Valor econômico, v.19, n.4640, 30/11/2018. Brasil, p. A2

 

Concessões podem puxar receita em 2019, mas zerar déficit é 'desafiador'

Edna Simão 

Fábio Pupo 

30/11/2018

 

 

Com a perspectiva de aceleração do processo de concessões de infraestrutura pelo governo eleito, o crescimento das receitas para o próximo ano pode superar a previsão inserida na peça orçamentária de 2019 e contribuir para reduzir o déficit fiscal. Mesmo assim, a equipe econômica considera que o plano de "zerar" o rombo no ano que vem continuaria "desafiador".

O secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, defendeu que a proposta de alcançar um superávit já em 2019 - que já foi defendida pelo futuro ministro da Economia, Paulo Guedes - é baseada em um plano agressivo de concessões. Na proposta de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2019, a receita líquida total está estimada em R$ 1,299 trilhão - sendo que a previsão de recolhimento com concessões e permissões é de R$ 3,5 bilhões, que correspondem apenas a recursos oriundos de ativos já sob as mãos da iniciativa privada. "Qualquer concessão [nova], isso sobe", contou.

Indicado por Guedes a permanecer no posto, Mansueto demonstrou ceticismo sobre o plano do futuro chefe - mas evitou ser assertivo. "Não diria que é impossível, mas é desafiador", afirmou o secretário, seguindo a linha das avaliações feitas por ele anteriormente. "Tenho que conversar com o novo ministro da Economia. Temos que sentar e ver como fazer isso", contou.

A parte mais importante das receitas com concessões seria o megaleilão de excedentes de petróleo da cessão onerosa, que pode arrecadar até R$ 100 bilhões. De qualquer forma, Mansueto ressaltou que o ajuste fiscal deve se dar por meio de um equilíbrio principalmente nas despesas. Em especial, as obrigatórias - que continuam com trajetória de crescimento. Por isso, o secretário insistiu na importância da reforma da Previdência para reduzir os gastos. Mansueto chegou a afirmar a representantes da Standard & Poor's (S&P) nesta semana que a aprovação tem que ocorrer em 2019, dado o envelhecimento acelerado da população.

Em entrevista à imprensa sobre o resultado primário, o secretário destacou também que a desvinculação das receitas e despesas orçamentárias, proposta defendida por Guedes e voltada ao ajuste fiscal, exigirá mudanças na legislação e até mesmo na Constituição. O Valor antecipou na segunda-feira o plano da futura equipe econômica voltada a uma desvinculação ampla do Orçamento. Mas para alterar os gastos mínimos com saúde e educação, por exemplo, seria preciso alterar a Constiuição - o que exige aval do Congresso.

Enquanto o próximo governo não assume, o crescimento das receitas bem acima das despesas neste ano está contribuindo para a equipe econômica entregar ao presidente eleito, Jair Bolsonaro, o país com déficit primário bem inferior ao previsto em meta. Em outubro, pela primeira vez em seis meses, o governo central registrou superávit primário, de R$ 9,451 bilhões. "Neste ano a receita líquida tem crescimento bastante expressivo, e parte expressiva vem de royalties e pagamentos especiais, que subiram R$ 20 bilhões", afirmou Mansueto.

No ano, o déficit primário do governo central chegou a R$ 73,2 bilhões (em 12 meses, está em R$ 93,7 bilhões). Nos meses de novembro e dezembro, o resultado primário do governo central deve ser pior do que o apurado no mesmo período de 2017, devido à concentração de entrada de recursos de concessão no fim do ano passado, o que não vai se repetir.

Para o fim do ano, Mansueto projeta déficit primário R$ 20 bilhões inferior à meta de R$ 159 bilhões. Um dos fatores para a melhora é o "empoçamento" de recursos já destinados aos ministérios e ainda não gastos, que em outubro somava R$ 13 bilhões e que deve fechar o ano em R$ 15 bilhões.

Também deve ajudar a diminuir o déficit deste ano o cenário de gastos obrigatórios menores que os estimados em R$ 5 bilhões. Para minimizar esse problema, Mansueto afirmou que negocia com o Tribunal de Contas da União (TCU) a possibilidade de a equipe econômica contestar os dados dos órgãos que executam e projetam os valores, como no caso de aposentadorias, pensões e abono salarial - todos obrigatórios. Para o setor público consolidado, o secretário do Tesouro projeta um déficit de R$ 119 bilhões (1,6% a 1,7% do PIB), sendo que a meta é de um resultado positivo de R$ 161 bilhões (2,3% do PIB).

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Dados do BC não expressam realidade dos Estados 

Ribamar Oliveira 

30/11/2018

 

 

O secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, que permanecerá no mesmo cargo no governo Jair Bolsonaro, alertou ontem para o fato de que os dados fiscais divulgados pelo Banco Central não estão expressando a real situação em que se encontram os Estados.

Recentemente, o Tesouro Nacional divulgou estudo mostrando uma piora da situação fiscal dos Estados. No entanto, a previsão do próprio governo para este ano é de que Estados e municípios registrarão um superávit primário melhor do que a meta prevista de R$ 1,2 bilhão. E melhor do que o resultado do ano passado. A projeção atual do governo é de que o superávit poderá ser superior a R$ 13 bilhões em 2019. "Vocês vão me perguntar se isso não é contraditório", questionou o próprio Mansueto, durante entrevista. "Afinal, eles estão melhorando ou piorando?"

A aparente contradição decorre, explicou o secretário, da metodologia utilizada pelo Banco Central para o cálculo do resultado primário. O BC mede o resultado primário pela variação do estoque do endividamento líquido, excluindo das necessidades de financiamento os fluxos de juros apropriados no período. Em seu estudo, o Tesouro apurou o resultado primário pela diferença entre receita primária e a despesa empenhada.

Em 2017, segundo o estudo, houve piora do resultado primário agregado dos Estados, saindo de um déficit de R$ 2,8 bilhões em 2016 para um déficit de R$ 13,9 bilhões. O resultado ocorreu por causa do crescimento mais acentuado das despesas primárias empenhadas (R$ 48,4 bilhões) relativamente ao crescimento das receitas primárias (R$ 37,4 bilhões). A diferença entre a despesa empenhada e a despesa paga se traduziu na inscrição líquida de restos a pagar.

O montante de restos a pagar do conjunto dos Estados foi de R$ 29,7 bilhões em 2017, contra R$ 16,9 bilhões em 2016 - houve, portanto, um aumento de 75,7%. Os dados evidenciam o fato de que os Estados vêm se financiando com os credores por meio de restos a pagar. "Os Estados estão atrasando pagamentos, acumulando restos a pagar, e isso não é captado pela metodologia de resultado primário utilizada pelo BC", explicou Mansueto.

Em passado recente, o governo federal também utilizou esse expediente (de aumentar os restos a pagar) como forma de "melhorar" o resultado primário. Nos últimos dois anos, o governo reduziu fortemente os restos a pagar e o presidente Michel Temer baixou, recentemente, um decreto com regras duras para o cancelamento dessas despesas.

Algo parecido, que evite o acúmulo de restos a pagar, precisa ser adotado também no âmbito de Estados e municípios. Ou seja, é preciso fechar a porta que permite a maquiagem da contabilidade fiscal por meio dos restos a pagar.