O globo, n. 31328, 16/05/2019. País, p. 6

 

Cinco cidades receberão plano de segurança de Moro

Jailton de Carvalho

Marlen Couto

16/05/2019

 

 

 Recorte capturado

Além de ações repressivas, a ideia do governo federal é aplicar medidas de cunho social. Os municípios escolhidos, um de cada região do país, têm índices de homicídios superiores à média nacional

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, anunciou ontem os cinco municípios que serão contemplados com as primeiras medidas do plano nacional de segurança pública do governo federal. No pacote estão Cariacica (ES), Ananindeua (PA), São José dos Pinhais (PR), Paulista (PE) e Goiânia, única capital da lista. As linhas gerais do plano foram antecipadas pelo GLOBO em abril.

O governo decidiu escolher um município de cada região do país com uma característica comum: altos índices de homicídio. A ideia é associar ações repressivas com medidas de cunho social, como tentou o ex-ministro da Justiça Tarso Genro com o Plano Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci). As polícias Federal e Rodoviária Federal darão suporte às polícias civis e militares.

—Além dos agentes de segurança, vão ser realizadas ações políticas de outra natureza: políticas urbanísticas, políticas relacionadas a oportunidades sociais, econômicas, educação e saúde. Tudo isso focalizado com ações voltadas à diminuição da violência — afirmou Moro, depois de se reunir com prefeitos e governadores.

As cinco cidades que serão contempladas apresentam índices de homicídios superiores à média do país. Em 2017, último ano com dados oficiais disponíveis, o Brasil registrou 63,7 mil mortes violentas, o que representa uma taxa de 30,8 homicídios para cada 100 mil habitantes.

Um cruzamento do GLOBO, com base em informações preliminares do Ministério da Saúde e estimativas populacionais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), aponta que Ananindeua tem o pior cenário entre os municípios escolhidos. Em 2017, a cidade localizada na região metropolitana de Belém somou 86,4 mortes por 100 mil habitantes. No ranking de municípios com mais de 100 mil habitantes, Ananindeua apresenta o 13ª maior índice de homicídios.

Paulista, por sua vez, teve taxa de 56 mortes por 100 mil habitantes no mesmo ano; Cariacica, de 54,2; e São José dos Pinhais, de 38,4. Única capital na lista, Goiânia também teve taxa superior à média brasileira, com 39,8 homicídios. Apesar disso, entre as capitais brasileiras, a maior cidade de Goiás tem apenas o 14ª maior índice de mortes violentas.

Sem metas

As medidas serão implementadas em caráter experimental. Segundo o ministro, se derem bons resultados, serão levadas para outras cidades. O governo não fixou metas de redução de homicídios, o que o livra, pelo menos em parte, de cobranças por resultados objetivos no futuro.

—O que vão ser realizadas são medidas tendentes a reduzir essa criminalidade de maneira significativa. O quanto será diminuído é impossível fazer um diagnóstico. Vai depender da efetividade dessas medidas — afirmou o ministro.

Moro disse ainda que o plano nacional de segurança pública, batizado como Plano Nacional de Redução da Criminalidade, está em fase de elaboração. As medidas deverão ser aplicadas a partir do segundo semestre. As ações serão acertadas a partir de convênios entre o governo federal com prefeitos e governadores. O ministro afirmou ainda que outras medidas de segurança pública serão implementadas de forma independente do plano.

Pelas estatísticas extraoficiais houve uma diminuição de 21% a 25% no número de assassinatos no país nos três primeiros meses deste ano. Trata-se de uma redução expressiva. Especialistas ainda estão tentando entender o fenômeno.

— O que causou isso? Houve uma mudança de postura do governo federal, dos governos estaduais e mesmo dos governos municipais em relação à segurança pública. Isso foi um tema importante nas eleições. E os vários governos têm tomado medidas mais efetivas —disse Moro.

Como exemplo de “medidas efetivas” ele citou o envio de tropas da Força Nacional para Fortaleza no início do ano. O governo do estado pediu ajuda ao governo federal para conter uma onda de violência patrocinada por uma facção criminosa. Num esforço conjunto das polícias estaduais com as forças federais, o estado conteve os ataques em série e, a partir daí, viu os índices de violência cair.

— Em um estado onde caiu mais houve uma clara conjugação de esforços do governo federal com o governo estadual, no caso o Ceará, para controle de uma crise de violência — disse o ministro.

Moro levantou ainda a hipótese de que a redução da violência poderia estar relacionada à decisão do governo federal de mandar para presídios federais de segurança máxima líderes de facções criminosas. Em fevereiro, 21 integrantes de uma facção criminosa que controla presídios em São Paulo foram levados para presídios federais distantes das áreas onde mantinham forte influência.

