Valor econômico, v.19 , n.4637 , 27/11/2018. Opinião, p. A8

 

É recomendável a redução do volume de reservas cambiais?

Ailton Braga

27/11/2019

 

 

O futuro Ministro da Economia, Paulo Guedes, defendeu a venda de parte das reservas cambiais, em momentos de turbulência econômica e alta da cotação do dólar, e a utilização dos recursos arrecadados para reduzir a dívida pública bruta, e, dessa forma, diminuir o custo de carregamento da dívida do governo brasileiro. A ideia foi, em geral, bem recebida, mas também recebeu críticas, devido à interpretação de que ela indicaria a imposição de limites para a taxa de câmbio nominal e possível mudança do regime de câmbio flutuante para um de câmbio administrado ou até banda cambial.

Além do mais, economistas ressaltaram a importância do ajuste fiscal para diminuir a necessidade de elevadas reservas cambiais, que funcionam como um seguro, ao reduzir a dívida líquida do setor público em momentos de instabilidade financeira e consequente desvalorização da moeda brasileira. Neste artigo, buscaremos relacionar a proposta de redução do volume de reservas cambiais a uma discussão mais ampla acerca do relacionamento financeiro entre o Banco Central (BC) e o Tesouro Nacional (TN).

Há vários estudos que mostram que o Brasil tem níveis de reservas cambiais mais elevados do que o necessário por razões precaucionais, considerando-se o possível aumento da demanda por dólares em situações de estresse financeiro. Conforme estudo de Josué Pellegrini (2017), o nível das reservas cambiais brasileiras tem se situado, desde 2011, cerca de 60% acima do indicado pelo FMI como o desejável para se precaver contra riscos potenciais associados ao balanço de pagamentos. Isso equivale a um excedente, para os níveis atuais de reservas cambiais (US$ 383 bilhões), de aproximadamente US$ 143 bilhões. Como há um custo para a manutenção dessas reservas, devido ao diferencial entre taxas de juros internas e externas1, a venda de parte das reservas, algo como US$ 115 bilhões, ou 30% de seu total, poderia reduzir os custos financeiros da União em cerca de 0,36% do PIB a cada ano, ao mesmo tempo em que seriam mantidos níveis de reservas compatíveis com a função de proteção contra situações de aumentos da aversão ao risco nos mercados financeiros nacional e internacional.

A venda das reservas cambiais levaria a redução da oferta de moeda, o que teria que ser compensado pelo resgate de operações compromissadas por parte do Banco Central, de forma a sustentar níveis de liquidez compatíveis com a meta para a taxa Selic. A redução do volume de operações compromissadas diminuiria a Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG) em algo próximo a 6,4% do PIB. Em cinco anos, a redução da DBGG, acrescentando-se a economia resultante da redução do custo do carregamento das reservas cambiais, poderia chegar a 7,9% do PIB. Além disso, o menor volume de operações compromissadas, que são corrigidas pela taxa Selic e têm prazos curtos de vencimento (três semanas em média), ajudaria a melhorar o perfil da dívida pública.

Um risco seria a possível valorização cambial. Porém, esse efeito adverso pode ser mitigado, principalmente se considerarmos o volume atual de swaps cambiais (US$ 68 bilhões), que correspondem a venda de dólares no mercado futuro. A redução das reservas poderia ser feita gradualmente e de forma concomitante à diminuição do volume de swaps cambiais. Assim teríamos o aumento gradual da oferta de dólares no mercado à vista sendo compensado pela redução da oferta no mercado futuro.

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Após a redução a zero do valor dos swaps cambiais, as vendas de dólares pelo Banco Central poderiam tornar-se mais esporádicas e esperar janelas de oportunidade em que ocorressem aumentos da demanda pela moeda externa. É importante deixar claro que a proposta tem por objetivo melhorar o perfil e reduzir o custo de carregamento da dívida pública e não impor qualquer meta para a taxa de câmbio.

Os referidos ajustes na gestão dos ativos e passivos cambiais do Banco Central devem ser complementados por mudanças na legislação que rege as transferências de resultados do Banco Central para o Tesouro Nacional, pois, conforme bem detalhado por estudo de Marcos Mendes (2016), a regra atual2 levou a acumulação contínua de recursos na Conta Única, os quais foram utilizados para recomprar títulos do Tesouro Nacional em mercado, elevando a liquidez na economia e obrigando a autoridade monetária a reduzir o excesso pela colocação de operações compromissadas, as quais chegaram a 18% do PIB ou 25% da dívida pública bruta, em 2017, o que piorou o perfil da dívida, devido aos prazos de vencimentos curtos dessas operações. Além do mais, o excesso de recursos na Conta Única, ao reduzir a restrição orçamentária do Tesouro Nacional, pode ter sido um fator que estimulou o aumento de gastos públicos e a piora do resultado primário.

Em relação ao tema, já foi aprovado pelo Senado e está em tramitação na Câmara dos Deputados, o PL nº 9.283, de 2017, que prevê, de forma resumida, que o resultado das operações cambiais do Banco Central seja destinado a constituição de reserva contábil, que será utilizada para a cobertura de resultados negativos futuros. Se aprovado o projeto de lei, os voláteis resultados contábeis do Banco Central deixarão de alimentar a Conta Única e de estimular o aumento da liquidez e do volume de operações compromissadas.

Outro ponto a ser aperfeiçoado na gestão da dívida pública e da política monetária seria a criação de um instrumento para o controle da liquidez na economia alternativo às operações compromissadas: os depósitos remunerados no Banco Central3. Esses depósitos, que são utilizados pelos principais bancos centrais do mundo, permitem que o excesso de liquidez na economia seja reduzido por meio de depósitos voluntários e remunerados mantidos pelas instituições financeiras no Banco Central. Isso permitiria a redução do volume de operações compromissadas e a consequente redução da DBGG, já que os depósitos voluntários não são contabilizados como parte da dívida bruta.

Enfim, as propostas apresentadas refletem estudos e análises feitas, ao longo dos últimos anos, por economistas do governo, da academia e do setor privado e buscam aprimorar a gestão da dívida pública e da política monetária. Entretanto, não têm o condão de reduzir a necessidade de ajuste das contas públicas com vistas a viabilizar o controle do nível de endividamento e permitir uma redução consistente das taxas de juros reais.

 

1. Esse custo ficou entre 1% e 2,5% do PIB a cada ano, entre 2007 e 2017 e tende a ficar próximo a 1,2% do PIB nos próximos anos, conforme estimativas apresentadas por Pellegrini (2017).

2. A Lei nº 11.803, de 2008, prevê que, semestralmente, o resultado positivo da autoridade monetária seja transferido ao Tesouro Nacional, por meio de depósitos na Conta Única, e que o resultado negativo seja coberto por meio de aportes de títulos públicos do Tesouro Nacional em favor do BC. Como o resultado semestral da autoridade monetária é bastante volátil, devido a sua sensibilidade às variações da taxa de câmbio, a Conta Única tende a ter contínua acumulação de recursos, enquanto o BC acumula títulos públicos em sua carteira.

3. Nessa linha, foi encaminhado à Câmara de Deputados, pelo Poder Executivo, o PL nº 9.248, de 2017, que autoriza o BC a acolher depósitos voluntários à vista ou a prazo das instituições financeiras.

Ailton Braga é consultor legislativo do Senado.a2braga@uol.com.br