O globo, n. 31326, 14/05/2019. País, p. 4

 

No rastro do dinheiro

Ana Clara Costa

14/05/2019

 

 

Justiça quebra sigilos bancário e fiscal de Flávio, Queiroz e familiares

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro autorizou a quebra de sigilo bancário do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro, e do ex-policial militar Fabrício Queiroz. Os dois são investigados em inquérito do Ministério Público do Rio por suspeita de criar a chamada “rachadinha” no gabinete de Flávio, durante o seu mandato de deputado estadual na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) — prática de servidores devolverem parte dos salários aos parlamentares.

O pedido feito pelo Ministério Público do Rio (MP-RJ) foi autorizado em 24 de abril. Além da suspensão do sigilo de Flávio e de seu ex-assessor Queiroz, também terão suas informações bancárias averiguadas a mulher de Flávio, Fernanda Bolsonaro, a empresa de ambos, Bolsotini Chocolates e Café Ltda, as duas filhas de Queiroz, Nathalia e Evelyn, e a mulher do ex-assessor, Marcia.

As investigações tiveram início a partir de um relatório enviado ao MP-RJ pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf ). No documento, constam movimentações financeiras atípicas de R$ 1,2 milhão feitas por Queiroz no período de um ano. O órgão também verificou 48 depósitos em série, fracionados em R$ 2 mil cada, feitos por Flávio no caixa eletrônico da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj). O senador informou, à época, que se tratava de uma compra e venda imobiliária.

Relatórios produzidos pelo Coaf apenas detectam movimentações de recursos que fogem ao padrão e podem conter irregularidades. Por não serem os relatórios considerados quebra de sigilo, decisões recentes do Superior Tribunal de Justiça (STJ) autorizaram o órgão a compartilhar informações com autoridades sem necessidade de autorização judicial.

Agora, a partir da quebra de sigilo autorizada pela Justiça, os investigadores de Flávio e Queiroz poderão averiguar integralmente todas as transações feitas pelo então deputado, seus ex-assessores e as empresas que possam ser suspeitas de participação em irregularidades. Transferências e saques bancários, compras e declarações à Receita Federal agora estarão nas mãos do Ministério Público.

A quebra de sigilo bancário foi autorizada no período que vai de janeiro de 2007 a dezembro de 2018. A Justiça também autorizou a quebra do sigilo fiscal dos investigados, entre 2008 e 2018. Flávio foi eleito deputado pela primeira vez em 2003. A decisão é de autoria do juiz Flávio Nicolau. Ele afirmou, no documento, que a medida é “importante para a instrução do procedimento investigatório criminal” instaurado sobre todos os citados.

A quebra se estende não apenas a Flávio, Queiroz e seus respectivos familiares e empresa. O MP também terá acesso a informações sigilosas sobre 88 ex-funcionários do gabinete, seus familiares e empresas relacionadas a eles. Ao todo, 95 quebras foram autorizadas.

Também estão na lista da quebra de sigilo Danielle Nóbrega e Raimunda Magalhães, irmã e mãe do ex-PM Adriano Magalhães da Nóbrega, tido pelo MP do Rio como o homem-forte do Escritório do Crime, organização de milicianos suspeita de envolvimento no assassinato de Marielle Franco. O ex-policial, hoje foragido, é acusado há mais de uma década de envolvimento em homicídios. Adriano já foi homenageado por Flávio na Alerj.

O advogado Paulo Klein, que defende Queiroz e sua família, informou que recebeu a notícia com tranquilidade, “uma vez que o sigilo bancário de seu cliente já havia sido quebrado e exposto por todos os meios de comunicação, sendo, portanto, mera tentativa de dar aparência de legalidade a um ato que foi praticado de forma ilegal”.

Também tiveram os sigilos quebrados três empresários de origem americana, sendo dois deles domiciliados no exterior: Glenn Howard Dillard, Paul Daniel Maitino e Charles Anthony Eldering. Eles são donos de duas empresas ligadas ao ramo imobiliário: a Linear Enterprises, com sede no Andaraí, Zona Norte do Rio, e Realest, localizada no Centro da capital.

Outro lado

Ainda tiveram o sigilo quebrado a MCA Participações e seus sócios. A empresa fez negócios imobiliários relâmpago com Flávio. Segundo reportagem da “Folha de S. Paulo”, a MCA comprou imóveis de Flávio apenas 45 dias depois de ele têlos adquirido, o que proporcionou ao hoje senador ganhos de 260% com a venda.

