Título: Conexão Al-Qaeda
Autor: Craveiro, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 13/09/2012, Mundo, p. 16
Grupo extremista é acusado de matar o embaixador americano na Líbia, depois de atender a um pedido de Ayman Al-Zawahiri, líder dos terroristas. Obama envia fuzileiros ao país, coloca diplomatas em alerta e romete justiça
Terroristas islâmicos simpatizantes da rede Al-Qaeda são os principais suspeitos do assassinato de J. Christopher Stevens, embaixador dos Estados Unidos na Líbia. As autoridades de Washington afirmam ter provas de que líderes islâmicos linha-dura planejaram o atentado contra o consulado dos EUA em Benghazi (leste), na noite de terça-feira. Segundo fontes de inteligência, o grupo Brigadas do Aprisionado Omar Abdul Rahman, criado quatro meses atrás, teria atendido a um pedido de Ayman Al-Zawahiri, líder da Al-Qaeda, feito na véspera, para vingar a morte de seu vice, Abu Yahya Al-Libi. O extremista foi eliminado por um avião não tripulado, em 4 de junho passado, na região tribal paquistanesa de Waziristão.
No entanto, o governo líbio denuncia o envolvimento do Ansar Al-Shariah, formado por salafistas e por jihadistas. Por meio da internet, o grupo negou ter participado da ação "como uma entidade", mas deixou aberta a possibilidade de envolvimento de integrantes. Mohamed Yusef Al-Magrid, presidente do Congresso Nacional líbio, pediu perdão "aos EUA e ao mundo".
Um dia depois de garantir que a Al-Qaeda está devastada, Obama enviou uma mensagem aos autores do atentado que matou o primeiro embaixador de seu país em três décadas. "Nós não vacilaremos em nosso compromisso de ver que a justiça será feita para esse ato terrível. E, não se enganem, a justiça será feita", declarou, ao lado da secretária de Estado, Hillary Clinton. A chefe da diplomacia americana acusou "um pequeno e selvagem grupo" de militantes.
Na noite de terça-feira, homens armados com bombas caseiras, foguetes, morteiros e lança-granadas atacaram o consulado, em um suposto protesto contra um filme ofensivo ao profeta Maomé. Além de Stevens, três funcionários morreram por sufocamento e seis ficaram feridos. Enquanto o chefe de Estado discursava, uma força de ação rápida, composta por 50 marines especialistas em antiterrorismo, se deslocava para Benghazi. A tevê CNN divulgou que aeronaves similares às que mataram Al-Libi serão usadas na caçada aos militantes. O Pentágono também enviou dois navios de guerra para a costa da Líbia.
Obama considerou o ataque "ultrajante e chocante", ordenou a retirada de todos os funcionários não essenciais da Líbia, aconselhou seus conterrâneos a não viajarem à Líbia e ordenou o aumento da vigilância em suas embaixadas e consulados. O Departamento de Estado enviou um alerta para possíveis protestos antiamericanistas em sete países do Oriente Médio, da África e do Cáucaso.
Não foi o bastante para impedir manifestações contrárias ao filme Innocence of muslims (A inocência dos muçulmanos, na tradução livre) — dirigido pelo americano-israelense Sam Bacile e produzido pelo pastor Terry Jones (leia na página 18). No Cairo, entre 200 e 300 salafistas gritavam "Allahu Akbar" ("Deus é grande"), exibiam símbolos islamitas e queimavam a bandeira dos EUA. Em Túnis, capital da Tunísia, a polícia disparou bombas de gás lacrimogêneo e balas de borracha para o ar, a fim de dispersar duas centenas de manifestantes que bradavam "Obama, estamos aqui pelo triunfo do islã" e "Maomé é o mestre da criação". Em Gaza, bandeiras dos EUA foram queimadas, aos gritos de "Morte à América". Protestos também foram registrados no Sudão e no Marrocos.
Obama lembrou que, desde sua fundação, os Estados Unidos sempre respeitaram todas as fés. "Rejeitamos todos os esforços para denegrir as crenças religiosas dos outros. Mas não existe, absolutamente, qualquer justificativa para esse tipo de violência sem sentido. Nenhuma", afirmou o mandatário. Em tom emotivo, Hillary Clinton lembrou que o embaixador falava de modo eloquente sobre a paixão pelo trabalho, pela diplomacia e pelo povo líbio. "Quando o conflito na Líbia surgiu, Chris foi um dos primeiros americanos em Benghazi. Ele arriscou sua própria vida para dar ao povo líbio uma mão amiga, na construção das bases de uma nação nova e livre", disse.
