Valor econômico, v. 19 , n.4658 , 31/12/2018. Legislação & Tributos, p. E2

 

O papel do advogado na desjudicialização

Guilherme Freitas

31/12/2018

 

 

Após um longo processo eleitoral realizado em todos os Estados brasileiros, neste ano as subseções da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) passam a ter um novo corpo diretivo. Com a conclusão desse importante período de escolha, é possível constatar que um assunto relevante ficou de fora dos debates e das propostas dos candidatos: a importância da OAB e dos advogados no processo de redução da judicialização no país.

Na verdade, percebe-se um movimento no sentido inverso. Pelo contexto dos debates e dos eventos realizados sobre o futuro da entidade, é possível observar que a maioria dos advogados ainda luta por uma OAB corporativista, focada exclusivamente na defesa dos interesses daqueles que não querem perder sua maior fonte de receitas: as disputas judiciais.

É igualmente impressionante a existência de um número significativo de profissionais que estão insatisfeitos com o impacto "negativo" da redução dos processos judiciais no Brasil, causada especialmente pela reforma trabalhista aprovada em 2017. Na visão de muitos, como os conflitos levados ao Judiciário são a única fonte de honorários, os processos precisam continuar.

O problema é que seria no mínimo irresponsável falar em aumento de ações quando nós temos o Poder Judiciário mais caro e abarrotado do mundo. De acordo com o relatório "Justiça em Números", elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça, foram R$ 90,8 bilhões gastos em 2017, sendo 90% destinados ao pagamento de magistrados e demais servidores, o que representa mais de 1,5% do PIB brasileiro. Países como Alemanha, Portugal e Chile gastam no máximo 0,3% do PIB com a Justiça.

Segundo o mesmo estudo do CNJ, há um estoque de mais de 80 milhões de ações aguardando julgamento no país. Para dar conta dos processos pendentes e dos mais de 25 milhões de casos novos registrados somente em 2017 - que representa um aumento de quase 7% em relação ao ano anterior - cada juiz brasileiro precisou analisar cerca de 1.800 processos, uma média de sete sentenças por dia útil.

São números impressionantes que reforçam um sistema saturado que não comporta mais ações. Uma saída interessante seria fortalecer os métodos alternativos de gestão de conflitos, especialmente a mediação e a conciliação extrajudiciais. O problema é que o Congresso Nacional está justamente no caminho inverso.

O Projeto de Lei nº 5.511/16, de autoria do deputado José Mentor (PT-SP), busca alterar o Estatuto da Advocacia para tornar obrigatória a presença de advogados na solução consensual de conflitos. O texto foi aprovado pela Câmara dos Deputados em junho de 2018 e segue para tramitação no Senado.

O PL tem sido acompanhado de perto pelo Conselho Federal da OAB e é considerado por muitos um grande retrocesso, principalmente por partir do pressuposto de que as pessoas não teriam condições de resolver seus conflitos sozinhas, sem a participação de um advogado. Além de retrógrado e protecionista, o PL é um contrassenso, já que a própria Lei dos Juizados Especiais permite a atuação autônoma das partes em causas de valor até vinte salários mínimos.

É importante notar que as novas tecnologias estão surgindo para viabilizar cada vez mais a busca por meios alternativos de gestão de conflitos. Segundo levantamento realizado pela Associação Brasileira de Lawtechs e Legaltechs - AB2L, existem aproximadamente 20 startups brasileiras focadas em solução de litígios, principalmente através de conciliação e mediação.

Normalmente são plataformas que conectam as partes para viabilizar a realização de acordos, judiciais ou extrajudiciais. Se a OAB não atrapalhar, essas soluções tecnológicas certamente terão um belo mercado pela frente. O Judiciário e os contribuintes agradecem.

A mudança na mentalidade do advogado deve passar pela lógica de atuação e, principalmente, pela orientação correta e construtiva ao seu cliente. Assim, o advogado do autor/demandante deve sugerir abordagens que evitem a judicialização das demandas, além de recusar o patrocínio de causas infundadas. Já o advogado corporativo precisa usar as tecnologias disponíveis para propor mudanças que possam mitigar eventuais processos no futuro. Prevenir será sempre mais inteligente e, principalmente, mais barato.

E, obviamente, é preciso presar sempre pela atuação ética e correta. Os advogados que ainda colocam interesses próprios acima dos direitos dos clientes devem ser devidamente responsabilizados e banidos do mercado. Apesar da inércia corporativista dos tribunais de ética e disciplina da OAB, as chamadas fraudes processuais - infelizmente ainda muito comuns - estão sendo apuradas e punidas pelos próprios magistrados, especialmente com a aplicação de multa aos causídicos por litigância de má-fé.

Portanto, todos são responsáveis pelo processo de desjudicialização do país e a "nova" Ordem dos Advogados do Brasil precisa abraçar essa causa com seriedade, responsabilidade e imparcialidade.

É preciso refletir sobre o real propósito dos mais de um milhão de advogados brasileiros. Quando todos estiverem contribuindo de forma efetiva e genuína para uma sociedade menos litigiosa e, consequentemente, para a redução das demandas judiciais, seremos realmente indispensáveis à administração da Justiça, conforme estabelece o artigo 133 da Constituição da República.