Valor econômico, v.19, n.4638, 28/11/2018. Opinião, p. A10

 

Como o governo pode servir melhor gastando menos 

Rodrigo Lowndes 

28/11/2018

 

 

Por anos lutamos no Brasil com o desafio de prover mais e melhores serviços públicos à população, mas limitados por nosso orçamento. Por um lado, não há creches para as crianças, o ensino nas escolas públicas é ruim, as pessoas esperam horas em um hospital do SUS para serem atendidas e o crime nas ruas segue impune. Por outro, o governo arrecada em impostos mais de um terço de todo o esforço privado produzido no ano por trabalhadores e empresários, e ainda gasta mais do que arrecada, gerando déficits, dívida alta e juros caros.

Apesar da grande maioria dos candidatos políticos bradarem durante as eleições que "dá pra fazer", "tem dinheiro" e "é só reduzir a corrupção", a realidade é que as demandas são muitas, e as soluções tradicionais custam muito mais dinheiro que os 3% de comissão usualmente cobrados pela corrupção brasileira.

Felizmente, há uma solução sendo desenvolvida no mundo para amenizar esse problema, oferecendo melhores serviços públicos a um custo menor, através da tecnologia.

Nos últimos 20 anos vimos mudar muitos de nossos hábitos pessoais. As enciclopédias e dicionários foram substituídos por uma busca rápida. As longas filas nos cinemas foram substituídas pela compra de um assento online, ou mesmo por um vídeo sob demanda no conforto de nosso sofá. Podemos fazer cursos à distância sem precisar gastar mais tempo de deslocamento no trânsito que no próprio curso.

Aqui no Brasil, no entanto, os serviços públicos ainda parecem estar no século passado, apesar de algumas iniciativas isoladas. Ironicamente, a área do serviço público do Brasil mais à frente no uso da tecnologia tem sido a área fiscal, para nos cobrar impostos.

Em plena era digital, se mudamos nossa residência no Brasil, ainda precisamos ir pessoalmente a diversos órgãos públicos para alterar nosso endereço, em diversos bancos de dados descentralizados. Uma vaga na creche ou atendimento em um posto de saúde ainda está sujeito a longas filas de espera. Muitas informações sobre serviços públicos, como aposentadorias e saldos de FGTS, ainda estão sujeitas a um comparecimento presencial. Muitas informações, notificações e multas ainda são enviadas pelo governo fisicamente pelos Correios.

Em outras partes do mundo, a prestação desses serviços está mudando e melhorando rapidamente através da tecnologia. Na Dinamarca, cidadãos podem acessar mais de 2 mil serviços no portal nacional Borger.dk, desde alterar seu endereço residencial até registrar um filho na creche, e 91% dos cidadãos recebem toda sua correspondência com o governo online.

Dinamarca, Austrália, Nova Zelândia e Israel também possuem excelentes estratégias e serviços no setor de saúde de forma digital. Mas para não olharmos apenas para países desenvolvidos, citamos um pequeno e pobre país africano chamado Ruanda. Nos últimos dois anos, várias reformas foram introduzidas no setor de saúde de Ruanda, com a ajuda de organizações mundiais. Começaram por introduzir registros de saúde eletrônicos centralizados para pacientes de Aids e depois expandiram o uso para gerenciar aspectos financeiros do sistema, registros, consultas, registros clínicos, e até o gerenciamento de suprimentos médicos.

Alguns países estão até mesmo testando plataformas de atendimento eletrônico dotadas de inteligência artificial, para prestar o primeiro atendimento médico a pacientes. Na Grã-Bretanha, por exemplo, já existe um serviço de inteligência artificial chamado Babylon Health, integrado ao Serviço de Saúde Nacional (NHS, National Health Service), que está sendo testado em um hospital público para responder a chamados não emergenciais. Das 40.000 pessoas que testaram a opção eletrônica em 2017, 40% foram direcionadas para uma opção de auto-tratamento indicadas pelo sistema, sem necessitar consultar com um médico. Cerca de 21% das pessoas que testaram a opção eletrônica foram direcionadas para buscar atendimento emergencial, curiosamente a mesma proporção de pessoas direcionadas pelo atendimento através uma pessoa física.

Até mesmo os serviços de segurança policial vêm sendo revolucionados pela tecnologia. Em várias cidades dos Estados Unidos, um sistema monitora todas as ocorrências e envia patrulhas para os locais em que o sistema indica uma maior probabilidade de ocorrência de um crime naquele determinado dia e hora, tornando o patrulhamento mais efetivo e menos custoso. Outras iniciativas incluem o uso de drones para patrulha, realidade aumentada, social mídia, biometria, leitores automáticos de placas de veículos e GPS.

A implantação desses sistemas também custa dinheiro. Mas a economia anual gerada representa, na grande maioria dos casos, valores que pagam esses investimentos em alguns poucos anos. E a qualidade do serviço prestado à população aliada à tecnologia é muito superior. Por esse motivo, países como o Brasil, com muitas demandas sociais e poucos recursos, deveriam focar na modernização de seus governos através da tecnologia, através de um plano bem formulado, assessoria de pessoas capacitadas, utilizando os bons exemplos já implantados em outros países, orçamentos plurianuais específicos e, sobretudo, colocando esse assunto como prioridade política.

"National Digital Health Strategies Around the World", The Medical Futurist, 16/10/2018.

"Your next doctor's appointment might be with an AI", por Douglas Heaven, 16/10/2018.

"Mapped: the world's best digital governments", apolitical.co, 13/08/2018.

"Technologies That Are Changing the Way Police Do Business", por Timothy Roufa, 13/05/2018.