O globo, n. 31329, 17/05/2019. País, p. 6

 

MP investigará parentes de ex-mulher de Bolsonaro

Juliana Dal Piva

Bruno Abbud

17/05/2019

 

 

Nove familiares de Ana Cristina Valle tiveram seus sigilos quebrados; grupo foi nomeado nos gabinetes de Flávio e Jair

Nomeações tiveram início em 1998 no gabinete do então deputado Bolsonaro

Um dos novos focos do Ministério Público do Rio (MP-RJ) na investigação sobre a possível prática de “rachadinhas” — devolução de parte do salário de funcionários —no gabinete do então deputado estadual e agora senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) será um grupo de parentes de Ana Cristina Valle, ex-mulher do presidente Jair Bolsonaro e mãe de um de seus filhos, Jair Renan. Nove deles tiveram os sigilos fiscal e bancário quebrados a partir da decisão do Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ) no dia 24 de abril, divulgada esta semana pelo GLOBO.

Ana Cristina, com quem Bolsonaro viveu em união estável por dez anos, entre 1998 e 2008, foi a ponte para que a família Siqueira Valle começasse a integrar a extensa lista de funcionários do clã Bolsonaro, há cerca de 20 anos.

Entre 1998 e 2007, surgiram nas listas de funcionários do gabinete de Bolsonaro os nomes de integrantes da família Siqueira Valle. O primeiro foi o pai de Ana Cristina, José Cândido Procópio Valle, nomeado em 1998. Em seguida, foi a vez de uma prima, Juliana Siqueira Vargas, então estudante e agora funcionária da Caixa Econômica Federal.

Dois anos depois, em outubro de 2002, foram nomeadas a mãe de Ana Cristina, Henriqueta Guimarães Siqueira Valle, e a irmã, Andrea Siqueira Valle. Nenhuma das duas completou o ensino fundamental e ambas trabalharam boa parte da vida como donas de casa. Andrea é fisiculturista, vai à academia duas vezes por dia e também vive de bicos como manicure e faxineira.

Mais tarde, em 2006, foram nomeados o irmão André Luiz Procópio Siqueira Valle, que é músico, e o primo André Luiz de Siqueira Hudson, técnico em informática.

Ao longo de todo esse período, o escritório político de Bolsonaro sempre ficou em uma casa no bairro de Bento Ribeiro, na capital fluminense. Já os familiares de Ana Cristina viviam em Resende, no sul do estado.

Migração

Com o tempo, as nomeações dos integrantes da família de Ana Cristina passaram a ocorrer também no gabinete de Flávio, eleito deputado estadual na Alerj em 2002. Andrea, Juliana e José Cândido foram exonerados do gabinete de Bolsonaro e passaram a constar como funcionárias de seu primogênito. Com eles, vieram vários outros integrantes da família.

Entre as nomeações estão os primos Francisco Diniz e Daniela Gomes e os tios Guilherme Hudson, Ana Maria Siqueira Hudson, Maria José de Siqueira e Silva e Marina Siqueira Diniz.

Na Assembleia Legislativa, os integrantes da família tinham salários superiores a R$ 4 mil. Guilherme Hudson e Ana Maria Hudson, tios de Ana Cristina, recebiam salário bruto de R$ 9.800 cada um enquanto trabalhavam para Flávio. A irmã Andrea e os primos Juliana e Francisco tinham salário bruto de R$ 7.300. Já as tias Maria José e Marina e a prima Daniela recebiam R$ 4.400, R$ 5.900 e R$ 6.400, respectivamente.

A revista Época teve acesso a gravações em que dois familiares dizem que repassavam cerca de 90% dos salários de volta para Flávio, então deputado estadual. Nos áudios, dois deles relembram as devoluções, em dinheiro vivo, feitas na Alerj. Segundo apurou Época, os parentes nomeados nunca fizeram o trabalho de assessoria parlamentar.

A família de Ana Cristina morava em Juiz de Fora, em Minas Gerais, e foi levada por ela para viver em Resende, interior do Rio. Lá, segundo relatou uma pessoa próxima à família, Ana Cristina começou a recrutar, entre familiares e amigos próximos, interessados em trabalhar para o clã Bolsonaro.

