O globo, n. 31327, 15/05/2019. País, p. 4

 

Só na ALERJ, devassa chega a 55 pessoas

Ana Clara Costa

Marlen Couto

Dimitrius Dantas

Tiago Aguiar

Silvia Amorim

15/05/2019

 

 

 Recorte capturado

Investigação sobre Flávio envolve Léo Índio, que tinha livre acesso no Planalto

Mais da metade dos 95 pedidos de quebra de sigilo autorizados pela Justiça do Rio na investigação sobre o suposto esquema de “rachadinha” no gabinete do ex-deputado estadual e hoje senador Flavio Bolsonaro (PSL-RJ) atinge pessoas que trabalharam diretamente com ele na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) ou ocuparam outros cargos na Casa. São 55 funcionários ou ex-funcionários da Alerj que terão seus dados analisados pelo Ministério Público do Rio, entre eles Leonardo Rodrigues de Jesus, mais conhecido como Léo Índio, primo dos filhos do presidente Jair Bolsonaro.

A abertura dos sigilos autorizada pela Justiça abrange o período entre janeiro de 2007 a dezembro de 2018, e mostra ainda que as frentes de apuração sobre as atividades financeiras de Flávio vão além da suspeita de devolução de parte do salário de ex-funcionários na Alerj.

O MP-RJ investiga a origem do dinheiro de empresários e empresas que fizeram negócios imobiliários com o senador — Flávio fez 19 transações de imóveis nos últimos 15 anos. Na lista dos sigilos abertos, há firmas que atuam no setor, além de outras de atividades como informática e venda de perfumes (leia reportagem abaixo).

Há ainda um terceiro grupo de pessoas ligadas à família mas não necessariamente na Alerj — neste caso estão, por exemplo, a mulher de Flávio, seus pais, dois exmilitares que receberam condecorações do senador e uma ex-secretária parlamentar do atual presidente Jair Bolsonaro.

Flávio Bolsonaro nega que tenha cometido qualquer ilegalidade, seja relativa aos salários de seus funcionários na Alerj ou em suas negociações pessoais de imóveis. O senador reclama que já havia tido seus dados bancários abertos. O Coaf informou sobre movimentações atípicas de Flávio e de seu ex-assessor na Alerj Fabrício Queiroz, mas seu sigilo só foi quebrado, com autorização judicial, em abril deste ano, como O GLOBO mostrou ontem. O Tribunal de Justiça do Rio e o MP-RJ não comentaram o caso.

Perto do poder

Léo Índio foi assessor de Flávio na Alerj entre novembro de 2006 e janeiro de 2012, quando o senador era deputado estadual. No Legislativo do Rio, passou por diversos cargos comissionados e sua remuneração variou entre R$ 4,01 mil, em 2006, a R$ 7,6 mil, em 2012, quando deixou o posto.

O ex-assessor de Flávio é muito próximo do vereador Carlos Bolsonaro. No início do ano, depois que Carlos retomou as atividades na Câmara Municipal do Rio e deixou de estar em Brasília com frequência, Léo Índio atuou como uma espécie de informante do filho do presidente em reuniões do governo. Mesmo sem ter um cargo na administração de Bolsonaro, ele tinha um crachá que lhe dava livre circulação no Palácio do Planalto e chegou a participar de reuniões do alto escalão do governo.

Filho de Rosemeire Nantes Braga Rodrigues, irmã de Rogéria Nantes, mãe dos três filhos políticos de Bolsonaro, Léo Índio foi nomeado no mês passado assessor parlamentar no Senado, no gabinete de Chico Rodrigues (DEM-RR), com salário bruto de R$ 14.802,41. Léo Índio não respondeu ontem aos contatos do GLOBO.

A relação de familiares investigados envolve ainda a mulher de Flávio, Fernanda Antunes Figueira Bolsonaro, e seus pais.

Ana Cristina Valle, segunda mulher de Jair Bolsonaro e mãe de seu filho Renan, também foi funcionária do gabinete de Flávio e é mais uma integrante do clã a estar na lista.

Entre os 95 alvos de pedidos de quebra de sigilo fiscal e bancário, oito são pessoas que já trabalharam com Jair Bolsonaro na época em que ele foi deputado federal, comoa personal trainer Nathalia de Melo Queiroz, filha de Queiroz, que atendia no horário de expediente na Câmara. Além dela, a ex-mulher de Queiroz Débora Melo Fernandes também teve o sigilo bancário quebrado.

Os dados de Val Meliga, ex-tesoureira do PSL do Rio de Janeiro e atual presidente do diretório municipal do partido na capital, também foram abertos.

O GLOBO não conseguiu contato contato ontem com os demais citados na lista.

