O globo, n. 31323, 11/05/2019. País, p. 6

 

Congresso freia decreto das armas

Eduardo Bresciani

Amanda Almeida

Daniela Pereira

André de Souza

Thiago Herdy

11/05/2019

 

 

 Recorte capturado

Câmara e Senado veem ilegalidades no texto; STF pede explicações a governo

O decreto que facilitou a concessão de porte e liberou a importação de armas corre o risco de ser alterado ou até mesmo anulado pelo Congresso. Câmara e Senado reagiram ontem ao ato editado esta semana pelo presidente Jair Bolsonaro, apontando ilegalidades na ampliação, sem aval do Legislativo, das categorias profissionais que podem ter acesso ao porte. Numa ação protocolada pela Rede Sustentabilidade questionando a constitucionalidade do decreto, a ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), deu cinco dias para o governo dar explicações sobre o texto. Um parecer elaborado pela Secretaria-Geral da Câmara afirma que é ilegal o decreto que ampliou o porte de armas para cerca de 20 categorias. O documento, publicado ontem, deve subsidiar a análise da Casa sobre o tema. O parecer diz que as mudanças feitas por Bolsonaro contrariam dispositivos previstos em lei e, portanto, não poderiam ser feitas apenas por decreto. O Senado também produziu um documento sobre o tema — nele, está escrito que Bolsonaro “extrapolou” seus poderes com a medida. Segundo a nota técnica, o parágrafo do decreto que lista 20 categorias que têm o direito de andar armadas é o “mais sensível, no que diz respeito à extrapolação do poder regulamentar”.

A lei violada é o Estatuto do Desarmamento, segundo a análise. É ele quem estabelece as regras de porte. Assim, na visão da área técnica da Câmara, apenas outra lei poderia fazer tais alterações. De acordo com o parecer, ao enquadrar 20 categorias entre os que automaticamente tem “efetiva necessidade” de andar armados o decreto avançou sobre a lei.

“A lei é clara no sentido de que deve haver a demonstração efetiva da necessidade do porte, devendo cada caso concreto ser analisado pelo órgão competente”, afirma o parecer, assinado pelo secretário geral da Mesa, Leonardo Augusto de Andrade Barbosa. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, avaliou que, se o governo não recuar em alguns pontos, o decreto será derrubado no Congresso: — O governo deveria manter o que cabe como regulamentação (do Estatuto), e aquilo que é força de lei, recue, para que não precisemos derrubar o decreto.

Bolsonaro comenta

Outro ponto questionado é a extensão do porte a todos os praças das Forças Armadas. O parecer ressalta que a lei diz expressamente que o porte aos praças é “com as restrições impostas pela respectiva força armada”. Assim, o decreto não poderia ter feito a ampliação da previsão, que caberia a cada força. Também é questionado o fato de o decreto tratar de porte de arma sem impor um limite temporal nem territorial, outra medida que contraria o Estatuto do Desarmamento.

Em Foz do Iguaçu, Bolsonaro disse que, “se for inconstitucional , (o decreto) tem que deixar de existir”: — Não estamos fazendo nada mais do que o povo quis em 2005. E estamos dentro do limite da lei. Se for inconstitucional, tem que deixar de existir. Quem vai dar a palavra final é o plenário da Câmara ou a Justiça.

Ao falar sobre o mérito da proposta, Bolsonaro não mostrou disposição em recuar: — Não cedemos, não recuamos diante daqueles que sempre se dizem especialistas em segurança, mas se alguém jogar um traque de São João perto dele, caem no chão — discursou o presidente, em outra agenda do dia, em Curitiba.

No STF, a ministra Rosa Weber deu prazo de cinco dias para o presidente da República explicar seu decreto. Ela é a relatora da ação protocolada pelo partido Rede. A ministra deve aguardar a resposta antes de decidir se suspende ou não de forma liminar o decreto. (*Especial para o GLOBO).

