Correio braziliense, n. 20434, 02/05/2019. Mundo, p. 12

 

Guaidó pede greve geral

02/05/2019

 

 

Venezuela / Um dia depois do fracassado levante militar contra Nicolás Maduro, o presidente interino proclamado pela oposição volta às ruas e promete continuar a ofensiva. Chavistas comemoram vitória contra a "tentativa ridícula de golpe"

Um dia depois de ver fracassar a sublevação militar anunciada como o início de uma ofensiva para depor o presidente chavista da Venezuela, Nicolás Maduro, o líder oposicionista Juan Guaidó, proclamado presidente interino pela Assembleia Nacional há três meses, convocou ontem os correligionários a organizar uma greve geral. Guaidó discursou para milhares de simpatizantes, em Caracas, onde as forças de segurança voltaram a reprimir as manifestações convocadas pela oposição. Maduro festejou a vitória sobre o que qualificou como “uma tentativa ridícula de golpe de Estado” diante de uma multidão que atendeu ao chamado do governo para celebrar o Dia do Trabalhador e prometeu punir os “golpistas”.

“Amanhã (hoje), vamos acompanhar a proposta que fizeram de paralisações escalonadas até alcançar a greve geral”, disse o presidente interino autoproclamado, mencionando a ideia lançada por sindicatos do funcionalismo público que o apoiam. “Vamos continuar nas ruas até alcançar a liberdade”, insistiu, para depois alertar que “o regime vai tentar ampliar a repressão e me perseguir”. Em menor intensidade que a verificada na véspera, repetiram-se confrontos entre manifestantes chavistas e as forças de segurança, em bairros da capital e também nas cidades de Táchira e Zulia, no oeste do país. A prefeitura de Chacao, na vizinhança de Caracas, controlada pela oposição, informou sobre 27 feridos em confrontos com a polícia.

Diante da base militar de La Carlota, epicentro da rebelião fracassada contra Maduro, manifestantes incendiaram uma caminhonete. Antes, as forças de segurança tinham reagido com gás lacrimogêneo e balas de borracha contra encapuzados que ergueram barricadas com arame farpado, lixo e destroços para enfrentar a repressão com coquetéis molotov. De acordo com relatos de imprensa, um manifestante teria disparado contra os policiais com arma de fogo. Na véspera, os confrontos entre partidários de Guaidó e tropas leais ao governo chavista terminaram com saldo de um morto, mais de 100 feridos e cerca de 150 detidos.

Baixa

Guaidó e seus aliados não conseguiram cumprir a promessa de realizar no 1º de maio “a maior marcha da história” do país. O presidente interino, reconhecido por mais de 50 países, entre eles os Estados Unidos e o Brasil, sofreu ainda uma baixa representativa em suas fileiras com a decisão do líder oposicionista Leopoldo López de se abrigar na embaixada da Espanha. López, que cumpre sentença de prisão domiciliar, foi escoltado de sua casa, nas primeiras horas de terça-feira, por militares rebeldes que o levaram ao encontro de Guaidó na praça que dá acesso à base de La Carlota, onde os dois proclamaram o levante contra Maduro e convocaram os seguidores a sair para as ruas.

Até a noite de ontem, era incerto o destino de López e não estava confirmado um pedido de asilo do dirigente antichavista ao governo espanhol. Entusiasmados com o fracasso da rebelião de terça-feira, os milhares de chavistas que atenderam ao chamado do governo festejavam ontem nas ruas de Caracas com gritos de “não passarão”. “Ontem, tentaram impor a traição de um punhado de capturados pela direita golpista”, discursou Maduro. “Eles estão fugindo de embaixada para embaixada, mas irão para a cadeia, mais cedo ou mais tarde, e pagarão por sua traição e seus crimes. Balas e fuzis não vão colocar um fantoche no Palácio de Miraflores.”

A escalada da crise venezuelana voltou a movimentar os meios diplomáicos, e o representante permanente dos EUA perante a Organização dos Estados Americanos (OEA), Alexis Ludwin, condenou “nos termos mais firmes” o que classificou como “ataques (das forças de segurança) contra manifestantes pacíficos”. A OEA, com sede em Washington, teve ontem uma reunião extraordinária dedicada à situação, aberta pelo representante indicado por Guaidó para o organismo. “Esses ataques não vão silenciar os venezuelanos”, afirmou Gustavo Tarre. “O povo conhece a verdade.”

