Valor econômico, v.19, n.4633, 21/11/2018. Opinião, p. A10

 

É errado limitar o desconto na venda de livros novos 

Nilson Teixeira

21/11/2018

 

 

O governo federal discute uma possível mudança na Lei do Livro, de 2003, com a inclusão de uma regra que impediria a concessão de descontos acima de 10% no primeiro ano de comercialização dos livros. O projeto tiraria a liberdade do varejista de reduzir os preços desses bens durante o período de lançamento e, consequentemente, não pressionaria, em tese, a margem de lucro dos demais comerciantes.

Segundo o Painel de Vendas de Livros do Brasil da Nielsen e do Sindicato Nacional de Editores de Livros, após declinar 3,1% em 2016 e aumentar 6,2% em 2017, o faturamento na venda de livros aumentou 9,3% nas primeiras 36 semanas de 2018 frente ao mesmo período de 2017. O número de exemplares comercializados cresceu 5,7% no acumulado deste ano, após ter aumentado 4,6% em 2016 e declinado 10,8% em 2016. O crescimento recente do faturamento e da venda de exemplares reflete muitos fatores, entre os quais os estímulos gerados pelos descontos aplicados pelas redes varejistas sobre os preço das capas.

Esses números sugerem que as dificuldades enfrentadas nos últimos anos por algumas empresas importantes do mercado de livros estão muito mais associadas a erros de gestão e à forte competição advinda da revolução digital do que a eventuais problemas estruturais do setor.

Tenho posição oposta àqueles que argumentam que a medida em discussão no governo é necessária e que beneficiará a sociedade ao incentivar a produção e aumentar a disponibilidade de títulos. Minha argumentação não muda, mesmo sabendo que alguns países desenvolvidos adotam o tabelamento de preços ou a imposição de limites de desconto por um determinado período para livros recém-lançados.

A existência de políticas protecionistas nesses países não pode ser a justificativa para se cometer o mesmo erro no Brasil. No momento em que o governo eleito quer reduzir a intervenção do Estado na economia, seria equivocado implementar essa proposta no mercado literário.

A mudança do padrão de consumo, com a crescente participação das vendas de bens pela internet, é um fenômeno que se espalhou e transformou vários mercados, inclusive o literário. O enfraquecimento da estrutura tradicional de comércio de livros deve-se a erros estratégicos de empresas do setor e, principalmente, à mudança da preferência dos consumidores, que passaram a optar pela aquisição de livros pela internet, em particular na Amazon.

A comercialização de livros mudou bastante em vários países. Segundo a Data Guy, a oferta de livros impressos os Estados Unidos alcançou 687 milhões de exemplares em 2017, sendo que 46% foram comprados pela Amazon. O aumento anual da comercialização de 2% a 3% nos últimos anos deve-se à elevação contínua das vendas pela Amazon, enquanto a maioria dos outros canais continua a ter vendas declinantes.

O consumidor, neste caso o leitor, tem que ser soberano. Se os produtos são mais baratos na internet, é mais cômodo comprar sem sair de casa e os consumidores julgam que não vale a pena pagar mais por um bem em um lugar que ofereça experiências não disponíveis na compra pela internet, não há o que ser feito. Do mesmo modo, assumindo que não se constitua dumping, proibir que um varejista ofereça qualquer que seja o produto por preço abaixo do seu custo é um erro crasso.

Se a estratégia do vendedor é associar a venda desse bem a outro para atrair consumidores, que assim seja. Isso estimulará a venda desse produto específico, o que é bom para o consumidor. A competição é salutar. Tabelar preços de livros recém-lançados, em geral os de maior demanda, não é uma boa estratégia. Seria um equívoco o governo apoiar essa empreitada.

É duro dizer mas, no limite, muitas livrarias nas suas formas atuais terão de ser reinventadas ou fechadas. Faz parte, apesar de ser custoso para os que enfrentam esse desafio. É prejudicial para a sociedade a imposição de tabelamentos e preços mínimos nos lançamentos de livros, mesmo que temporários. Os únicos beneficiários seriam alguns varejistas já estabelecidos, que manteriam um mercado cativo e não precisariam reduzir custos e buscar maior eficiência.

O argumento de que o limite nos descontos de preços beneficia a população ao permitir que haja uma infraestrutura com ampla variedade de títulos desconsidera que preços mais altos afastam o leitor. Isso certamente não incentiva a leitura e nem o consumo de livros. Ao aumentar seus preços ou evitar que diminuam, sua demanda recuará no curto e longo prazos. Certamente, o estímulo à leitura passa por medidas que vão além da simples redução dos preços, mas esse objetivo não será alcançado com preços mais altos, mesmo se restritos aos lançamentos.

Sugiro aos que defendem a limitação do desconto na venda de livros que reflitam sobre a razão de não se implementar a mesma proposta no mercado de hortifrutigranjeiros, por exemplo. Utilizando um dos argumentos desses defensores, os produtores de alimentos receberiam preços maiores e seriam capazes de distribuir seus produtos para mais varejistas, facilitando o acesso dos consumidores. A história tem um senão insanável. Por preços mais elevados, os consumidores ou os leitores comprarão menos mercadorias. Não há como fugir dessa realidade.

Torço para que o governo arquive rapidamente essa proposta. A imposição de limites aos descontos aplicados na venda de livros recém-lançados prejudica os leitores e, portanto, seria um erro encaminhar medida dessa natureza ao Congresso.