Valor econômico, v.19, n.4649, 13/12/2018. Brasil, p. A4

 

Novo governo cogita volta de tropas às missões de paz das Nações Unidas 

Daniel Rittner 

Carla Araújo 

13/12/2018

 

 

Cercado por militares com experiência no Haiti e no Congo, o futuro governo se dispõe a engajar novamente o Brasil em missões de paz coordenadas pelas Nações Unidas como uma das marcas na política externa do presidente eleito, Jair Bolsonaro.

Uma participação ativa das tropas brasileiras em operações internacionais foi pedida a integrantes do futuro primeiro escalão, inclusive ao próprio Bolsonaro e ao vice Hamilton Mourão, por embaixadores em Brasília de países que compõem o Conselho de Segurança da ONU. O Valor apurou que a ideia, embora ainda muito embrionária, teve boa receptividade.

Diversos generais que passaram pela Minustah (missão no Haiti liderada pelo Brasil entre 2004 e 2017) fazem parte da futura gestão. São os casos de Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), Carlos Alberto dos Santos Cruz (Secretaria de Governo), Fernando Azevedo e Silva (Defesa) e Floriano Peixoto (número dois da Secretaria-Geral). Santos Cruz também comandou os "capacetes azuis" no Congo por dois anos e meio.

Um embaixador europeu que esteve no Centro Cultural Banco do Brasil, onde trabalha a equipe de transição em Brasília, defendeu a volta do país às operações da ONU lembrando a "expertise" acumulada. Segundo ele, ao ficar longe das missões, corre-se o risco de perder esse aprendizado. E mencionou outro fator: "Os brasileiros são abertos, não têm medo de entrar na sociedade, de se relacionar com as comunidades locais. Os europeus não têm miscigenação. E os americanos não entendem a diferença entre um gesto delicado e uma ameaça".

A participação em missões de paz é tida como importante pelos militares por expor as tropas em situações reais, treinar a interoperabilidade das Forças Armadas e promover interação do Brasil com forças estrangeiras. Tem, no entanto, alto custo orçamentário. Até o fim de agosto, conforme informações do Ministério do Planejamento, o Brasil tinha em aberto contribuições no valor total de R$ 813 milhões com a ONU para financiar operações de paz.

Em rápida entrevista ao Valor, o general Heleno reconheceu que essas missões podem trazer projeção geopolítica positiva, mas ponderou a necessidade de sopesar "vantagens e desvantagens" do ponto de vista econômico.

"O Brasil tem uma tradição muito grande de participar em missões de paz. O que não quer dizer que todas elas fossem compensatórias naquele momento, porque são caras normalmente", disse o futuro ministro, que terá gabinete no Planalto. "Às vezes, até por medida de economia, você evita participação numa missão de paz. É interessante como projeção de poder, geopoliticamente parece interessante, pode se apresentar como uma excelente oportunidade para treinar seus efetivos militares e até policiais, mas às vezes com um gasto muito acima do que se tem condições naquele momento. É um jogo entre vantagens e desvantagens que precisa ser analisado."

Fontes no Itamaraty, porém, apontam um problema. Se Bolsonaro levar adiante o plano de mudar a embaixada do Brasil em Israel, de Tel Aviv para Jerusalém, teme-se que militares brasileiros possam virar alvo de atentados terroristas em países com grande parcela da população islâmica.

O Ministério das Relações Exteriores teria sido contra o envio de tropas brasileiras, neste ano, à missão da ONU na República Centro-Africana.

Nem mesmo entre as Forças americanas havia consenso sobre assumir essa tarefa. O então ministro da Defesa, Raul Jungmann, chegou a falar no envio de mil homens. Questões financeiras, a intervenção federal na segurança do Rio de Janeiro, o deslocamento de soldados para acompanhar a entrada de refugiados venezuelanos em Roraima e a fraqueza política do presidente Michel Temer em reta final de mandato pesaram contra.

Uma das preferências dos países europeus seria o envolvimento do Brasil na Monusco, missão em curso na República Democrática do Congo, que tem pouco mais de 16 mil militares atuando. Paquistão, Índia, Bangladesh e África do Sul contam hoje com os maiores contingentes no país.

"É uma das missões mais complicadas da ONU, e é aí que eu digo: dá projeção política, mas exige muito na preparação da tropa", disse Heleno. "Não quer dizer que não se possa participar, mas essa análise tem de ser feita."