Valor econômico, v.19, n.4650, 14/12/2018. Opinião, p. A15

 

Lei de Responsabilidade Monetária 

Márcio Garcia 

14/12/2018

 

 

Está em tramitação na Câmara dos Deputados o projeto de lei que confere ao Banco Central autonomia formal para perseguir seu principal objetivo, a estabilidade de preços. Por que mesmo precisamos da autonomia do Banco Central?

Consideremos dois exemplos muito recentes. Na terça-feira (11/12), o incorrigível presidente dos EUA externou o que pensa sobre a condução recente da política monetária pelo Fed. Segundo Trump, seria uma bobagem o Fed seguir aumentando o juro, hoje em 2,25%. "V. tem que entender, estamos travando algumas batalhas e estamos ganhando. Mas eu também preciso de alguma acomodação", exclamou ele. Que repercussão teve tal declaração vinda do homem mais poderoso do planeta? Quase nenhuma. Por que? Porque o Fed tem independência para tomar decisões sobre a política monetária, e é bem possível que aumente o juro para 2,5% em sua reunião na semana que vem, apesar das lamúrias de Trump.

Já na Índia, o presidente do Banco da Reserva da Índia, o banco central indiano, pediu abruptamente demissão na segunda-feira. Urjit Patel alegou as protocolares razões pessoais para justificar seu inesperado pedido de demissão. Entretanto é voz corrente que sua demissão teria sido resultado de pressões do primeiro-ministro indiano, Narenda Modi, por políticas monetária e financeira mais acomodatícias. A imprensa vem acusando Modi, entre outras coisas, de pressionar o banco central indiano para permitir que bancos estatais, já com empréstimos ruins em excesso, continuem a expandir o crédito, e a fomentar expansão econômica de curto prazo mais vigorosa às custas do aumento do risco de uma crise financeira muito maior a médio prazo. Como Modi vai disputar a reeleição, precisa que a economia esteja bem na hora do voto popular.

As reações de Modi e Trump são apenas exemplos recentes da eterna tensão entre os interesses de curto prazo dos políticos e o que é melhor para a economia a médio e a longo prazo. O ex-presidente dos EUA, George Bush, recentemente falecido, atribuiu sua derrota para Bill Clinton ao então presidente do Fed, Alan Greenspan. "Eu o renomeei e ele me desapontou", disse Bush sobre o ritmo pretensamente muito vagaroso da queda dos juros conduzida por Greenspan antes das eleições de 1992.

A autonomia dos bancos centrais é a forma pela qual os países mais bem-sucedidos conseguem conviver com esse conflito natural. Dado que a democracia requer eleições, que políticos precisam ganhar as eleições e que o benefício de juros menores vem a curto prazo, enquanto os custos demoram a chegar, é natural que o mandatário de plantão queira sempre juros baixos impulsionando a economia antes das eleições. Todavia não é esse o interesse da sociedade. Política monetária frouxa causa inflação elevada a médio prazo. Por isso se confere a técnicos competentes, a diretoria do banco central, nomeados pelo Executivo e aprovados e supervisionados pelo Legislativo, a atribuição de conduzir a política monetária de forma condizente com a meta para a inflação.

O projeto ora na Câmara, denominado Lei de Responsabilidade Monetária, relatado pelo deputado Celso Maldaner, visa, precisamente, adequar nossa legislação a tais práticas, hoje quase universais. O projeto reafirma a sistemática de meta para a inflação, com o Conselho Monetário Nacional sendo o responsável pela fixação da meta. Também lança as bases da autonomia funcional, administrativa, decisória e financeira do Banco Central. Institui mandatos quadrienais para diretores e para o presidente do BC.

Os mandatos serão imbricados de forma que o presidente da República só poderá nomear o presidente do BC no segundo ano de seu mandato, nomeando também dois diretores a cada ano, sendo permitida uma recondução. Os diretores e o presidente do BC continuarão a ser sabatinados pelo Senado Federal e poderão ser exonerados em casos devidamente tipificados na lei, por votação pela maioria do Senado ou condenação judicial. O projeto também prevê proteção legal às ações dos dirigentes do BC e especifica como dar transparência a tais ações.

Aprovar a Lei de Responsabilidade Monetária é um imperativo. Não haverá mudanças na forma pela qual o BC vem conduzindo a política monetária, com os excelentes resultados de inflação e juros baixos que vêm sendo alcançados. Mas o BC passará a atuar com autonomia, não por beneplácito do presidente, mas por determinação legal. Aos olhos do mundo, será uma reafirmação importante de que o Brasil está se alinhando com as melhores práticas internacionais, com prováveis repercussões favoráveis sobre nosso custo de financiamento.

Naturalmente, o sucesso em manter a inflação na meta dependerá de medidas que melhorem a performance da política fiscal, sobretudo da reforma da Previdência. Em um cenário de avanços nas reformas fiscais, a autonomia do Banco Central do Brasil constituirá importante catalisador para alcançarmos o binômio crescimento sustentado com inflação sob controle, que vimos perseguindo há tanto tempo.

É uma excelente perspectiva para o ano novo. Boas festas!