Valor econômico, v.19, n.4653, 19/12/2018. Opinião, p. A13

 

Políticas de produtividade: um mapa 

Pedro Ferreira 

Renato Fragelli 

19/12/2018

 

 

Mudanças de governo podem ser momentos de otimismo, mas também de apreensão. A equipe econômica escolhida por Bolsonaro anuncia medidas que, se efetivamente implantadas, significariam uma mudança radical.

Após quase quatro décadas de semi-estagnação econômica, dois desafios se impõem. O primeiro, que já foi objeto de artigos publicados neste espaço, é o profundo desequilíbrio fiscal, onde a previdência constitui a maior das preocupações. O segundo desafio, tema tratado neste artigo, está na agenda da produtividade, que exigirá uma revisão ampla das regras de funcionamento da economia.

Para garantir um crescimento sustentável de médio e longo prazo será necessário elevar a baixíssima produtividade da economia brasileira, que está praticamente estagnada desde o início dos anos 1980. Antes das reformas liberalizantes iniciadas por Deng Xiaoping, a produtividade chinesa era menos de 10% da observada no Brasil. Agora já supera a brasileira. Um trabalhador médio brasileiro produz um quinto do que produz um americano, mesma fração observada há meio século. O Brasil está ficando para trás.

Políticas setoriais são perdulárias e inúteis, como o Inovar Auto, ou sua reedição envergonhada Rota 2030

Há hoje muitas evidências sobre o que funciona, e o que não funciona, em matéria de promoção de crescimento econômico, conforme listado abaixo.

Políticas setoriais. A baixa produtividade brasileira não decorre de má distribuição dos fatores de produção entre os diferentes setores da economia brasileira. Quando se compara o Brasil com países mais avançados, verifica-se que a produtividade brasileira é significativamente inferior em todos os setores. Isso recomenda a adoção de políticas horizontais que atinjam toda a economia, e não políticas específicas para setores escolhidos. Em particular são perdulárias e inúteis políticas industriais como o Inovar Auto, ou sua reedição envergonhada Rota 2030, bem como aquelas que favoreceram componentes domésticos, como a desastrada tentativa de recriação da indústria naval entre 2008 e 2014.

Políticas regionais. A Sudene foi criada na década de 1959, extinta em 2001 e recriada em 2007, mas não conseguiu reduzir o atraso do Nordeste em relação ao resto do país. A Zona Franca de Manaus permanece um castelo de cartas mantido por pressão de lobbies. Como bem resumiu Samuel Pessoa, políticas regionais tradicionais só servem para transferir recursos dos pobres das regiões ricas para os ricos das regiões pobres. Não funcionam.

Abertura ao comércio exterior. Há evidências de que o período de mais rápido crescimento da produtividade industrial brasileira tenha sido aquele que se seguiu à liberalização comercial do início dos 1990. Em muitos setores, o produto por trabalhador dobrou e mesmo triplicou em 10 anos. Ocorre que a abertura ficou incompleta, além de ter sofrido muitos revezes e recuos posteriores.

O Brasil permanece um dos países mais fechados e hostis ao comércio exterior. Isso nos leva a utilizar tecnologias obsoletas e máquinas caras e a nos concentrarmos em setores onde o país não é competitivo. O Brasil isolou-se das cadeias globais de valor. É preciso uma redução drástica de barreiras tarifárias e não tarifárias, sobretudo em bens de capital e intermediários, setores em que somos um dos poucos países onde a tributação ao comércio permanece elevada.

Eliminação de distorções e reformas microeconômicas. Empresas brasileiras estão sujeitas a uma estrutura tributária complexa e custosa, bem como a um cipoal de leis e regulações kafkianas muitas vezes contraditórias entre si. Trata-se de um ambiente francamente hostil a quem pretende empreender. O país figura entre os piores colocados em classificações internacionais de competitividade e de ambiente de negócios. Em que pese alguns avanços recentes, ainda há muito a se fazer, numa área onde há medidas de baixo custo e alto retorno. Desburocratização, simplificação tributária e tarifária, diminuição do excesso de normas, eliminação de licenças e alvarás, simplificação dos processos de fiscalização, são algumas das linhas de ataque que prometem grande retorno.

Liberalização econômica e privatização. O governo federal possui dois enormes bancos múltiplos, CEF e BB. Não há qualquer racionalidade econômica que justifique a manutenção nas mãos do governo dessas instituições, que criam distorções e estimulam a má alocação de recursos. O país nada ganha com a Infraero pública, com a BR distribuidora, e a Eletrobras, com boa regulação e controle externo, será muito mais eficiente e politicamente isenta em mãos privadas. O chamado "interesse nacional" seria mais bem atendido com privatizações e concessões ao setor privado, permitindo ao governo focar-se em educação, saúde, segurança e outras atividades típicas de Estado.

Educação. Economias modernas são, sem exceções, economias de serviços. Com mão de obra altamente qualificada, as empresas especializam-se em atividades sofisticadas onde a alta produtividade se reflete em altos salários. Sem qualificação profissional, fica-se relegado à ineficiência e à baixa produtividade. De um lado, TI, criatividade, consultorias e alta culinária. Do outro, trabalhadores domésticos, ambulantes, flanelinhas e "dogão" a um real. O combate à escola sem partido pode dar votos, mas é irrelevante face aos problemas de qualidade do ensino no Brasil. Nossos alunos terminam os estudos com parcos conhecimentos e ingressam no mercado de trabalho totalmente despreparados. Muitas das reformas sugeridas acima terão pouco impacto se a educação dos trabalhadores brasileiros permanecer tão ruim como hoje.

A lista acima resume os principais gargalos a serem enfrentados. Criados ao longo de séculos, não será um único governo que corrigirá todos os problemas. Mas é possível iniciar o processo.