O globo, n. 31325, 13/05/2019. Economia, p.  17

 

Alívio no imposto de renda

Amanda Almeida

Martha Beck

Rennan Setti

Gabriel Martins

13/05/2019

 

 

 Recorte capturado

Bolsonaro promete corrigir tabela, mas impacto fiscal preocupa equipe econômica

O presidente Jair Bolsonaro prometeu ontem corrigir a tabela do Imposto de Renda (IR) pela inflação em 2020, o que não acontece desde 2015. Em entrevista à rádio Bandeirantes, ele disse já ter dado a orientação ao ministro da Economia, Paulo Guedes, e acrescentou ainda que, “se for possível”, quer ampliar o limite de gastos com saúde e educação que podem ser deduzidos do imposto. A correção elevaria as faixas de renda sobre as quais incidem as alíquotas do IR e, com isso, mais contribuintes ficariam isentos e outros pagariam menos. A declaração, no entanto, surpreendeu técnicos da equipe econômica, pois a medida levaria a uma queda na arrecadação num momento difícil das contas públicas. O governo já contingenciou R$ 29,8 bilhões do Orçamento deste ano, e a previsão é que o país tenha déficit fiscal até 2022.

— Hoje em dia, o Imposto de Renda é redutor de renda. Eu falei com o Paulo Guedes que, no mínimo, este ano, temos que corrigir, de acordo com a inflação, a tabela para o ano que vem — disse o presidente. — E, se for possível, ampliar aí o limite do desconto com educação e saúde. Isso é a orientação que eu dei para ele. Quero que ele cumpra. Orientação não é ordem. Mas pelo menos corrigir o Imposto de Renda pela inflação, isso, com certeza, vai sair.

Limite de isenção subiria

Procurados pelo GLOBO, integrantes do governo afirmaram que a correção da tabela do IR não estava no horizonte porque vai na contramão do ajuste das contas públicas. Isso porque reduziria a arrecadação num momento em que as receitas estão em queda livre com o fraco desempenho da economia e as despesas, subindo. No primeiro bimestre deste ano, a projeção de receitas em 2019 caiu R$26,1 bilhões e a de despesas subiu R$ 3,6 bilhões. Foi o que levou o governo a contingenciar quase R$ 30 bilhões no Orçamento. Um novo bloqueio está previsto para este mês.

—Não vejo espaço para uma correção da tabela neste momento. Este ano já não é mais possível, poisa arrecadação está caindo, e tivemos quefazer um contingenciamento. Se houver mais renúncia, será preciso cortar mais —disse um técnico do governo. —No ano que vem, até seria possível prever a correção da tabela colocando uma previsão para essa despe sana lei orçamentária. Mas não vejo como. A retomada da economia está lenta e o desequilíbrio fiscal ainda é muito grande.

Se a tabela do IR for corrigida ainda este ano, como sugeriu Bolsonaro, mesmo que para ter efeitos na declaração que será entregue em 2020, haveria perda de arrecadação desde já. Isso porque o imposto descontado do contribuinte na fonte, mensalmente na folha de pagamentos, seria menor.

Segundo o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Sindifisco Nacional), a falta de correção na tabela prejudica principalmente os contribuintes de menor renda, que poderiam estar na faixa de isenção, mas são tributa dosem 7,5% por causada defasagem. Paga imposto hoje quem ganha mais que R$ 1.903,98 mensais. Se fosse corrigi doem 2020 pela projeção de inflação de 4,04% para este ano do Boletim Focus, do Banco Central, esse limite subiria para R$ 1.980,90.

Segundo dados do S indi fisco, há uma defasagem acumulada de 95,46% desde 1996. Isso é resultado de vários anos de congelamento das faixas pelo governo para não perder arrecadação. As poucas correções concedidas não foram suficientes para compensaras perdas da renda coma inflação.

—Com o reajuste da tabela de IR, o contribuinte passará apagar menos e, consequentemente, o governo arrecadará menos. O que acredito é que o presidente está confiante que a reforma da Previdência será aprovada este ano. Desta forma, caso assim seja, em 2020 ele terá realmente como fazer estas medidas — avalia o economista Luiz Roberto Cunha, economista e professor da PUC/RJ.

