O globo, n. 31322, 10/05/2019. País, p. 4

 

Governo perde votação sobre COAF

Bruno Góes

Natália Portinari

Karla Gamba

Marco Grillo

10/05/2019

 

 

Centrão e oposição formam maioria em comissão para tirar órgão de Moro

Numa derrota para o governo Jair Bolsonaro e para o ministro da Justiça, Sergio Moro, a comissão especial do Congresso que analisa a reforma administrativa do Executivo decidiu transferir o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf )para o Ministério da Economia. O governo propõe que ele permaneça na pasta da Justiça, sob o comando de Moro. O grupo que venceu a votação por 14 a 11 reuniu deputados e senadores de partidos do centrão e da oposição.

A Medida Provisória que trata do tema ainda será analisada nos plenários da Câmara e do Senado, e há o risco de que todas as mudanças feitas pela gestão atual, inclusive a redução no número de ministérios, sejam derrubadas caso o Congresso não conclua a análise até 3 de junho.

Horas depois da votação na comissão especial, Moro alterou sua agenda e foi a uma cerimônia na sede do próprio Coaf. Ao lado do presidente do conselho, Roberto Leonel, o ministro afirmou que sua intenção é fortalecer a estrutura do órgão. Ele minimizou o resultado da votação e falou em “política de Estado”:

—A intenção de trazer para o Ministério da Justiça sempre foi a de fortalecer o Coaf. Houve uma decisão não muito favorável a essa proposta do governo, mas, independentemente do que aconteça, podem ter certeza que a política de governo vai ser sempre de fortalecimento desse órgão. Não é política do Ministério da Justiça ou do governo, na verdade, é política de Estado.

MP no fim da fila

O governo ainda pretende reverter o resultado nas votações dos plenários da Câmara e do Senado, como declarou o presidente Bolsonaro durante transmissão pela internet, ontem à noite:

— A gente espera que o plenário da Câmara e do Senado mantenha o Coaf lá com o Ministério da Justiça nas mãos do ministro Sergio Moro, porque (o Coaf) é uma ferramenta muito forte para combater a lavagem de dinheiro, corrupção, entre outras medidas.

Pouco antes, o porta-voz da Presidência, Rêgo Barros, disse que o governo vai “analisar as possibilidades” para manter a posição expressada por Bolsonaro ou “adequarse à decisão” do Congresso.

A manutenção do Coaf com Moro foi uma briga comprada pelo Planalto já sabendo o risco da derrota. Relator da proposta, o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), chegou a abrir negociação sobre o tema, mas foi desautorizado. Por fim, centrão e oposição se uniram, chegaram até a realizar trocas de integrantes da comissão especial e impuseram a derrota ao Executivo. De quebra, aprovaram outra emenda delegando à pasta de Moro a demarcação de terras indígenas, mantendo essa área na estrutura da Fundação Nacional do Índio (Funai).

Moro tentou uma articulação direta com parlamentares e até conseguiu um voto inclusive na oposição, do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP). Mas não foi capaz de dobrar os principais líderes da Câmara.

O principal argumento do ministro é que, mantido na pasta da Justiça, o Coaf fortalecerá o combate à corrupção. Moro promete ainda dobrar, para quase 70, o número de integrantes do órgão até o fim do ano. Parlamentares, porém, destacaram que o Coaf sempre esteve subordinado à área econômica e mesmo assim colaborou com investigações. Há ainda um temor de que Moro possa ganhar superpoderes ao ter o controle total da área.

Reverter a derrota em plenário não será tarefa fácil para o governo. Houve ontem uma tentativa de acelerar a tramitação do proposta e votá-lo no plenário da Câmara já na tarde de ontem. O presidente da Casa, Rodrigo Maia, porém, adiou os planos ao definir que a MP da reforma administrativa entrará no fim da fila de outras cinco medidas provisórias que trancam a pauta da Câmara. Com isso o governo terá de trabalhar contra o tempo para aprovado a MP até 3 de junho.

Maia minimizou a transferência do Coaf e fez questão de elogiar o ministro Paulo Guedes (Economia), que pode passar a ser o responsável pela área.

— Mais importante é que ninguém está mexendo no Coaf. Continua com as atribuições garantidas. Paulo Guedes é um homem com a mesma seriedade dos outros ministros do governo. O Coaf não acaba, e suas atribuições não são diminuídas —disse Maia.

