Valor econômico, v. 19 , n. 4659 , 31/12/2018. Opinião p. A22

 

A CPMF e a confusão tributária no Brasil

Antonio Licio

31/12/2018

 

 

Recentemente aventou-se a possibilidade de retorno da CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras) à estrutura tributária brasileira e a reação foi violenta suficiente para matar o assunto no nascedouro. Será isso racional?

Em se tratando de adicionar mais um imposto à carga tributária já existente estão cobertos de razão. Mas se a analise refere-se à substituição de alguns impostos existentes, cabe aprofundar a discussão. Para tanto, há que se distinguir entre impostos "ruins" e "bons" (ou menos "ruins"), o que leva inexoravelmente à teoria econômica em seu capítulo sobre "Finanças Públicas", pouco conhecido até mesmo de respeitados economistas.

Essa teoria enumera alguns princípios para se tributar o sistema econômico visando mínima interferência no sistema de alocação dos investimentos e nos preços relativos, assim como sobre a equidade social. São eles:

1- Princípio dos benefícios-recebidos, que procura vincular os impostos pagos aos benefícios recebidos (exemplo: IPVA e a construção e manutenção de vias e estradas);

2- Princípio da capacidade de pagamento, que procura ligar o pagamento de impostos ao nível de renda do contribuinte (exemplo: imposto sobre a renda pessoa física);

3- Princípio da eficiência operacional, que procura estabelecer impostos com mínimas complexidades administrativas (o mais antigo e simples foi o imposto sobre importações, cobrado nos portos, enquanto o mais complexo e oneroso é o imposto de renda pessoa física).

É óbvio que nenhum imposto satisfaz simultaneamente a todos esses princípios, mas trata-se de persegui-los. Um dos caminhos para tal é a divisão dos impostos entre "diretos" e "indiretos", sendo os últimos aqueles incidentes sobre operações comerciais e os primeiros sobre bases fixas. Os indiretos têm incidências diferentes dos primeiros impactos - transferências de cargas ao longo da cadeia produtiva - enquanto os diretos têm incidências especificas e não transferíveis.

Ao se tributar uma primeira operação com carne bovina, por exemplo, não se sabe qual será o último impacto do imposto sobre o consumidor, a empresa e o respeito aos princípios acima. Já com os impostos sobre a renda ou sobre o patrimônio a incidência "morre" no primeiro impacto e é perfeitamente identificável.

Assim, a teoria classifica os impostos "diretos" como "bons" (renda e patrimônio) e os "indiretos" como "ruins" (ICMS, IPI, Cofins, etc). No Brasil a carga de impostos indiretos sobre a receita total é de 50%; nos EUA, 17% (OCDE). Curioso que algumas propostas atuais de reforma estão sugerindo a criação do IVA - imposto sobre valor agregado -, o que já foi feito pela reforma de 1967 (Campos-Bulhões) substituindo os impostos sobre vendas pelo ICMS e sobre o consumo pelo IPI, ambos indiretos e "ruins", mas que melhoraria as receitas estaduais.

(...)

Ao final do governo Sarney houve uma tentativa de reforma tributária, quando dois deputados-economistas de então - Marcos Cintra e Roberto Campos - levantaram a ideia de um imposto "único", de alíquota baixa e incidente sobre operações de consumo e renda e via coleta nas contas bancárias, ou "imposto do cheque". A reação na época também foi violenta, mas partiu principalmente das corporações de funcionários de arrecadação - federais e estaduais - receosos de perderem "status" e poder. Morreu também no nascedouro. Novamente a ideia vem à tona e pretende-se aqui analisar sua viabilidade à luz dos agregados macroeconômicos e da teoria econômica das finanças públicas.

A base de cálculo dos impostos é o Produto Interno Bruto privado (PIB), que montou a R$ 5,345 trilhões em 2017 no Brasil, desagregado em 1- bens e serviços de consumo finais: R$ 4,161 trilhões (77,84%); 2- bens de capital: R$ 1,026 trilhão (19,19%);

3- saldo de transações correntes: - R$ 66 bilhões (-1,2%) e 4-variações de estoques; - R$ 8 bi (IBGE). Agregando-se o valor dos "Serviços de Governos" de R$ 1,315 trilhão resulta no PIB total de R$ 6,66 trilhões a preços de mercado. Nos "serviços de governos" (24,6% sobre o PIB privado) não se inclui as receitas e gastos com Previdência Social, da ordem de 9% do PIB, que devem ser tratado à parte. O PIB também pode ser visto sob a ótica da renda e nesse caso é igual à soma de salários + lucros + juros + aluguéis.

Assumindo-se que todos os salários sejam pagos por meio de contas bancárias, o que não é difícil, bastaria cravar uma alíquota progressiva sobre os créditos nessas contas e teríamos a arrecadação desejada, a custo de coleta muito baixo e com mínimas evasões e distorções locativas. Seria o "bom" imposto do cheque, hoje sem cheque e tampouco "único"!

Os juros advêm de instituições financeiras, o que também é fácil de identificar e tributar. Aluguéis passam necessariamente por cartórios para validações oficiais e por ali seriam tributados em bases anuais. Por fim, os lucros, mais difíceis de "garfar", mas como são poucos os detentores, teriam toda a concentração dos serviços de fiscalização e coleta, ficando as pequenas empresas desobrigadas até certo limite.

Em compensação, nenhum produto ou serviço seria tributado, o que levaria os empreendedores ao "Paraíso" pois, na ausência de lucros, estariam fora das "maldades" do Fisco. Seria, portanto, o fim dos impostos indiretos "ruins", que oneram as empresas independentemente de seus resultados.

Os salários no Brasil representam quase 50% da renda nacional. Alíquotas entre 0-35% com média de 20% seriam aplicáveis para os diferentes extratos de renda com arrecadações da ordem de R$ 660 bilhões, metade das necessidades. Os impostos sobre juros, lucros e aluguéis, assim como sobre propriedades, complementariam o restante para atingir os R$ 1,315 trilhão, que seriam divididos politicamente entre União, Estados e municípios. Os preços dos produtos cairiam brutalmente e a renda disponível aumentaria na mesma proporção. Os sonegadores perderiam e o Brasildecolaria.