A última correção da tabela, em 2015, variou entre 4,5% e 6,5%, dependendo da faixa de renda do contribuinte. Gerou, na época, perda de R$ 6 bilhões para os cofres públicos. Luiz Benedito, diretor do Sindifisco, diz que o impacto em 2020 seria menor, já que a inflação este ano deve ficar em torno de 4%. Para ele, a atualização das faixas no ano que vem pelo menos faria a defasagem parar de crescer.

Efeito na desigualdade

Para Margarida Gutierrez, especialista em contas públicas e professora do Coppead/UFRJ, a correção da tabela pela inflação de 2019 em 2020 teria um efeito neutro na carga tributária. Recuperar toda a defasagem poderia provocar maior perda de arrecadação:

—Os governos anteriores, ao não reajustara tabela, optaram por aumentara base do imposto. Ao querer fazer esse reajuste, o governo sinaliza quen ã ovai buscar aumentara arrecadação por meio desse tributo. Agora, ir além seria adotar uma política de menor arrecadação, e não há qualquer espaço fiscal para isso.

Atualmente, deduções com gastos de saúde não têm limite no Imposto de Renda. Já para as despesas com educação, é de R$ 3.561,50 por CPF. Entretanto, nem todos os procedimentos médicos e cursos são elegíveis. Aumentar os limites e o escopo, como defendeu Bolsonaro, também vai no sentido oposto a oque propõe a equipe econômica. Os técnicos e o próprio ministro Paulo Guedes têm defendido a redução das isenções fiscais que não têm demonstrado impactos econômicos.

Um estudo feito pelo então Ministério da Fazenda, no ano passado, apontou que as deduções de despesas com saúde e educação na declaração do Imposto de Renda chegam a aumentar a desigualdade ao beneficiar os contribuintes de maior renda, que têm despesas com escola particular e saúde privada para abater. Representam perda de R$ 20 bilhões para os cofres públicos em 2019 e ainda pioram o índice de Gini (indicador que mede a desigualdade de renda num país) em 0,5%.

Para o economista Raul Velloso, especialista em contas públicas, a correção é necessária, apesar do impacto fiscal:

— A base de incidência dos impostos evolui naturalmente porque a renda das pessoas sobe todo ano, ao menos acompanhando a inflação. Pela mesma lógica do aumento da renda, a tabela do IR também deve acompanhar a inflação.

Crescimento pode ajudar

Fabio Klein, analista de finanças públicas da Tendências Consultoria, pondera que, na atual situação fiscal, o Brasil não conseguirá um superávit primário antes de 2023, mas vê possibilidades de o governo acomodar o efeito da correção da tabela do IR:

— É claro que, quanto mais receita você tiver, melhor. Mas, se pensarmos em termos de meta para resultado primário e regra do teto de gastos, não há grande risco de descumprimento das duas este ano. Além disso, o reajuste da tabela está previsto para o ano que vem, quando, espera-se, a economia deve crescer mais do que em 2019, reduzindo o impacto fiscal da medida.

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Etanol da usina para o posto

13/05/2019

 

 

O presidente Jair Bolsonaro defendeu que usinas possam vender etanol diretamente para postos de combustíveis. Na mesma entrevista à rádio, disse que a medida reduziria o preço do álcool nas bombas com redução dos custos logísticos.

> No entanto, para o presidente da Associação Nacional das Distribuidoras de Combustíveis (Plural), Leonardo Gadotti, o fim da intermediação das distribuidoras pode prejudicar a arrecadação de impostos.

> — Não é que eu seja contra a venda direta, mas há uma questão tributária que antecede essa discussão. Como está hoje, a proposta não funciona e é inadmissível. O Brasil perde com isso — diz Gadotti.

> Segundo Gadotti, ICMS e PIS/ Cofins incidem nas usinas e nas distribuidoras. Sem a distribuição, diz, parte do imposto não é arrecadado.

> Não é a primeira vez que essa medida entra em discussão. Em dezembro de 2018, a Agência Nacional do Petróleo (ANP) afirmou, em nota técnica, que não existem bases regulatórias legais que impeçam a comercialização direta do álcool das usinas para os postos de combustíveis. Antes, em maio de 2018, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) havia divulgado um estudo indicando a negociação direta entre produtores de álcool e postos de gasolina como uma forma de aumentar a eficiência econômica.

> O GLOBO não conseguiu contato com as associações de usinas e dos postos.