Obstáculos para Moro no início do governo

Os decretos sobre posse e porte de arma

O ministro nunca defendeu a política de flexibilização de desarmamento, sempre ressaltando ser essa uma bandeira do presidente Jair Bolsonaro. No decreto sobre a posse de armas, em janeiro, foi derrotado nos debates internos sobre o texto, como na tentativa de maior restrição ao número de armas para cada cidadão. Agora, evitou defender o decreto sobre o porte, e disse que a medida não tem relação com política de segurança pública.

Caso Ilona Szabó

Moro convidou a cientista política Ilona Szabó para uma vaga de suplente no Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciário. Mas foi obrigado a retirar o convite, por ordem de Bolsonaro, devido à pressão nas redes sociais de apoiadores do presidente contra a pesquisadora.

Pacote anticrime

Principal projeto de Moro no governo, o pacote é sua grande aposta no governo, mas está tramitando no Congresso de forma mais lenta do que o ministro gostaria. A ideia era que o tema tramitasse em paralelo com a reforma da Previdência, mas está andando mais devagar. O ministro chegou a brigar publicamente com Maia, para quem o pacote apresentado pelo ministro era um “copia e cola” da proposta do ministro do STF Alexandre de Moraes. Maia e Moro se acertaram depois, mas o pacote segue estacionado no grupo de trabalho que analisa a questão.

Funai

O relatório aprovado ontem indica transferir à pasta da Justiça a responsabilidade sobre a Funai, e com ela a atribuição de comandar os processos de demarcações. Moro não deseja que seu ministério fique com este tema, um dos mais complexos do governo, que terá de lidar com mais de 50 decisões judiciais favoráveis a demarcações, enquanto Bolsonaro promete não entregar novas áreas a indígenas.

_________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Derrotas retratam fracasso da estratégia política do Planalto

Paulo Celso Pereira

10/05/2019

 

 

Tradicionalmente, há após as eleições um período de trégua entre o governo que chega ao poder e a oposição derrotada nas urnas. É nesse hiato de alguns meses que o vencedor realiza duas tarefas centrais para conseguir governar adequadamente nos quatro anos seguintes: organiza a estrutura administrativa do Executivo e monta uma base que lhe garanta maioria no Legislativo. Após sagrar-se vitorioso em outubro, Jair Bolsonaro realizou a primeira parte do trabalho, promovendo uma ampla e polêmica reformulação de ministérios, mas deliberadamente ignorou a segunda etapa do serviço.

As consequências são evidentes desde o início de fevereiro. A reforma da Previdência, principal pauta do governo, demorou dois meses para ser aprovada na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, quando o plano inicial era que não ficasse lá mais de duas semanas.

Ontem, o Planalto assistiu inerte a uma confluência de novas derrotas. O centrão, que apoia todos os governos desde a redemocratização, aliou-se à oposição e aprovou a retirada do Coaf da alçada do ministro Sérgio Moro. Além disso, devolveu a política de demarcação de territórios indígenas para a Funai, que deve voltar ao Ministério da Justiça.

O ministro quer o inverso: ficar com o controle das movimentações financeiras e se livrar da administração da complexa pauta indígena. As alterações aprovadas ontem ainda precisam passar pelo plenário da Câmara e do Senado, mas o parlamento parece surdo aos apelos governamentais. É real o risco inclusive de a MP não ser aprovada até 3 de junho, o que implicaria na derrubada de toda a reforma administrativa. Neste caso, Bolsonaro precisaria reestruturar a Esplanada do zero ou aceitar governar com o modelo deixado por Michel Temer.

A incapacidade do Planalto em dar andamento no Congresso às pautas mais simples de sua gestão são consequência do fracasso na forma de articulação política escolhida pelo presidente. Ainda durante a campanha, Bolsonaro anunciou que montaria sua base parlamentar a partir de um heterodoxo modelo de aliança com bancadas temáticas. A ideia era tão simples quanto desconectada da realidade: ele buscaria evangélicos, ruralistas e a bancada da bala e teria maioria no Congresso.

Esses grupos, no entanto, não tem unidade ao analisar quaisquer temas que não aqueles específicos de sua agenda temática. Se restava dúvida quanto a isso no Planalto, não deve haver mais. Ontem, líderes da bancada evangélica avisaram que lutarão pela derrubada do decreto que promove o libera-geral para o porte e posse de armas.