O globo, n. 31327, 15/05/2019. Economia, p. 21

 

Fundo do poço

Marcello Corrêa

15/05/2019

 

 

Guedes divide com o Congresso responsabilidade de reativar economia

O ministro da Economia, Paulo Guedes, disse ontem que está nas mãos do Congresso tirar o país “do fundo do poço’’, com medidas como a reforma da Previdência. Em audiência na Comissão Mista do Orçamento, Guedes citou a revisão para baixo da previsão de crescimento do PIB, agora em 1,5% este ano. “O que fizemos para a economia crescer? Não aprovamos nada. Só na base da saliva, do sonho?’’, disse. Para ele, o país, que precisa de crédito suplementar de R$ 248 bilhões, está “à beira do abismo fiscal’’. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse em Nova York que há risco de colapso social. Oministro da Economia, Paulo Guedes, dividiu ontem com o Congresso a responsabilidade de reativar a economia, que anda em marcha lenta. Durante audiência na Comissão Mista de Orçamento (CMO), Guedes confirmou que o governo já projeta que o Produto Interno Bruto (PIB) crescerá só 1,5% este ano —estimativa bem menor que os 2,2% anteriormente previstos. E acrescentou que a reversão desse quadro depende da aprovação de medidas que passarão pelo crivo do Legislativo, principalmente a reforma da Previdência.

— Está nas mãos da Casa nos tirar do fundo do poço, com esse equacionamento fiscal. A resposta da economia será rápida. As pessoas dizem: “ah, mas a economia não está respondendo”. Respondendo a quê? O que fizemos para ela crescer? Não aprovamos nada. Só na base da saliva, da expectativa, do sonho? Isso já foi tentado outras vezes. Funciona durante um certo tempo e ali na frente colapsa tudo — disse Guedes, que frisou a importância da reforma. — A Previdência virou um buraco negro fiscal que ameaça engolir o Brasil.

Enquanto busca soluções para problemas estruturais, o governo ainda precisa lidar com questões urgentes. A principal delas é aprovar no Congresso o projeto de lei que permite que o governo tome emprestado R$ 248 bilhões para pagar benefícios previdenciários e outras despesas. Esse endividamento é proibido pela chamada regra de ouro, que só permite que a União vá ao mercado financeiro para aumentar os investimentos.

— Estamos à beira de um abismo fiscal, precisamos de um crédito suplementar para pagar despesas correntes (como folha de pagamento). Vamos nos endividar para pagar Bolsa Família, para pagar BPC (Benefício de Prestação Continuada), o plano Safra e as aposentadorias do regime geral, do INSS. Estamos nos endividando para pagar despesas correntes. Deveríamos ter recursos para pagar essas despesas, que é o que a regra de ouro prescreve —afirmou Guedes.

Bloqueio de R$ 10 bilhões

Em evento com investidores em Nova York, ontem, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), alertou que as amarras impostas pelo teto de gastos —pelo qual as despesas públicas só podem crescer com base na inflação do ano anterior — somadas à falta de crescimento econômico podem levar o Brasil a um “colapso social” nos próximos anos. Maia defendeu a revisão do teto de gastos após aprovação da reforma da Previdência, segundo informou o site do Valor Econômico.

—Por causado teto, teremos que pensar uma solução para tercap acidade de ampliar gastos após reformaraPre vidência—disseMaia.—Não vai ter muita alternativa que não seja conter os gastos públicos — completou, enfatizando que só as mudanças nas aposentadorias não vão resolver o problema do crescimento.

No encontro com parlamentares, dedicado a discutir acrise fiscal, Guedes e sua equipe explicaram que, enquanto as reformas não passam, a frustração de expectativas coma economia tem um efeito imediato sobre as contas públicas: o governo precisa segurar gastos. Isso já ocorreu em março, quando o Ministério da Economia anunciou um bloqueio de despesas de R$ 29,7 bilhões. Um novo contingenciamento está previsto para o fim do mês. Segundo fontes da área econômica, o corte deve ficar na casa dos R$ 10 bilhões.

Quando revisara projeção de crescimento, o governo deve se aproximar das estimativas de analistas do mercado financeiro, que esperam que o PIB avance só 1,45%.

—Vocês vão ver que o crescimento, que era 2% quando eles fizeram as primeiras informações, já cai upara 1,5%— afirmou Guedes.