O GLOBO procurou o Palácio do Planalto , mas não obteve resposta até o fechamento desta edição. Já o senador Flávio Bolsonaro e a advogada de Ana Cristina Valle informaram que não comentariam o teor da reportagem.

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Presidente diz que querem atingi-lo: ‘Não vão me pegar’

Henrique Gomes Batista

Paola de Orte

17/05/2019

 

 

Além do MP, o presidente criticou a imprensa e sugeriu que uma repórter deveria voltar para uma ‘faculdade que preste’

O presidente Jair Bolsonaro afirmou ontem que a investigação do Ministério Público (MP) sobre possível prática de “rachadinhas” — devolução de parte do salário de funcionários — no gabinete de um de seus filhos, o ex-deputado estadual e senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) tem o objetivo de atingi-lo.

— Agora, estão fazendo esculacho em cima do meu filho. Querem me atingir? Venham para cima de mim! Querem quebrar meu sigilo, e usei que tem quete rum fato, mas eu abro o meu sigilo. Não vão me pegar — afirmou o presidente no último dia de agenda em Dallas, no Texas. — Estão fazendo uma carga em cima dele (Flávio) desproporcional, descomunal, uma perseguição, porque é meu filho, nada mais além disso.

Ao pedir à Justiça do Rio a quebra dos sigilos fiscal e bancário de Flávio e de outras 85 pessoas enove empresas, o MP apontou indícios da existência de uma “organização criminosa” no gabinete de Flávio na Alerj.

Além do Ministério Público, Bolsonaro estendeu as críticas à imprensa:

— Grandes setores da mídia não estão satisfeitos com o meu governo. É governo de austeridade, de responsabilidade com o dinheiro público. É um governo que não vai mentir e não vai aceitar negociações, não vai aceitar conchavos para atender interesse de quem quer que seja. E ponto final.

Na mesma linha de Flávio, o presidente voltou a dizer que o filho teve o sigilo quebrado ilegalmente pelo MP a partir de relatórios do Conselho de Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf ). Diferentemente do que reiterou Bolsonaro, o senador só teve o sigilo quebrado no mês passado, por decisão judicial. O Coaf apenas comunica, conforme determinado em lei, a existência de indícios de lavagem de dinheiro às autoridades responsáveis por investigações, caso do Ministério Público.

— É a jogadinha. Quebraram o sigilo bancário dele desde o ano passado e agora, para dar um verniz de legalidade, quebraram oficialmente. E de mais 93 pessoas, se não me engano. Nossa Senhora, tem uma Lava-Jato aí. Vai fundo, vai fundo. Isso aí é ilegalidade. Eu não sou advogado, (mas parece) nulidade de processo — disse Bolsonaro.

Ataques à imprensa

Na mesma entrevista, Bolso na roa tacou a imprensa e sugeriu que uma repórter deveria voltar para uma “faculdade que preste” e fazer “um bom jornalismo”. A profissional havia questionado o presidente sobre o bloqueio de recursos da educação. Bolsonaro respondeu que não era corte, mas contigenciamento, e atacou a repórter da Folha de S. Paulo.

—Foi da Folha? Aprendeu a Folha de S.Paulo? Primeiro, você, da Folha de S.Paulo, tem que entrar de novo numa faculdade que presta e fazer um bom jornalismo. É isso que a Folha tem que fazer e não contratar qualquer uma ou qualquer um para ser jornalista, para ficar semeando a discórdia e perguntando besteira por aí e publicando coisas nojentas. É isso que vocês da Folha têm que fazer — disse o presidente, sendo aplaudido por alguns simpatizantes..

Em seguida, Bolsonaro perguntou se a repórter queria continuar a debater com ele. Ao ouvir que ela apenas queria saber sobre os cortes orçamentários, Bolsonaro encerrou a entrevista.

Antes, Bolsonaro criticou o Grupo Globo ao ser questionado sobre as investigações sobre seu filho:

— A Globo ficou sabendo da quebra do sigilo do meu filho desde o ano passado. Pergunta para a Globo, é uma jogadinha, entre o Ministério Público do Rio de Janeiro coma Globo.

Após a entrevista, o presidente publicou no Twitter o trecho em que critica a repórter da Folha.

“Aqui nos Estados Unidos uma repórter da Folha desconhecia a diferença entre corte e contingenciamento. Nós explicamos. Assista ", postou.