Valor econômico, v.19 , n.4641 , 01/12/2018. Internacional, p. A15

 

Rodada do clima começa sem liderança para atingir consenso

Daniela Chiaretti

01/12/2018

 

 

A rodada deste ano das negociações climáticas internacionais começou ontem na Polônia em momento de crise. A CoP 24, a mais importante conferência desde a famosa edição francesa, em 2015, tem por tarefa definir todas as regras do Acordo de Paris. A missão é difícil e está longe de ser suficiente. A escalada ascendente das emissões de gases-estufa com impactos mais velozes do que o previsto exige dos governos compromissos mais ambiciosos do que estão na mesa. A questão é que não há ambiente político para tanto.

Patricia Espinosa, secretária-executiva da Convenção do Clima da ONU, abriu ontem a conferência em Katowice fazendo um apelo: "Este deverá ser um dos quatro anos mais quentes desde quando há registros. A concentração de gases-estufa na atmosfera bateu recorde e as emissões continuam subindo. Os impactos da mudança do clima nunca foram piores", disse a diplomata mexicana. "Esta realidade nos diz que temos que fazer muito mais. A CoP 24 precisa fazer com que isso ocorra".

A geopolítica das negociações está acéfala. "O mundo de 2018 não é o mesmo de 2015", resumiu um diplomata ao Valor. "Ninguém pode ignorar o elefante na sala, os EUA, que têm se engajado nas negociações mas permanecem com a intenção declarada de sair do Acordo." Antes de se chegar ao Acordo de Paris, os presidentes Barack Obama, dos Estados Unidos, e o chinês Xi Jinping anunciaram compromissos bilaterais que impulsionaram o tratado global.

Depois de Donald Trump anunciar que os EUA sairão do Acordo de Paris - o que pelas regras só pode acontecer em 2020, coincidindo com a campanha eleitoral americana - esperava-se que a China, o maior emissor global, assumisse a liderança. Isso não aconteceu.

A China se coloca como nação em desenvolvimento e espera a interlocução de um país desenvolvido. Este espaço não tem sido ocupado pela União Europeia, imersa em problemas internos. É o caso da premiê alemã, Angela Merkel, com questões políticas domésticos e uma meta climática que não será atingida porque a Alemanha ainda usa muito carvão. O presidente francês, Emmanuel Macron, tem despontado como o líder que poderia dialogar com a China - mas os protestos dos últimos dias pela alta do diesel indicam que também ali o cenário é difícil.

Nas reuniões preparatórias à CoP 24 ficou claro que as diferenças entre os países em desenvolvimento e os desenvolvidos se acentuaram. "Temos que buscar o consenso e construir esta ponte", diz um diplomata.

A reunião do grupo dos 20 países mais desenvolvidos, contudo, indicou o quanto o tema é volátil hoje no espectro político. O comunicado do G-20, encerrado sábado na Argentina, reafirma que o "Acordo de Paris é irreversível". Trump reafirmou que os EUA vão sair. Os outros discutiram estratégias de longo prazo de baixo carbono. É tudo muito vago para um grupo que responde por dois terços das emissões globais.

A reunião da Polônia deve negociar o chamado "Livro de Regras" do Acordo de Paris. É como se o acordo fosse a lei e agora os representantes de 200 países têm que concordar com o texto dos vários decretos de regulamentação. O capítulo que deve definir o funcionamento dos mercados de carbono, por exemplo, dificilmente será fechado em Katowice. Contudo, espera-se que isso não ocorra com outros, como o de transparência.

Este é o ponto em que os países relatam suas emissões, por exemplo. Há conflitos. Os países desenvolvidos querem um sistema igual para todos; os em desenvolvimento defendem um sistema bifurcado, com um tipo de relatório para os ricos e outro, para os em desenvolvimento. Os relatórios não são simples nem baratos. "Fazer relatório custa dinheiro. Qual é a prioridade de uma ilha no meio do nada? Gastar dinheiro com um programa de saúde ou com um relatório de emissões?", diz o negociador. "É importante manter a diferença entre o grau de capacidade entre países". Neste item há a proposta de um mecanismo híbrido - um sistema único, mas flexível.

"A conferência ocorre em um momento complicado. Tem o efeito Trump, o Brexit, o hipernacionalismo de alguns países, o Brasil não querendo hospedar a CoP 25, a Alemanha sem cumprir suas metas", diz um negociador. "Tem quem pense: se os grandões estão fazendo isso, eu também vou me desinteressar". Ele continua: "É o multilateralismo que está em jogo. Tem que ser fortalecido".