Revisão do salário mínimo

A economia fraca também está no radar do Banco Central. Ontem, a ata do Comitê de Política Monetária (Copom) apontou uma “probabilidade relevante” de que a economia brasileira tenha recuado “ligeiramente” no primeiro trimestre deste ano sobre os três meses anteriores. Na semana passada, o Copom manteve a Selic em 6,5%.

Outro dado oficial, divulgado ontem, reforçou que a atividade está lenta. Segundo o IBGE, o setor de serviços — que responde pela maior fatia do PIB —recuou 0,7% em março, na comparação com fevereiro. Foi o terceiro mês consecutivo de queda do setor.

Na avaliação de Guedes e de seus técnicos, to doesse quadro pode ser reverti donos próximos meses coma aprovação das reformas —depois da Previdência, o governo planeja encaminhara tributária. Perguntado por parlamentares, o ministro disse que há espaço até para rever o reajuste do salário mínimo. Em abril, o governo propôs ao Congresso atualizar o piso nacional apenas pela inflação, para R$ 1.040. Guedes frisou, no entanto, que essa nãoéa política do mínimo do governo:

— Se as reformas criam algum espaço fiscal, isso pode ser usado lá na frente. Senão fizermos as reformas, naturalmente esse período de austeridade fi camais longo. Temos até 31 de dezembro para enunciarqual seria nossa política de salário mínimo, e isso passa pelas reformas. Se as reformas progredirem, podemos obter fôlego para anunciarmos algo mais audacioso.

“As pessoas dizem: ‘ah, mas a economia não está respondendo’. Respondendo a quê? O que fizemos para ela crescer? Não aprovamos nada. Só na base da saliva, da expectativa, do sonho?”

Paulo Guedes, ministro da Economia

“Estamos à beira de um abismo fiscal. Vamos nos endividar para pagar Bolsa Família, para pagar BPC, o plano Safra e as aposentadorias do regime geral, do INSS”

“O buraco da Previdência virou um buraco negro fiscal que ameaça engolir o Brasil”

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Ministro estuda acabar com as deduções do IR

15/05/2019

 

 

Segundo Guedes, uma possibilidade seria diminuir as alíquotas e suspender os abatimentos dos gastos com saúde e educação

O ministro da Economia, Paulo Guedes, disse ontem que estuda acabar coma dedução dos gastos com saúde e educação do Imposto de Renda (IR). Em audiência no Congresso, ele afirmou que essa ser iau mafor made rever desigualdades, já que o benefício é volta dopara aclasse média. Uma das possibilidades é baixar todas as alíquotas do IR e suspender as deduções.

— Você acaba tendo situações como essa, paradoxal. Os mais pobres, que são milhões e milhões, gastam 100 (bilhões de reais como SUS) e você deixa para os mais favorecidos levarem R $20 bilhões. Claro que há algo errado aí. Claro que tem que se olhar isso — disse Guedes. —À medida que o país fica mais apertado, você tem que escolher onde vai reduzir. E isso é uma questão seriíssima. Deixa isso aí para frente, mas será discutido. Há a proposta de reduzir alíquotas para tirar todas as deduções.

Somente neste ano, o governo deixará de arrecadar R$ 20 bilhões em imposto por causa das deduções. No total, as renúncias fiscais chega mamais de R$ 300 bilhões, ou 4% do PIB. Além das deduções, Guedes confirmou que mira benefícios tributários concedidos a entidades sem fins lucrativos:

— Os mais favorecidos, quando ficam doentes, vão para o Einstein, e o Einstein não paga imposto. Quer dizer que nós, classe média para cima, treinamos nossos filhos em boas escolas que são isentas, mas a filha da doméstica vai estudar numa escola privada que paga impostos?

No domingo, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que pediu a Guedes o reajuste da tabela do IR, que acumula defasagem de mais de 95% desde 1996. Segundo técnicos da equipe econômica, essa ideia deve ser incluída em uma proposta de reforma tributária a ser apresentada após a reforma da Previdência avançar. O último reajuste da tabela ocorreu em 2015. Perguntado sobre isso pela senadora Kátia Abreu (PDT-TO), Guedes concordou que o congelamento da tabela acaba significando um aumento de impostos.

O porta-voz da Presidência, Otávio do Rêgo Barros, disse ontem que o Ministério da Economia vai realizar estudos para comprovara possibilidade de atualizara tabela:

— Os detalhes técnicos precisarão ser, como é natural numa área tão sensível, estudados com profundidade para que não haja um impacto que venha a dificultara nossa retomada decrescimento.