Valor econômico, v.19 , n. 4652 , 18/12/2018. Política, p. A7

 

Bolsonaristas fecham o cerco a Renan Calheiros.

 

 

 

Vandson Lima 

18/12/2018

 

 

Senadores simpáticos ao presidente eleito Jair Bolsonaro e interlocutores dele fecharam o cerco para tentar impedir que Renan Calheiros (MDB-AL) volte, pela quinta vez, ao comando do Senado.

A estratégia passa, principalmente, por evitar que Renan possa disputar a Presidência da Casa em um sistema de votação secreta e sem necessidade de obter maioria absoluta dos votos - 41 dos 81 senadores. Nesse cenário, mesmo seus opositores avaliam que a vitória do emedebista seria praticamente certa.

Em que pesem as polêmicas e os problemas com a Justiça, Renan é visto pela maioria da Casa como garantia de um Senado forte, independente em relação ao Palácio do Planalto e protagonista das grandes questões nacionais - características ausentes nos últimos dois anos, onde, sob a gestão de Eunício Oliveira (MDB-CE), o Senado se tornou secundário diante da ascensão da Câmara dos Deputados, capitaneada por Rodrigo Maia (DEM-RJ). É este ponto que leva senadores, como José Serra (PSDB-AL), a declarar abertamente apoio à volta de Renan.

Para diminuir as chances do senador alagoano, dois bolsonaristas de primeira hora - Lasier Martins (PSD-RS) e Ronaldo Caiado (DEM-GO) - entraram com questionamentos em diferentes diversas. Lasier ingressou com um mandado de segurança, assinado pelo jurista Modesto Carvalhosa, no Supremo Tribunal Federal (STF), para que a eleição do próximo presidente do Senado seja feita com voto aberto. O mandado já foi distribuído e o relator será o ministro Marco Aurélio Mello.

Lasier argumenta que a Constituição não faz referência ao voto secreto nas votações do Poder Legislativo. A eventual mudança no Senado, contudo, afetaria também a eleição na Câmara, onde o voto é igualmente fechado. A outra alternativa buscada pelo parlamentar gaúcho foi apresentar um projeto para mudar apenas o regimento do Senado. No entanto, a proposta foi parar na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), presidida por um insuspeito aliado de Renan Calheiros - o senador Edison Lobão (MDB-MA).

O embate foi levado ao plenário e rendeu um bate-boca dos mais tensos. Renan desceu o nível e afirmou que Lasier "bate em mulher", em referência à denúncia de agressão apresentada pela ex-esposa do senador. "Se isso for levado a ferro e fogo, ele vai ter de se submeter à análise do Conselho de Ética. Lá não tem sigilo de voto", tripudiou Renan. Visivelmente constrangido, Lasier lembrou que a denúncia foi arquivada por falta de provas.

Eleito governador de Goiás e frequentador assíduo do gabinete de transição de Bolsonaro, Ronaldo Caiado deixará o Senado a partir de 2019. Mas antes obteve uma vitória para aqueles que querem Renan longe da chefia do Legislativo. Em uma questão de ordem apresentada semana passada, pediu esclarecimentos sobre o artigo 60 do Regimento Interno do Senado, que diz que "a eleição dos membros da Mesa será feita em escrutínio secreto, exigida maioria de votos, presente a maioria da composição do Senado". Tal redação daria a entender que o presidente poderia ser eleito por maioria simples, desde que houvesse 41 senadores presentes.

A questão nunca havia sido considerada porque, nos anos anteriores, o presidente sempre foi eleito ou por acordo ou em uma disputa com apenas dois nomes. "O cenário que se desenha para o ano que vem é o da possibilidade de múltiplas candidaturas, impulsionadas por um quadro de fragmentação partidária jamais experimentada pelo Senado, que terá seus membros divididos em 21 partidos", argumentou Caiado. A questão de fundo, claro, era possibilidade de, em meio a várias candidaturas, Renan angariar algo entre 20 e 30 votos (que seus aliados dizem que ele já tem garantidos) e levar o pleito.

A decisão coube a Eunício, que chancelou que o próximo presidente necessariamente terá de obter 41 votos ou mais.

Um dia antes, o futuro ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, foi a almoço do PSDB organizado por Tasso Jereissati (CE). Ao anfitrião, Onyx sinalizou que o novo governo é simpático à sua candidatura, caso ele se consolide como o nome anti-Renan. Tasso, por sua vez, fez chegar à bancada do MDB o recado: ele desiste de ser candidato, caso a sigla indique um nome para a presidência do Legislativo em detrimento de Renan Calheiros - o da líder da bancada, Simone Tebet (MS) seria uma possibilidade.

Os movimentos bolsonaristas no Senado vieram em contraponto às denúncias contra o primogênito do presidente eleito, Flávio, que será senador e vinha encampando a batalha contra Renan. A leitura na Casa foi que, com Flávio Bolsonaro enfraquecido, o caminho de Calheiros tenderia a se pavimentar se outros senadores não agissem.

Já Renan segue sua articulação como de hábito: não confirma nem desmente a candidatura. Aos pares, prega a necessidade de um Senado independente, mas faz aproximações cuidadosas com a próxima gestão - foi após um jantar com Calheiros que Paulo Guedes, futuro ministro da Economia, passou a recuar da ideia de negociar a votação da cessão onerosa ainda este ano.

Mais ativo do que nunca nas redes sociais, de onde ataca do Judiciário a seus opositores, Renan se meteu em polêmicas recentes, como ao defender o médium João de Deus, denunciado por supostos abusos sexuais a mais de 330 mulheres. "O João de Deus deve sim ser investigado. Jamais prejulgado, porque ele é um patrimônio nosso, da espiritualidade, da cura e da crença", justificou.

Sobre seus concorrentes, o emedebista faz bravata, dizendo que ganha de Tasso até dentro do PSDB. Uma análise da nova composição da bancada mostra que não é bem assim. Dos 8 senadores que a sigla terá a partir de 2019, pelo menos cinco são ou bolsonaristas convictos, como Mara Gabrilli (SP), ou anti-Renan, como Rodrigo Cunha, conterrâneo de do senador e integrante do grupo político que faz oposição aos Calheiros em Alagoas.