presidente do PP, Ciro Nogueira (PI). Constantino não relata, no entanto, se esses valores foram efetivamente pagos.

Segundo a delação, além de Sanovicz e Constantino, também estariam presentes na reunião representantes de três outras companhias aéreas: Marco Antonio Bolonha pela TAM, José Efromovich pela Avianca e José Mario Caprioli, da Azul. Por serem concessionárias de serviços públicos, as companhias aéreas não poderiam fazer doações a campanhas. Isso teria motivado a criação de um fundo e a opção de fazer os repasses via caixa dois. Tanto as empresas como os políticos citados negam as acusações e classificam as declarações do delator de “inverídicas”.

O dono da Gol não deu detalhes sobre a forma de pagamento e disse que essa operação ficou a cargo de Sanovicz, mas citou o uso de contratos fictícios para mascarar os repasses. Constantino não diz se as empresas obtiveram contrapartidas dos parlamentares em troca dos repasses citados.

De acordo com a delação de Constantino, Sanovicz escolheu os parlamentares que seriam beneficiados de acordo com sua representatividade e diversidade partidária. Além de Maia, Jucá e Nogueira, também estavam na lista os então parlamentares Marco Maia (PT-RS), Edinho Araújo (MDB-SP), Vicente Cândido (PT-SP), Otávio Leite (PSDB-RJ) e Bruno Araújo (PSDB-PE).

“Todos os representantes presentes aprovaram a contribuição no valor total de R$ 2,5 milhões, cujo montante foi pago pelas empresas à associação, a título de contribuição extraordinária, na proporção de suas participações no mercado doméstico”, disse Constantino na delação. As empresas, segundo ele, pagaram os valores à Abear por meio de boletos bancários expedidos pela associação durante o ano de 2015. A Gol teria pago cerca de R$ 800 mil.

Como revelou O GLOBO na segunda-feira, a delação premiada do dono da Gol foi homologada pelo juiz Vallisney de Oliveira, da 10ª Vara Federal do DF, e assinada pela força-tarefa Greenfield, do Ministério Público Federal. O material está mantido sob sigilo.

O caso envolvendo companhias aéreas e parlamentares está descrito no sétimo anexo de sua delação, cujo título é “Benefício financeiro a parlamentares ou ex-parlamentares”. As acusações colocam pela primeira vez as principais companhias aéreas do país na mira da Lava-Jato.

Constantino explicou aos investigadores que fundou a Abear em 2012 para desenvolver o relacionamento institucional do setor com a classe política. O empresário, então, relatou que houve uma reunião no fim de 2014 na sede da associação, em São Paulo, na qual houve a proposta de contribuir financeiramente para parlamentares para“melhorar o relacionamento da associação com o Legislativo”.

Embora não soubesse a forma exata de repasse aos parlamentares, Constantino cita detalhes envolvendo Marco Maia. O sócio da Gol diz ter sido procurado, em janeiro de 2017, em seu escritório por Eduardo Sanovicz. O presidente da Abear teria manifestado preocupação com uma operação de busca e apreensão da Polícia Federal feita contra o parlamentar petista no mês anterior. Segundo Constantino, Sanovicz estava preocupado que fosse apreendido um contrato fictício com escritório de advocacia usado para mascarar o repasse financeiro a Marco Maia.

R$ 70 milhões de volta

Agora, caberá ao juiz Vallisney decidir qual instância da Justiça ficará com essa investigação. Como envolvem caixa dois, a tendência é que o foro adequado seja a Justiça Eleitoral, segundo o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF).

Apesar deter se comprometido a devolve rR $70 milhões pelos crimes cometidos contra a Caixa Econômica Federal, que envolveram pagamento de propinas em troca da liberação de financiamentos, o empresário também poderá sofrer novas punições por outros crimes relatados. Como decidiu colaborar, essas punições devem ser atenuadas. A delação não estabeleceu previamente qualquer pena de prisão contra ele, cabendo ao juiz de cada caso decidir qual será o benefício.

________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Citados por Constantino negam financiamento ilegal

17/05/2019

 

 

Associação de empresas aéreas, políticos e companhias envolvidas na delação premiada do dono da Gol refutam acusações

As empresas e os políticos citados negaram as acusações de Henrique Constantino. Procurada para comentar, a Abear negou “veementemente” ter feito contribuições ilegais a políticos. “A Associação Brasileira das Empresas Aéreas desconhece o conteúdo da delação premiada do empresário Henrique Constantino, mas nega veementemente que já tenha feito qualquer contribuição financeira a parlamentares, por meio de contratos fictícios, em seus sete anos de atividade. A Abear reitera que está à disposição da Justiça e das autoridades competentes para prestar esclarecimentos a respeito”, diz a entidade, presidida por Eduardo Sanovicz.

A Gol, por meio de sua assessoria, afirmou: “Henrique Constantino não faz parte da administração da companhia desde julho de 2016, quando deixou o Conselho de Administração. A companhia esclarece ques empreesteveà disposição, cooperando comas autoridades ”. A Azul informouque“desconhece os fatos levantados”. A Latam, sucessora da TAM, também disse desconhecer os fato seque “prestará esclarecimentos à Justiça caso seja acionada”. A Avianca não respondeu.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, afirmou que “não recebeu nenhum tipo de benefício da Abear e que não conhece o delator”. A defesa de Romero Jucá classificou a acusação de “flagrantemente inverídica” e afirmou que as delações “têm tentado promover uma indevida criminalização da atividade política”. A defesa de Ciro Nogueira adotou a mesma linha: disse que os fatos são “inverídicos” e que as acusações tentam promover “indevida criminalização da política”.

Atual secretário de Turismo do governo do Rio, Otávio Leite diz nunca ter recebido repasses da Abear e que os recursos que obteve de campanha foram legais. O advogado de Marco Maia afirmou que o deputado não conhece Constantino e “aguardará o momento próprio para refutar as falsas acusações”. O ex-deputado Vicente Cândido também disse desconhecera doação.

O ex-deputado Bruno Araújo reagiu :“Conheço Sanovicz e dezenas de outros representantes de entidades públicas e privadas. Todas as doações recebidas foram devidamente declaradas”. Edinho Araújo, por sua vez, ameaçou ir à Justiça contra Constantino: “Repudio com veemência a menção ao meu nome. Conheci Sanovicz na Câmara”.