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A diferença entre relatórios do Coaf e quebra de sigilo

15/05/2019

 

 

> O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) foi criado em 1998 como um mecanismo de combate à lavagem de dinheiro. A lei que implementou o órgão determina às instituições financeiras que mantenham registros das transações e façam a comunicação formal ao Coaf, desde que haja indícios de crimes.

> A regulamentação é feita pelo Banco Central: transferências acima de R$ 10 mil, por exemplo, devem ser avisadas, assim como operações com sinais de “artifício que objetive burlar os mecanismos de identificação, controle e registro” — casos de depósitos fracionados e sequenciais de valores inferiores a R$ 10 mil.

> De posse das informações, caso conclua pela existência de indícios de lavagem, o Coaf tem a obrigação legal de comunicá-las às autoridades responsáveis por investigações, caso do Ministério Público.

> O documento enviado é o Relatório de Inteligência Financeira (RIF) e contém apenas as transações que despertaram suspeitas.

> Os relatórios do Coaf são diferentes das quebras dos sigilos bancário (depósitos e transferências de uma conta corrente, por exemplo) e fiscal (informações entregues à Receita Federal). O sigilo também é determinado por lei, e a quebra só acontece com decisão judicial. O pedido estará restrito ao intervalo de tempo estabelecido pela ordem judicial — neste caso, sim, todo o extrato bancário estará à disposição dos investigadores.

> Na quebra de sigilo, dados como compras, pagamentos e toda a vida fiscal do investigado ficam à disposição.

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Na mira do MP, de perfumes a empresas imobiliárias

Bernardo Mello

João Paulo Saconi

15/05/2019

 

 

Quebra de sigilo atinge CNPJs pertencentes a pessoas que negociaram apartamentos com Flávio, além de sócios de outras firmas

Três empresas do ex-jogador de vôlei de praia Fábio Guerra, que comprou em 2017 um apartamento de Flávio na Zona Sul do Rio por R$ 2,4 milhões, terão suas informações analisadas pelo MP, além do próprio Fábio e de sua mulher, Jordana Guerra. Parte do pagamento desse apartamento foi em dinheiro vivo, de acordo com Fábio. Esta foi a justificativa apresentada pelo senador para os 48 depósitos feitos em sua conta bancária, no valor de R$ 2 mil cada, identificados pelo Coaf no início do ano.

Duas das empresas de Fábio —a FGRF Beach Volley Eventos Esportivos e a L.A. Atividades de Recreação e Lazer —, usadas para que ele recebesse premiações nos tempos de jogador, estavam inativas no último ano. Já a Guerra Comércio de Cosméticos e Perfumes funciona, oficialmente, em uma sala comercial no centro do Rio, embora funcionários de outras lojas digam que raramente veem alguém no local. O GLOBO encontrou a porta fechada na manhã de ontem. Segundo Fábio, seus perfumes são vendidos em domicílio ou online:

—Nunca tive nenhum outro contato com ele depois da transação do apartamento. Minhas empresas não tiveram nada a ver com isso. Abri a firma de cosméticos depois que parei de jogar.

Outra empresa que teve o sigilo de suas contas levantado, MCA Exportação e Participações comprou, em 2010, 12 salas comerciais de Flávio Bolsonaro em um prédio na Barra. O senador havia comprado sete dessas salas 45 dias antes de fechar a venda, e teria lucrado mais de R$ 300 mil no negócio, segundo reportagem da “Folha de S. Paulo”.

A MCA tem como seus sócios os empresários Marcello Cattaneo Adorno e Delio Thompson de Carvalho Filho e uma outra empresa, a Listel SA. Essa firma, segundo registros na Receita Federal, tem sede no Panamá.

Adorno e Delio Thompson também tiveram os sigilos quebrados. Delio disse que foi procurado pelo MP e enviou documentos relativos à compra das salas comerciais. Ele diz que Flávio vendeu as salas quando a estrutura ainda estava em construção:

— Se houve uma venda do dia pra noite, não quero nem saber.Mostraqueapessoaviu uma oportunidade e aproveitou. Prestei todas as informações para o MP, e é impossível que os dados da minha conta bancária mostrem novidade.

Outras empresas e empresários também tiveram seus dados abertos pela Justiça para ajudar na investigação.

Duas delas pertencem aos empresários americanos Glenn Howard Dillard, Charles Anthony Eldering Paul Daniel Maitino, que atuam no ramo de imóveis.

Aberta em 2008, a Linear Enterprises Consultoria Imobiliária foi declarada inapta no último ano pela Receita por omissão de declarações. No último local registrado — um endereço residencial no Andaraí —, os novos moradores disseram não ter informação dos antigos inquilinos. Glenn e Charles integram ainda outra empresa juntos: a Realest Tecnologia, também atuante no ramo imobiliário e declarada inapta no último ano. O GLOBO não encontrou os empresários americanos nos endereços associados a eles.