Valor econômico, v.19 , n.4658 , 28/12/2018. Política, p. B1

 

Desequilíbrio fiscal vai calibrar diálogo com governadores

Marta Watanabe

Rodrigo Carro

Marcos de Moura e Souza

Marina Falcão

28/12/2019

 

A deterioração fiscal dos Estados irá ditar o tom das conversas dos novos governadores em Brasília a partir de 2019. No dia1°, quando o presidente eleito Jair Bolsonaro tomar posse, ficará clara a ausência de governadores que apoiaram Fernando Haddad (PT) durante as eleições. Os governantes eleitos no Ceará, Pernambuco, Alagoas e Bahia tomarão posse em seus respectivos Estados em horários que concorrem com o da cerimônia na capital federal. Mesmo entre os governadores não alinhados a Bolsonaro, porém, pesa a perspectiva de retomada econômica lenta aliada a uma estrutura que leva a um descompasso cada vez maior entre receitas e despesas e, em casos mais extremos, a um quadro com atraso de salários e greves.

Essa perspectiva deve calibrar o diálogo com o governo federal no decorrer do ano que vem. Não são poucos os governadores que estarão fragilizados no novo cenário político em razão da situação fiscal. Dos 27 Estados, em pelo menos 16 a despesa total com pessoal, incluindo todos os poderes, ultrapassa alguns dos limites - de alerta, prudencial ou máximo - definidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Dados organizados pela Instituição Fiscal Independente (IFI) revelam que os gastos com pessoal representam hoje 66,2% da despesa total dos Estados, excluídas as transferências a municípios.

A situação é muito mais grave daquela encontrada em 2015 pelos atuais governadores. Ao fim de 2014, o gasto com pessoal representava 54,9% da despesa total dos Estados. Na época os governos estaduais ainda recebiam recursos de empréstimos concedidos sob farto aval do governo federal. No ano que vem, além do avanço superior a dez pontos percentuais no gasto com pessoal, o crédito será para poucos. Apenas 13 dos 27 Estados possuem a nota mínima - A ou B - exigida pelo Tesouro Nacional para conceder garantias em financiamentos.

Para analistas, será inevitável uma nova rodada de negociações para aderir ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF) concedido pela União aos Estados em dificuldades financeiras. José Roberto Afonso, economista do Instituto Brasileiro de Economia, diz que o quadro dos Estados se agrava rapidamente. Mas com alinhamento ou não a Bolsonaro, os governadores, avalia, terão ajuda limitada da União. "O governo federal está com o raio de manobra cada vez mais encurtado por conta do teto de gastos"afirmou.

Em Minas Gerais, um dos casos mais emblemáticos de desequilíbrio financeiro, o governador Fernando Pimentel (PT) reconhece que não pagará o décimo terceiro salários dos servidores. A conta ficará para seu sucessor, o governador eleito Romeu Zema (Novo) (ver texto Zema herda dívida com 13° salário).

No Rio Grande do Norte o atraso de salários e do décimo terceiro levou esta semana policiais civis e servidores da segurança pública à greve. Com a paralisação, a população potiguar chegou a encontrar delegacias com portas fechadas na quarta-feira. O Estado será assumido pela petista Fátima Bezerra.

No Rio Grande do Sul, que desde o ano passado tenta aderir ao regime de recuperação, a situação agravou-se ainda mais nos últimos meses. Parte do salário de outubro foi pago apenas no dia 12 do mês seguinte. O governador a assumir é o tucano Eduardo Leite.

Esses Estados, porém, são considerados apenas a face mais crítica de uma dificuldade generalizada que mais cedo ou mais tarde irá chegar a todos.

Mesmo antes da posse dos governadores eleitos, a demanda por novos recursos aos Estados já se iniciou. A discussão sobre a partilha do que for arrecadado no leilão do excedente da cessão onerosa do pré-sal deve ser definida no ano que vem, depois de resistências da equipe econômica do presidente Michel Temer.

Renan Calheiros Filho (MDB), governador reeleito de Alagoas no primeiro turno, mostra-se disposto a disputar uma fatia dos recursos da cessão onerosa. "Certamente o recurso tem que chegar aos Estados. A Constituição Federal diz que receitas de óleo e gás devem ser divididas entre União, Estados e municípios."

