O globo, n. 31324, 12/05/2019. País, p. 11

 

Ex-secretário relata pressão para favorecer J&F

Aguirre Talento

12/05/2019

 

 

Polícia Federal diz que novas provas corroboram relatos de delatores de que tucano Aécio Neves prometeu interceder no governo de Minas Gerais com favores financeiros ao grupo empresarial; envolvidos negam acusações

A Polícia Federal (PF) obteve novas provas na investigação sigilosa da suposta atuação ilícita do deputado federal Aécio Neves (PSDB-MG) em favor da J&F, que controla a JBS. A principal é o depoimento de um ex-secretário adjunto do governo de Antonio Anastasia (PSDB), que contou ter recebido pressão para resolver demandas da JBS na gestão estadual no ano de 2014. Para a PF, o relato corrobora a delação premiada dos executivos do grupo, que relataram terem obtido a promessa de Aécio Neves de interferir junto ao governo estadual em troca do repasse de R$ 110 milhões para sua campanha presidencial naquele ano, que incluía valores para a compra do apoio de partidos.

Pedro Meneguetti, que foi o número dois da Receita estadual do governo Anastasia, prestou depoimento no último dia 30 de janeiro ao delegado Bernardo Guidali Amaral, responsável pela Operação Ross. Confrontado com as declarações dos delatores Ricardo Saud e Valdir Boni, da J&F, Meneguetti revelou detalhes inéditos sobre a influência deles no governo mineiro.

O ex-secretário afirma que, no ano de 2014, participou de uma reunião do então secretário da Casa Civil, Danilo de Castro, com Saud e outros representantes da JBS, na sede do governo. “Durante a conversa com Ricardo Saud, este se identificou como executivo da JBS e disse que tinha algumas pendências da empresa a serem resolvidas e que ele já havia conversado com Danilo de Castro sobre elas”, afirmou Meneguetti.

Saud era o lobista do grupo J&F, responsável pela interlocução com políticos e por acertos de propina. Ricardo Saud diz que, em março de 2014, se encontrou com Danilo de Castro em um comitê de Aécio e lhe entregou uma documentação sobre um pleito de créditos tributários junto ao governo de Minas. Posteriormente foi, então, marcada uma conversa com Anastasia para tratar do assunto, afirma o delator.

Segundo o depoimento do ex-secretário Pedro Meneguetti, Danilo de Castro levou adiante o pleito da JBS no governo de Minas. Primeiro, recebeu Saud na sede do governo para tratar do assunto. Em seguida, telefonou a Meneguetti pedindo para “resolver o problema”. “Alguns dias depois dessa reunião, o declarante (Meneguetti) recebeu uma ligação de Danilo de Castro solicitando que recebesse a pessoa de Valdir Boni, representante do grupo JBS, uma vez que ele teria pendências com créditos tributários acumulados, e verificasse o que poderia ser feito para resolver ‘o problema dele’”, revelou no depoimento à PF. Esse novo encontro, segundo o depoimento, foi justamente na antessala de Danilo de Castro.

Em seu relato, Pedro Meneguetti contou ter se irritado com a conversa. Valdir Boni pediu sua interferência para reverter um parecer técnico que indeferiu o pedido de crédito tributário do grupo J&F. “O declarante então se levantou da cadeira e repetiu que a legislação não autorizava as transferências”, afirmou. O grupo J&F pedia créditos tributários ao governo mineiro no valor total de R$ 24 milhões.

O ex-secretário da Receita Pedro Meneguetti afirma que só houve a liberação de R$5,6 milhões para a J&F, em agosto de 2014, e que o processo seguiu critérios técnicos, tendo sido solicitado no ano anterior. Os demais pedidos foram indeferidos. Meneguetti disse ainda que não conhecia Aécio e que não recebeu telefonema dele para tratar do assunto.

Outro lado

Procurada, a defesa de Aécio diz que as conclusões da PF “não guardam relação com os fatos apurados” eque as observações do relatório policial“estão claramente equivocadas, pois divergem do que disseram as próprias testemunhas”. Afirma ainda que o depoimento de Meneguetti demonstra que não houve interferência de Aécio eque os créditos não foram liberados. “Vale lembrar que, em outro depoimento, o também delator Ricardo Saud afirmou que ‘Aécio nunca fez nada por nós’, o que joga por terra as falsas acusações feitas com o objetivo de manutenção dos privilégios de sua delação”, diz a defesa.

Por meio de sua assessoria, o senador Anastasia afirmou que“nunca tratou de qualquer assunto ilícito com ninguém” eque durante sua gestão estadual“sempre determinou que os secretários e agentes políticos agissem de maneira proba”. O ex-secretário Danilo de Castro afirma que não se recorda da reunião, mas que recebeu “diversas pessoas no exercício da função” e que assuntos foram tratados “de forma republicana”.