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Decreto de armas poderá beneficiar criminosos

Renata Mariz

16/05/2019

 

 

Presos por porte ou posse ilegal de armas de uso restrito agora liberadas tentarão obter redução de pena e progressão de regime

Anunciado como ato em defesa do “cidadão de bem”, o decreto assinado pelo presidente Jair Bolsonaro na última semana vai beneficiar criminosos enquadrados no delito de posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito. Eles poderão obter redução da pena, que é de três a seis anos, caso tenham agido com calibres que o governo reclassificou agora para uso permitido, cuja punição é menor (um a três anos para posse e dois a quatro anos para porte).

Com a mudança feita no decreto, o criminoso que possuía ou portava, por exemplo, pistolas .40, .45 e 9mm, antes reservadas às Forças Armadas e a policiais, agora terá seu delito reconfigurado. Esse efeito atinge inclusive condenados, mesmo que o processo já tenha sido concluído, devido ao princípio constitucional de que a lei retroage para beneficiar o réu.

—Se o decreto excluiu determinadas armas de uso restrito, que passaram a ser de uso permitido, temos uma mudança do tipo penal. E toda mudança penal retroage quando é melhor para o acusado e inclusive para quem já foi condenado—afirma Dermeval Farias, promotor de justiça do Distrito Federal.

Graças ao decreto de Bolsonaro, enquadrados por posse e porte ilegal de arma de uso restrito também poderão se livrar de responder por crime hediondo, que exige cumprimento por mais tempo no regime fechado (no mínimo dois quintos da pena, e não apenas um sexto, para progredir).

O criminalista Marcelo Leal diz que, a depender do caso, é possível pedira redução depena para o próprio juiz da execução penal, porme iode recurso ou por revisão criminal.

—Alei antidrogas segue a mesma lógica: estabelece o crime de tráfico de drogas, mas não diz o que é droga. Quem vai de fini réumre gulamentoda Anv isa( Agência Nacional de Vigilância Sanitária ). Então, se esse regulamento muda e anova regra beneficia um condenado, vai retroagir.É om esmoque ocorre com o decreto que complementa o Estatuto do Desarmamento.

Segundo os dados mais recentes do governo federal, de 2016, 11.520 pessoas estavam presas por posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito no país. Não há informações sobre quais calibres foram utilizados em cada caso. Mas dados de apreensão de armas das polícias mostram uma presença importante de calibres liberados pelo decreto.

As armas .40 e 9mm aparecem em primeiro e segundo lugar entre calibres restritos apreendidos pelas polícias do Sudeste em 2014, segundo estudo do Instituto Sou da Paz com dados das secretarias estaduais de Segurança Pública. Se consideradas todas as apreensões, incluindo calibres permitidos, essas duas armas correspondem a 11% do total de 49.248 revólveres, pistolas e metralhadoras recolhidos.

Procurada pelo GLOBO, a Presidência da República informou que não irá se manifestar. O Ministério da Justiça também foi questionado.

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MPF pede que flexibilização do porte seja suspensa

Daniel Gullino

16/05/2019

 

 

A ação foi protocolada na Justiça Federal do DF; procuradores alegam que o decreto desrespeita o Estatuto do Desarmamento

O Ministério Público Federal do Distrito Federal pediu na última terça-feira a suspensão imediata e integral do decreto que flexibilizou o porte de armas, editada pelo presidente Jair Bolsonaro na semana passada. Os procuradores alegam que a medida desrespeita o Estatuto do Desarmamento e “coloca em risco a segurança pública de todos os brasileiros”. A ação foi protocolada na 17ª Vara de Justiça Federal.

O MPF pede uma decisão urgente, alegando que o possível aumento da compra de armas causado pelo decreto terá impacto por décadas, já que armas são bens duráveis.

Um dos pontos questionados é a ampliação do porte de armas para 20 categorias, que passam a não precisar mais demonstrar a efetiva necessidade. A ação alega que “não poderia o Presidente da República, através de Decreto, de modo genérico e permanente, dispensar a análise do requisito”.

Outro trecho criticado é o que autoriza a prática de tiro esportivo por crianças e adolescentes sem decisão judicial. Para o MPF, isso é um “flagrante retrocesso à proteção genericamente conferida pela Constituição da República e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente”.

Também é questionada a ampliação para 5 mil do número de munições que podem ser adquiridas por ano para cada arma. O MPF ressalta que “evidentemente isso ocasionará o aumento da quantidade de munição à disposição de pessoas não autorizadas — inclusive criminosos —, decorrente de furtos e roubos desse material”.