Salafistas Ex-chefe de contraterrorismo da Agência Central de Inteligência (CIA), Vincent M. Cannistraro admitiu ao Correio que a operação em Benghazi teria sido realizada por jihadistas associados à Al-Qaeda para marcar o 11º aniversário dos atentados de 11 de setembro de 2001. "A Al-Qaeda havia alardeado o ataque em sites jihadistas. Adam Ghadaneh, o porta-voz da rede, disse que os EUA deveriam se preparar para outro "holocausto", porque os americanos estavam perseguindo muçulmanos. Parece que o ataque em Benghazi foi ordenado por Al-Zawahiri", afirmou, por e-mail. Ele descarta a participação de milicianos leais ao ex-ditador Muamar Kadafi. "O autor foi um grupo salafista linha-dura, guiado pela Al-Qaeda, para se vingar." Cannistraro prevê uma onda temporária de antiamericanismo no norte da África.
A motivação política parece convencer mais o historiador James Gelvin, especialista em Oriente Médio pela Universidade da Califórnia (Ucla). Ele explicou à reportagem que os levantes no Egito e na Líbia permitiram a grupos antes marginalizados participarem do processo decisório no mundo árabe. "Algumas facções têm ganhado apoio para vencer as eleições. Entre elas, estão os salafistas, uma forma estrita e puritana do islã que enfatiza a sharia e a moral islâmica. Eles agora competem com atores islâmicos moderados, como a Irmandade Muçulmana. Ao se passarem como defensores do islã, conquistam o público." A própria Irmandade Muçulmana convocou para amanhã "manifestações pacíficas ante as principais mesquitas do Egito para denunciar os insultos contra a religião e o profeta".
Em Benghazi, Fatima Elfeitori, uma estudante de 16 anos, contou ao Correio que está assustada com a ideia da presença de marines em seu país. "É algo inaceitável para nós. Nosso maior medo é o de uma intervenção estrangeira." Ela disse que, por volta das 23h de terça-feira (18h em Brasília), estava em casa — próximo ao consulado — e escutou explosões rápidas. "Pensei que os extremistas estivessem destruindo mais um velho monumento. Fiquei surpresa ao escutar as notícias, pela manhã", disse.
Desafio a Maomé
Veja outros casos polêmicos de ofensa ao islã que atraíram a ira dos muçulmanos mundo afora
Salman Rushdie O aiatolá Ruhollah Khomeini, então líder supremo do Irã, chegou a emitir um fatwa (decreto religioso), no qual exigia a execução do escritor indo-britânico Salman Rushdie. Sua obra Os versos satânicos (1988) aborda a história de dois homens que caem do céu, depois que terroristas explodem o avião em que viajavam. Um se transforma em diabo, outro em anjo — que sonha em conhecer o profeta Mahound (termo pejorativo para Maomé).
Charges sobre o profeta Um dos desenhos mostra o profeta Maomé com uma bomba no lugar do turbante. A série de 12 caricaturas ligando Maomé ao terrorismo foi publicada em 30 de setembro de 2005 pelo jornal conservador Jyllands-Posten, da Dinamarca. Depois de sofrer um atentado, o cartunista Kurt Westergaard decidiu se aposentar e dedicar apenas à pintura. Atualmente, ele vive sob proteção policial.
Queima do Corão Terry Jones, um pastor americano baseado em Gainesville (Flórida), ameaçou várias vezes queimar o Corão — o livro sagrado do islã. Em março de 2011, cumpriu a promessa. O ato motivou protestos violentos no Afeganistão, que custaram a vida de pelo menos 11 pessoas. O religioso ainda escreveu um livro intitulado O islã é do demônio e é o produtor do polêmico filme Inocência dos muçulmanos, o pivô da nova onda de manifestações nos países muçulmanos.
Aliado dos islamistas é o novo premiê O vice-primeiro-ministro do governo atual, Mustafa Abu Shagur, foi eleito ontem pelo Congresso Nacional líbio premiê do novo governo de transição, superando por uma pequena vantagem o liberal Mahmud Jibril. Considerado próximo aos islamistas, Abu Shagur obteve 96 votos, ficando à frente por apenas dois votos de Jibril, ex-líder do Conselho Nacional de Transição. O candidato vitorioso obteve o apoio dos salafistas no segundo turno.