Valor econômico, v. 19 , n. 4637 , 27/11/2018. Política, p. A6

 

Temer sanciona reajuste do judiciário e fux, em troca, corta auxílio-moradia

Adrea Jubé,

​Carla Araújo

Isabela Peron

Fabio Graner

27/11/2018

 

À revelia de pareceres internos da área econômica do governo, o presidente Michel Temer sancionou ontem o reajuste de 16,38% ao Judiciário aprovado pelo Congresso. Em contrapartida, o ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), revogou as liminares que permitiam o pagamento irrestrito de auxílio-moradia para juízes de todo o país, integrantes do Ministério Público, Defensorias Públicas e tribunais de contas. O aumento no salário dos ministros da Corte gera um efeito-cascata em todo o funcionalismo público.

As decisões sincronizadas fazem parte de um acordo feito entre Temer e o presidente do STF, Dias Toffoli, com a participação de Fux. O combinado foi que, assim que a medida fosse sancionada, o Judiciário abriria mão de receber o "penduricalho".

Desde que o Senado aprovou o reajuste, no dia 7, Temer manteve conversas com os ministros do STF para encontrar uma saída para o caso. Em uma reunião há duas semanas no Palácio do Jaburu, os ministros mostraram dados para apontar que o aumento não causaria impacto nos gastos do Judiciário, pois tribunais superiores e regionais federais já teriam remanejado recursos para fazer frente ao reajuste.

Pressionado pela opinião pública e por governadores para não conceder o aumento - até o presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), se posicionou publicamente contra a sanção -, Temer pediu novos estudos às equipes jurídica e econômica. Entretanto, ignorou os pareceres que apontavam violação a uma série de dispositivos constitucionais e legais - entre eles o que determina a estimativa de impacto das medidas que elevem as despesas. Segundo essas pesquisas, o aumento desrespeita a Lei de Responsabilidade Fiscal e comprime o já cada vez mais limitado espaço para as despesas discricionárias, por conta do teto de gastos.

Com o reajuste, o salário dos ministros do Supremo e da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, passará de R$ 33,7 mil mensais para R$ 39,2 mil. Como o valor do subsídio é o teto do funcionalismo público, a aprovação deve gerar um rombo de R$ 4 bilhões nos cofres da União e dos estados, segundo cálculos de técnicos do Congresso.

Ontem, antes mesmo de o Palácio do Planalto confirmar que Temer havia sancionado o aumento, Fux divulgou que havia revogado as liminares que concediam o auxílio-moradia. Na decisão, afirma que "qualquer membro do Poder Judiciário, do Ministério Público, das Defensorias Públicas, das Procuradorias, dos Tribunais de Contas ou de qualquer outra carreira jurídica" está proibido de receber o benefício. Estados que tinham lei própria sobre o assunto também devem interromper o pagamento.

O fim do auxílio-moradia passa a valer a partir de janeiro, quando o aumento para a magistratura começar a ser pago. Caberá ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) regulamentar a decisão de Fux. Há espaço para exceções, como pagar o benefício para um magistrado que tenha sido transferido de uma cidade para outra.

Fux concedeu as liminares em 2014. Para justificar o recuo agora, quatro anos depois, afirmou que a sanção do reajuste é "um fato novo de amazônica repercussão" e requer um novo posicionamento.

Segundo ele, o fim do benefício é um contrapeso ao reajuste, devido à repercussão econômica "vultosa para os cofres de todos os entes da federação", sobretudo em contexto de grave crise econômica. "Em cenários como esse, o Judiciário deve, sempre que possível, proferir decisões ou modificar as já existentes para que produzam um resultado prático razoável e de viável cumprimento".

Associações de juízes e procuradores estudam recorrer da decisão de Fux. Para essas entidades, o fim do auxílio-moradia não deveria ter sido utilizado como moeda de troca pelo reajuste. O benefício é considerado por elas um direito legal, previsto na Lei Orgânica da Magistratura.