Mas ao mesmo tempo em que dá sinais do que os Estados devem pleitear à equipe econômica de Bolsonaro, o governo de Alagoas lembra que a União também precisa de ajuste de contas. "Acho justo e razoável que a União exija contrapartidas da cessão onerosa porque é bom para a saúde fiscal dos Estados. O que não pode é permitir que a União continue a concentrar receitas. Todas as contribuições sociais são da União, a cessão onerosa ela quer que seja só dela. Mas ela está quebrada e a administração ruim é nos Estados?"

Renan Filho defende que a busca de um reequilíbrio fiscal nos Estados seja de "ajuste possível", a ser feita no médio prazo. Alagoas fechou o segundo quadrimestre com despesa total do Poder Executivo equivalente a 47,1% da receita corrente líquida, acima do limite prudencial de 46,55% estabelecido pela LRF.

A aparente divisão dos governadores em dois blocos - um representado basicamente por Estados do Norte e Nordeste que apoiaram Haddad na campanha à presidência e outro com governadores mais alinhados a Bolsonaro -, segundo Renan Filho, não deve impedir um início de articulação. "O Brasil está, passada a eleição, em momento de todos sentarem-se à mesa para discutir: os governadores com o governo federal e o governo federal com os outros poderes, de forma independente e harmônica. Agora está todo mundo querendo colaborar", disse, em entrevista publicada no Valor dia 21.

No Rio de Janeiro, único Estado dentro do Regime de Recuperação Fiscal, o governador eleito Wilson Witzel (PSC) deve iniciar seu governo com um herança de R$ 12 bilhões em restos a pagar do atual mandato. No ano passado o buraco foi de R$ 11 bilhões.

"Mas a situação financeira do Estado é muito melhor do que a do ano passado", argumenta o atual secretário da Fazenda e Planejamento do Estado do Rio, Luiz Cláudio Gomes. Em 2016 e 2017 houve atraso no pagamento de salários do funcionalismo ativo e de aposentadorias dos inativos, o que não aconteceu este ano. "Em 2018, pagamos 15 folhas de pessoal."

Além dos restos a pagar também ficará para o mandato de Witzel o leilão reverso de créditos detidos pelos fornecedores. Essa é uma das medidas estabelecidas no regime de recuperação fiscal para reduzir os restos a pagar. Vence a proposta que oferecer o maior desconto ao Estado. Segundo Gomes, por se tratar de um procedimento complexo do ponto de vista jurídico, o leilão reverso não pôde ser estabelecido dentro do prazo estabelecido pela legislação aprovada na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj).

Mesmo assim, há uma audiência pública sobre o tema marcada para 4 de janeiro. A expectativa é de que numa primeira etapa possam ser "leiloados" R$ 1,2 bilhão em créditos ao governo fluminense. Atualmente a despesa de pessoal do Poder Executivo está em 46,69% da receita corrente líquida do Estado, abaixo do teto de 49% estabelecido pela legislação fiscal. No fim do primeiro quadrimestre deste ano, o indicador estava em 55,53%. A adequação do Estado ao limite máximo da LRF se deve não só à contenção de despesas mas ao aumento de receitas.

O governo fluminense deve arrecadar R$ 13,5 bilhões em royalties e participações especiais este ano. No início de 2018, a expectativa dessa arrecadação era de R$ 9,5 bilhões. A situação do Rio passou de estado emergencial para um de atenção, diz Gomes. Não estamos num Regime [de Recuperação Fiscal] que dura seis anos à toa." O programa tem duração prevista de três anos, renováveis por mais três.

Reeleito em Pernambuco, o governador Paulo Câmara (PSB) entra em seu segundo mandato com as contas do Estado em um frágil equilíbrio. Embora ao longo dos últimos anos Pernambuco tenha conseguido manter o pagamento da folha dos servidores em dia, o Estado não tem conseguido ampliar sua capacidade de investimento. Sem aval da União para pegar empréstimos, o Estado depende da própria geração de receitas, que ainda é fortemente comprometida com despesas de pessoal.

O Estado ultrapassou o limite de alerta (54%), com comprometimento de 56,4% da sua receita total com a folha no segundo quadrimestre, considerando todos os poderes.