"Vamos continuar nas ruas até alcançar a liberdade. O regime vai ampliar a repressão e me perseguir”

Juan Guaidó, líder da oposição proclamado presidente interino

"Eles estão fugindo de embaixada para embaixada, mas irão para a cadeia e pagarão por sua traição e seus crimes”

Nicolás Maduro, presidente da Venezuela

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Alerta de Moscou

02/05/2019

 

 

 

 

Em mais um round da disputa entre a Casa Branca e o Kremlin em torno da Venezuela, o ministro russo das Relações Exteriores, Sergei Lavrov, criticou ontem a “influência destruidora” dos Estados Unidos no país sul-americano, considerando-a “uma violação flagrante do direito internacional”. O regime chavista de Caracas é aliado preferencial de Moscou na América do Sul e mantém intensa cooperação na área de defesa — que inclui a presença de cerca de 100 militares enviados neste ano para acompanhar a implantação de sistemas antiaéreos.

A crítica de Lavrov foi feita em telefonema ao secretário dos EUA, Mike Pompeo, que na véspera denunciou a ação de tropas russas e cubanas em apoio ao regime chavista. Pompeo chegou a afirmar que o Kremlin teria “evitado” a fuga do presidente Nicolás Maduro para Havana em um avião que, segundo disse, estaria “pronto na pista” para levar o presidente venezuelano ao exílio em Cuba. O chefe da diplomacia americana reiterou que o governo de Donald Trump “mantém sobre a mesa” a opção de usar a força para resolver o impasse político na Venezuela.

“A continuação dessas etapas agressivas teria sérias consequências”, advertiu Lavrov, sem explicitar a disposição do presidente Vladimir Putin de responder militarmente a uma intervenção americana contra Maduro. “Essa influência destrutiva não tem nada a ver com a democracia”, prosseguiu o chanceler russo. De acordo com Moscou, a conversa foi de iniciativa do Departamento de Estado dos EUA.

“Apenas o povo venezuelano tem o direito de decidir seu destino, e ele exige o diálogo entre todas as forças políticas do país, algo que o governo (de Nicolás Maduro) reconhece há muito tempo”, frisou Lavrov. Segundo a porta-voz do Departamento de Estado, Morgan Ortagus, Pompeo teria respondido que “a intervenção da Rússia e de Cuba é desestabilizadora para a Venezuela e para a relação bilateral” entre Wasdhington e Moscou. Pompeo também teria pedido à Rússia que “ponha fim a seu apoio a Maduro e se una às nações que desejam um futuro melhor para o povo venezuelano”, completou o porta-voz.

O secretário interino da Defesa dos EUA, Patrick Shanahan, cancelou ontem uma viagem programada à Europa, devido à crise na Venezuela. De acordo com o porta-voz Joe Buccino, Shanahan “decidiu permanecer em Washington para coordenar ações de forma mais efetiva com o Conselho de Segurança Nacional e com o Departamento de Estado sobre a Venezuela”.

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Cuba rechaça ameaças de Trump

02/05/2019

 

 

 

O repúdio a uma intervenção militar norte-americana para depor o presidente chavista da Venezuela, Nicolás Maduro, foi o ponto central das comemorações do 1º de maio em Cuba, cujo regime comunista é um dos principais aliados do governo de Caracas. Pelo Twitter, o presidente Miguel Díaz-Canel, que presidiu os atos oficiais em Havana, ao lado do líder do Partido Comunista, Raúl Castro, rechaçou a ameaça do presidente americano, Donald Trump, de impor “um embargo total” à ilha em represália ao apoio de seu governo ao aliado venezuelano.

“O povo cubano rejeita energicamente a ameaça de bloqueio total e completo”, escreveu Díaz-Canel, respondendo às declarações de Trump, que acusou o regime comunista de manter “milicianos” na Venezuela para atacar a oposição e sustentar o governo chavista. “Não há operações militares nem tropas cubanas na Venezuela”, garantiu. “Fazemos um chamado à comunidade internacional para deter essa perigosa escalada agressiva e preservar a paz. Basta de mentiras.”

O governo americano sustenta que 20 mil militares e agentes de inteligência enviados por Havana atuam na Venezuela para manter no poder o aliado, em troca da garantia de fornecimento de petróleo à ilha, submetida há mais de meio século a um bloqueio econômico por parte dos EUA. “Se as tropas cubanas e as milícias não pararem imediatamente as operações militares e de outro tipo, com o propósito de provocar a morte e a destruição da Constituição da Venezuela, vamos impor um embargo pleno e total junto com sanções de alto nível”, ameaçou o presidente americano.

Na terça-feira, Díaz-Canel esteve entre os primeiros governantes a manifestarem apoio a Maduro diante das notícias de que o líder oposicionista Juan Guaidó comandava uma sublevação militar contra o governo chavista. “Rejeitamos esse movimento golpista que pretende encher o país de violência”, tuitou o presidente cubano, quando a situação permanecia incerta em Caracas. “Os traidores que se colocaram à frente desse movimento subversivo utilizaram tropas e policiais com armas de guerra em uma via pública da cidade, para criar ansiedade e terror.”