Em nota, Flávio diz que seu sigilo foi quebrado de forma ilegal. “Tanto é que informações detalhadas e sigilosas de minha conta bancária, com identificação de beneficiários de pagamentos, valores e até horas e minutos de depósitos, já foram expostas em rede nacional após o chefe do MP/RJ, pessoalmente, vazar tais dados sigilosos”. Segundo o senador, somente agora, “quase um ano e meio depois, tentam uma manobra para esquentar informações ilícitas, que já possuem há vários meses”. Flávio sustenta ainda que a “verdade” vai prevalecer: “Nada fiz de errado e não conseguirão me usar para atingir o governo de Jair Bolsonaro”.

A cronologia do caso Queiroz

1 Relatório aponta movimentação ‘atípica’

No fim de 2018, o Coaf apontou “movimentação atípica” de R$ 1,2 milhão, em 2016 e 2017, nas contas de Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio. Oito assessores do ex-deputado estadual transferiram recursos a Queiroz em datas próximas ao pagamento de servidores da Alerj. Ainda segundo o Coaf, Flávio recebeu, em um mês, 48 depósitos no valor de R$ 2 mil.

2 Queiroz e Flávio faltam a depoimentos

Após faltar a quatro depoimentos ao MP, alegando problemas de saúde, Queiroz afirmou, em dezembro, que a “movimentação atípica” revelada pelo Coaf teve origem na compra e venda de veículos. Em janeiro, Flávio Bolsonaro também não prestou depoimento, argumentando que iria marcar uma nova data após ter acesso ao caso.

3 Ministro nega pedido de Flávio contra investigação

Em janeiro, o ministro Luiz Fux, do STF, suspendeu as investigações temporariamente, a pedido de Flávio, durante o recesso do tribunal. Em fevereiro, porém, Marco Aurélio revogou a decisão e autorizou o MP do Rio a continuar com a apuração. Alegando que tem foro privilegiado, Flávio havia pedido a transferência do caso para o STF e a anulação de provas.

4 Queiroz reconhece devolução de salários

Em março, Queiroz admitiu, em depoimento, que os valores recebidos por servidores do gabinete eram usados para “multiplicar a base eleitoral” de Flávio. Um ex-funcionário afirmou, também em depoimento, que repassava quase 60% do salário. O MP não encontrou evidências de que a movimentação bancária de Queiroz teve origem no comércio de carros.

5 Quebra de sigilo bancário é autorizada

A pedido do MP, o Tribunal de Justiça do Rio autorizou, em abril, a quebra de sigilo bancário de Flávio e de Queiroz para o período de janeiro de 2007 a dezembro de 2018. A medida se estende a seus respectivos familiares e a outros 88 ex-funcionários do gabinete do ex-deputado estadual, seus familiares e empresas relacionadas a eles.

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Ministério Público do Rio rebate filho do presidente

14/05/2019

 

 

Em nota, instituição nega ilegalidades e afirma que Flávio direciona seus esforços para buscar foro privilegiado no STF

O Ministério Público do Rio rebateu, em nota divulgada ontem, as declarações do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) sobre as investigações do caso Coaf envolvendo seu ex-assessor Fabrício Queiroz. Em entrevista ao “Estado de S. Paulo”, Flávio afirmou que a ação conduzida pelo MP-RJ é “ilegal” e deve ser arquivada. Ainda conforme o parlamentar, a quebra dos sigilos dele e de Queiroz serve para“dar um verniz de legalidade naquilo que já está contaminado”.

Para o MP, Flávio “tem direcionado seus esforços para invocar o foro privilegiado perante o Supremo Tribunal Federal ou mesmo tentar interromper as investigações”, como na ação aberta no TJ do Rio, sob o argumento de quebra ilegal de sigilo bancário. Nos dois tribunais, ele foi derrotado.

A nota compara, ainda, a postura do parlamentar com a de seus pares, também citados em relatórios do Coaf: “O referido parlamentar não adota postura similar à de outros parlamentares, prestando esclarecimentos formais sobre os fatos que lhe tocam e, se for o caso, fulminando qualquer suspeita contra si. O senador é presença constante na imprensa, mas jamais esteve no MPRJ, apesar de convidado”, afirma o MP

Sobre o relatório de inteligência financeira do Coaf, produzido em janeiro de 2018, o órgão se defende das acusações de vazamento, afirmando que manteve em “absoluto sigilo”, a fim de não interferir no processo eleitoral. Segundo o MP, as investigações sigilosas somente ganharam notoriedade após a deflagração da Operação “Furna da Onça”, pelo Ministério Público Federal, em novembro de 2018, com a consequente juntada do relatório do Coaf aos autos da ação penal.

A nota conclui afirmando que as diligências permanecem em sigilo, e que o MPRJ seguirá investigando, “tendo por objetivo esgotar todos os recursos investigativos disponíveis para o esclarecimento dos fatos, independente de quem seja o investigado.”