Valor econômico, v.19, n.4650, 14/12/2018. Empresas, p. B8

 

Aéreas podem receber mais capital, mas há preocupação 

Cibelle Bouças 

Alexandre Melo 

14/12/2018

 

 

A edição da Medida Provisória (MP), que retira o limite máximo de participação estrangeira nas companhias aéreas, deve favorecer Gol e Azul, listadas na B3, ao tornar possível uma maior injeção de capital vinda de grupos internacionais. Por outro lado, o interesse das estrangeiras em operar rotas domésticas pode acirrar a competição, tornado o cenário mais difícil para as empresas que já estão no Brasil.

Atualmente, a Gol tem 12,33% das ações preferenciais nas mãos da Delta Airlines, 1,59% com a KLM. A Azul tem 8,3% das ações nas mãos da United Airlines. A Azul já teve 23% das ações preferenciais em posse da chinesa HNA, mas a empresa vendeu sua fatia na brasileira para reduzir o endividamento. A Latam, formada pela fusão entre a brasileira TAM e a chilena Lan, em 2012, tem 10% do seu capital com a Qatar Airways.

"É provável que as empresas e seus investidores estrangeiros comecem a conversar sobre possibilidades de aportes, assim que a MP for publicada no 'Diário Oficial da União', que dará mais segurança para essas discussões", afirmou Guilherme Amaral, especialista em direito aeronáutico da ASBZ Advogados.

Gabriela Moro, analista da Eleven Financial Research, disse que a conversão da medida provisória em lei permitirá que empresas estrangeiras façam aportes nas empresas brasileiras. "Primeiramente, é preciso saber se Gol e Azul têm interesse que esses acionistas ampliem suas participações e se as companhias também precisam de recursos adicionais", afirmou.

A dívida líquida da Gol no terceiro trimestre de 2018 alcançou R$ 5,54 bilhões, com alavancagem financeira em 3,2 vezes. Na Azul, a dívida líquida totalizou R$ 735,7 milhões no fim de setembro e a alavancagem financeira ficou em 4,2 vezes.

A Azul relatou estar preocupada com a aprovação da MP. "Por não haver equilíbrio de concorrência e reciprocidade entre as companhias aéreas brasileiras e estrangeiras, a Azul se posiciona contrária à proposta e sustenta que a ausência de contrapartidas não trará benefícios para as empresas aéreas do Brasil", informou a companhia em nota.

Na visão da Azul, uma empresa estrangeira poderia, por exemplo, transferir as aeronaves que atendem o país para outras regiões do mundo, causando desequilíbrio no mercado.

A edição da medida provisória pode ter efeitos também sobre o plano da Gol de incorporar a Smiles. A complexidade da operação, dizia a Gol, deriva principalmente da necessidade de combinar as exigências do Novo Mercado, no qual a Smiles é listada, ao limite de capital estrangeiro para companhias aéreas. Procurada, a Gol não quis comentar o assunto. Conforme o Valor apurou, a MP não deve gerar impacto direto sobre a reestruturação societária da Gol.

A Latam Airlines informou em nota que é favorável à abertura do mercado ao capital estrangeiro. "Esse é um setor que exige capital intensivo, e essa medida estimula o crescimento, gerando riqueza para o Brasil", informou em comunicado. Procurada, a Avianca Brasil, que está em recuperação judicial desde ontem, não quis comentar o assunto.

Para a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), a abertura ao capital estrangeiro favorece o surgimento de novos competidores. E o aumento da competição incentivará a inovação tecnológica, o aumento da quantidade de rotas ofertadas e a integração com rotas internacionais, a redução da tarifa aérea média paga pelo passageiro e a inclusão de maior parcela da sociedade no transporte aéreo.

A analista da Eleven Financial Research disse que a abertura do mercado possibilitará que estrangeiras, principalmente as de baixo custo, estabeleçam subsidiárias para fazerem voos domésticos. "Para isso, precisariam readequar suas tarifas para o mercado brasileiro. Estabelecer uma operação local requer bastante 'gordura' de caixa para queimar", afirmou.

A notícia animou investidores e as ações das aéreas subiram ontem na B3. As ações da Gol fecharam cotadas a R$ 22, em alta de 5,26%, a maior valorização do Ibovespa. As ações da Azul subiram 0,74%, para R$ 33,90.

Gestores ouvidos pelo Valor consideraram que o mercado reagiu com certo ceticismo em relação à MP, porque os efeitos dela serão limitados ao prazo de vigência da medida, de 60 dias.

Segundo um gestor de um grande fundo paulista que prefere não ser identificado, é questionável editar a MP em um contexto como o da Avianca. Por enquanto, os investidores dificilmente acreditam que o mercado será aberto de forma definitiva para 100% do capital estrangeiro. "Do ponto de vista da concorrência, é bom para os usuários, mas isso seria ainda pior para as empresas pela competição adicional em um ambiente já fragilizado", disse. (Colaboraram Graziella Valenti e Juliana Machado)