Valor econômico, v.19, n.4634, 22/11/2018. Opinião, p. A16

 

Modelo a ser alcançado pela CGU na agência anticorrupção 

Alexandre Cordeiro 

Marcelo Viana 

22/11/2018

 

 

O Brasil tem vivenciado nos últimos anos o crescimento exacerbado da corrupção em nível sistêmico, bem como os efeitos deletérios por ela causados, preocupando-se cada vez mais com seu controle e combate. Apontada como o principal problema do país na atualidade1, a corrupção despontou como a maior causa de aflição dos cidadãos, ficando à frente de problemas em relação à saúde, desemprego, educação e violência.

Não fosse a ação diligente dos órgãos de repressão de tal ilícito, muitas dessas condutas criminosas não chegariam ao conhecimento público. Dentre os diversos entes públicos responsáveis pela prevenção, investigação e punição dos atos de corrupção, destaca-se o Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União, órgão da Administração Direta do Poder Executivo Federal, que apesar da sua importância no cenário nacional, não reúne características necessárias de autonomia e independência para maximizar suas funções institucionais.

As atividades e competências2 de auditoria, correição, ouvidoria, transparência e prevenção da corrupção do referido órgão são agora atreladas ao rol de funções que assumiu com o advento da Lei nº 12.846/2013, a chamada Lei Anticorrupção. Dentre as recentes funções, compete-lhe a missão de promover a responsabilização administrativa de empresas privadas envolvidas em casos de corrupção, com a possibilidade de aplicação sanções administrativas.

Outra competência importantíssima originada no diploma legal mencionado é a possibilidade de realização de acordos de leniência com empresas responsáveis pela prática de atos lesivos à administração pública que desejam colaborar com as investigações em troca de benefícios e redução das sanções aplicáveis.

Desse modo, é pertinente discutir qual modelo institucional deve ser adotado pela CGU, tendo em vista os desafios e a relevância das suas atribuições, as quais clamam por atuação técnica, imparcial, autônoma e com independência funcional, destacando-se especialmente a forma de nomeação e exoneração de seus dirigentes.

Nesse caso, o modelo americano de órgão independente consiste em um importante benchmarking para o caso brasileiro. Seu pioneirismo e resultados alcançados indicam que as características de autonomia e independência tendem a contribuir para decisões mais técnicas e imparciais.

A concepção de órgãos administrativos que gozem de uma independência política floresceu nos EUA, encontrando suporte do Poder Judiciário que entendeu como constitucionalmente legítima a criação de entes públicos híbridos que, apesar de administrativamente vinculados ao Poder Executivo, possuem funções de natureza legislativa e judicante. Apesar de tal espécie de agência usufruir de outras importantes características que lhe asseguram autonomia funcional, o ponto central de toda a discussão da autonomia é o requisito de que tais instituições sejam comandadas por dirigentes indicados para o exercício de um mandato e que não podem ser removidos pelo presidente sem uma justa causa.

Com efeito, a legitimação do desenho institucional adotado, primordialmente pelas agências reguladoras, e por outras entidades da administração pública, que reúnem elementos de autonomia funcional, requereu do legislador brasileiro dotar tais agências de quatro características fundamentais: 1- independência política dos dirigentes; 2- independência técnica decisional; 3- independência normativa; e 4- independência gerencial, orçamentária e financeira ampliada.

Logo, tanto no direito administrativo americano como no brasileiro, observa-se crescente evolução no sentido de se argumentar a favor da criação de entes públicos que gozem de uma independência funcional mínima que permita o exercício de atividades consideradas mais técnicas e que, portanto, não poderiam estar tão sujeitas a mudanças bruscas de rumos que, por vezes, a alteração no cenário político-partidário provoca.

Nesse contexto, baseando-se no direito americano e na doutrina pátria aplicável às agências reguladoras, à CGU deve-se buscar um modelo institucional que lhe confira maior autonomia funcional, com especial destaque para a forma de nomeação e exoneração de seus dirigentes. Desse modo, muitas das decisões do órgão de combate à corrupção podem contrariar os interesses do órgão no qual está vinculado. Sendo assim, a solução pode ser a criação de um modelo de "Agência Anticorrupção", com independência e autonomia para exercer suas funções institucionais livres da pressão política natural de qualquer estado democrático de direito.

No Brasil, um bom exemplo desse tipo de instituição é o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). O Cade é uma autarquia vinculada ao Ministério da Justiça que possui várias das características de independência e autonomia citadas acima e, por esse motivo, recebeu nos últimos dois anos o prêmio de Melhor Agência Antitruste das Américas da "Global Competition Review", ficando à frente de agências tradicionais como Department of Justice (Doj) e Federal Trade Commission (FTC) dos Estados Unidos e o Competition Bureau do Canadá. A estratégia de vincular a CGU ao Ministério da Justiça parece uma excelente ideia desde que ela se torne uma Agência Anticorrupção.

1. Disponível em: www1.folha.uol.com.br/poder/2015/11/1712475-pela-1-vez-corrupcao-e-vista-como-maior-problema-do-pais.shtml. Pela 1ª vez, corrupção é vista como maior problema do país, diz Datafolha.

2. Atualmente, a Lei que estabelece as competências da CGU é a nº 13.502/2017. Constituem a área de competência do Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União (CGU) as providências necessárias à defesa do patrimônio público, ao controle interno, à auditoria pública, à correição, à prevenção e ao combate à corrupção, às atividades de ouvidoria e ao incremento da transparência da gestão no âmbito da Administração Pública Federal.