“O governo deveria recuar naquilo que é força de lei, para que não precisemos derrubar o decreto”

Rodrigo Maia, presidente da Câmara

“Estamos dentro da lei. Se for inconstitucional, tem que deixar de existir. Quem dará a palavra final é a Câmara ou a Justiça”

Jair Bolsonaro, presidente da República

Legenda da foto: Reação. A Câmara, presidida por Rodrigo Maia, e o Senado, por Davi Alcolumbre devem promover alterações no decreto de Jair Bolsonaro que ampliou o acesso ao porte de armas. Para o corpo técnico das casas, há ilegalidades no texto

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Para especialistas, decreto trata exceção como regra

Marlen Couto

11/05/2019

 

 

Advogados dizem que alcance do texto é inferior ao de uma lei, como o Estatuto do Desarmamento

Advogados constitucionalistas ouvidos pelo GLOBO concordam com os pareceres das áreas técnicas da Câmara e do Senado sobre a ampliação do porte de armas prevista no decreto do presidente Jair Bolsonaro. A avaliação é de que as mudanças propostas pelo governo — entre elas considerar já cumprida a “efetiva necessidade” de andar armado para 20 categorias — não poderiam ocorrer apenas por decreto.

O professor de Direito da Uerj Rodrigo Brandão ressalta que um decreto presidencial é inferior a uma lei. Para ele, o texto editado pelo chefe do Executivo até pode regulamentar, esclarecer ou concretizar uma lei, mas deve respeitar seus limites: —A premissa do estatuto é que o porte de arma é perigoso. Então deve se restringir a situações de clara necessidade, pelo risco de atividade profissional ou à integridade física. O próprio nome sugere a excepcionalidade do porte, é o Estatuto do Desarmamento. O decreto é uma violação ao espírito da lei. Michael Mohallem, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV Direito Rio), também afirma que o poder do decreto presidencial é limitado e serve exclusivamente para regulamentar detalhes do conteúdo de uma lei. Para ele, no caso da ampliação do porte de armas, o decreto expandiu aspectos que são reservados à competência da lei.

— A lei dá parâmetros e, dentro desse espaço, o decreto pode atuar. O Estatuto do Desarmamento trata a posse e o porte de armas como exceções. Com o decreto, há uma inversão, trata-se o porte como regra, ampliase de modo que não poderia ser feito por decreto. Essa discussão já foi feita no primeiro decreto (que ampliou a posse de armas) e agora está mais explícita —analisa o professor. — Há proibições da Constituição contra o uso excessivo de armas pela população, princípios no sentido da paz e exclusividade da força pela polícia e pelo Exército, por exemplo.

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Bancada da bala defende ampliação de porte

Tiago Aguiar

Guilherme Caetano

11/05/2019

 

 

Deputados dizem que contestações feitas por partidos vão solucionar dúvidas jurídicas

Parlamentares da chamada “bancada da bala” avaliam que o decreto que flexibiliza a posse e o porte de armas assinado deve passar por alterações no Congresso. Segundo integrantes da bancada, o assunto deve ter uma série de debates até que entre em vigor, possivelmente com modificações.

Um dos deputados federais que comemoravam ao lado do presidente Jair Bolsonari a assinatura do decreto, Marcel Van Hattem (Novo-RS) disse que sua própria assessoria está debruçada sobre cada um dos pontos do decreto. —Claro que a medida, por meio de decreto, terá discussão. A nossa assessoria mesmo está avaliando e não temos um parecer técnico do Novo — diz Marcel, que avalia que a medida de Bolsonaro, ao menos, “coloca a discussão na ordem do dia”. — Todos nós ali defendemos que seja garantido o direito de defesa do cidadão, mas não há necessariamente consenso sobre o regramento —reitera Marcel. O deputado Capitão Augusto, presidente da Frente Parlamentar da Segurança Pública, minimizou o prazo de cinco dias dado pela ministra do STF Rosa Weber ao presidente Jair Bolsonaro para que explique o decreto. — A questão da ministra é válida, assim como a preocupação de várias outras categorias. Os partidos políticos estão judicializando, entrando com ação. Para nós, é ótimo, para que não paire nenhuma dúvida jurídica na hora que passar a valer de fato —disse o deputado. O deputado Delegado Waldir, líder do PSL na Câmara, diz que a orientação é aguardar a resposta do STF. —Com certeza na Câmara e Senado teremos reações na defesa do decreto — avalia o deputado. A Secretaria-Geral da Câmara afirmou que o decreto é ilegal. Segundo o parecer, as mudanças feitas por Bolsonaro contrariam dispositivos legais e não poderiam ser feitas por decreto.