O globo, n. 31322, 10/05/2019. País, p. 8

 

Temer é preso pela segunda vez e fica na PF de São Paulo

Dimitrius Dantas

10/05/2019

 

 

Pedido de liberdade do ex-presidente deverá ser julgado na terça-feira. Coronel Lima também volta para prisão preventiva

Um mês emeio depois de ser solto após ficar preso por quatro dias, o ex-presidente Michel Temer voltou ontem para a cadeia. Acusado de chefiar uma organização criminosa que teria recebido R$ 1,091 milhão em propina nas obras da usina nuclear Angra 3, operada pela Eletronuclear, Temer foi levado para a Superintendência da Polícia Federal, em São Paulo, onde ficará ao menos até terça-feira, quando o Superior Tribunal de Justiça (STJ) julga novo pedido de liberdade.

A decisão para que ele voltasse a ser preso foi do Tribunal Regional Federal( TRF -2), tomada anteontem. A Justiça, no entanto, determinou que Temer poderia se entregar até às 17h de ontem. No meio na tarde, acompanhado de advogados e seguranças, o ex-presidente seguiu dentro de um carro com vidros escurecidos para PF. A defesa pediu, então, para que ele não fosse levado para o Rio, como aconteceu na primeira vez.

O desembargador Abel Gomes, presidente da Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2), acatou o pedido da defesa. Temer foi denunciado pelo Ministério Público pelos crimes de corrupção, peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa.

Anteontem, ao defender a nova prisão de Temer, Gomes justificou:

— Tudo aqui, desde o início, tem rabo de jacaré, pele de jacaré e boca de jacaré – não pode ser um coelho branco — disse, referindo-se ao ex-presidente e Lima: —O que se trata é de reiterada violação, lesão, abalo, dúvida, estímulo, mau exemplo.

Ao pedir a prisão preventiva contra Temer, a juíza Caroline Figueiredo, da 7ª Vara Federal Criminal do Rio, havia decidido consultar o TRF-2 sobre a solicitação para que o emedebista ficasse preso na capital paulista. Em sua manifestação, Gomes entendeu que não haveria necessidade de transferir o ex-presidente para o Rio, uma vez que sua família é de São Paulo e que ele já depôs à PF da capital fluminense ao ser preso preventivamente em março.

“Conforme já observou a magistrada, a legislação recomenda em regra, a manutenção do custodiado (definitiva ou provisória) e carceragem no local de seu domicílio, de modo que Sua Excelência não só pode como deve autorizar o recolhimento de Michel Miguel Elias Temer Lulia e João Baptista Lima Filho desta forma”, escreveu Gomes em seu parecer.

O coronel João Baptista Lima Filho, amigo de Temer, é dono da Argeplan, empresa envolvida no esquema da Eletrobras. Assim como o ex-presidente,Lima foi preso 45 dias atrás, mas conseguiu um habeas corpus. Ontem, policiais estiveram em sua casa. Ele também segui upara a PF. Temere Lima tiveram seus habeas corpus revogados pela Primeira Turma do TRF-2 na noite de quarta-feira.

O ministro Antonio Saldanha Palheiro, do Superior Tribunal de Justiça( STJ ),que a Sexta Turma da Corte julgará só na terçafeira o pedido de habeas corpus do ex-presidente. Relator do habeas corpus, Saldanha Palheiro poderia ter concedido decisão liminar individualmente, mas, ao analisara complexidade doca soe para respeita ruma tradição da Sexta Turma, decidiu levara discussão para julgamento em conjunto com seus colegas na próxima sessão do colegiado.

Caso urgente

A inclusão na pauta depende do presidente da turma, o ministro Nefi Cordeiro, mas a previsão é que o caso seja apreciado, devido à sua urgência. Nos bastidores do STJ, ministros citam fragilidades no decreto de prisão preventiva e apontam expectativa de que seja concedida a liberdade do emedebista.

Além de Saldanha, a Sexta Turma é composta pelos ministros Nefi Cordeiro (presidente), Laurita Vaz, Sebastião Reis e Rogério Schietti.

Defesa faz críticas

O advogado de Temer, Eduardo Carnelós, criticou a decisão dos desembargadores, afirmando que a prisão do ex-presidente é ilegal injusta e cruel.

Embora respeite a posição dos desembargadores, eu deles divirjo, e veementemente. Não há fundamentos para a prisão. É ilegal injusta e cruel —disse.

Carnelós afirmou que Temer “mostra indignação própria de quem é vítima de injustiça”.

—(Temer) confia muito no Judiciário e sabe que às vezes é necessário transpor alguns degraus para se obter uma posição justa —declarou.

A defesa de coronel Lima não se pronunciou.

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STF valida indulto para crimes do colarinho branco

Carolina Brígido

10/05/2019

 

 

Benefício está previsto em decreto editado por Temer no Natal de 2017; texto é considerado o mais generoso em 30 anos

O Supremo Tribunal Federal (STF) declarou ontem que o presidente da República pode conceder indulto a presos com a regra que considerar mais conveniente. Com essa premissa, a Corte devolveu a validade do indulto de Natal editado pelo ex-presidente Michel Temer em 2017, suspenso por liminar do tribunal. O decreto é considerado o mais generoso dos últimos 30 anos. Agora, poderão ser libertados condenados a crimes do colarinho branco, desde que preencham os requisitos do decreto.

Pela norma, têm direito ao perdão judicial e à liberdade quem tivesse cumprido, em dezembro de 2017, apenas um quinto da pena total para réus não reincidentes, e um terço para reincidentes. A regra vale para qualquer pena, desde que o crime não tenha sido cometido com violência. A libertação não é automática. A partir da decisão, as defesas dos presos precisarão pleitear o benefício nas varas de execução penal.

Ao fim do julgamento, houve discussão acalorada entre os ministros em plenário. Depois de Alexandre de Moraes e Ricardo Lewandowski, que votaram com a maioria, explicarem que agora o indulto de Temer tinha retomado a validade, Luiz Fux, que defendeu a restrição da norma:

—Isso quer dizer que aqueles absurdos valem agora.

—Absurdo na ótica de vossa excelência — respondeu Marco Aurélio.

— Como relator, esclareço que o Supremo está decidindo que é legitimo o indulto concedido, seja para condenados a pena de quatro ano ou 30 anos de prisão, inclusive pelos crimes de peculato, corrupção, tráfico de influência, lavagem de dinheiro e organização criminosa — declarou Luís Roberto Barroso.

— Alinha duraé aguerrida, e muito aguerrida—observou Marco Aurélio.

— Não podemos ingressar no mérito se é bom ou ruim, seé absurdo ouse nãoé absurdo, issoéprerrog ativado presidente da República — esclareceu Lewandowski.

Segundo a Defensoria Pública da União (DPU), apenas um réu na Lava-Jato receberia o benefício: o ex-deputado Luiz Argolo, condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Em abril, ele deixou a cadeia e está agora em liberdade condicional. Entre as restrições impostas ao réu estão a obrigação dese apresentar à Justiça acada 90 dias, não mudar de domicílio sem comunicação prévia e não usar bebidas alcoólicas. Com o indulto, ele fica livre dessas restrições. Se o decreto não tivesse sido suspenso, ele já poderia ter deixado o regime fechado em dezembro de 2017.

A DPU não tem levantamento de quantos presos podem ser beneficiados. Como já se passou mais de um ano da edição da norma, muitos detentos podem ter sido libertados recentemente, por já terem cumprido o mínimo da pena exigido por lei.

Logo após editado o decreto de Temer, Barroso deu liminar restringindo o alcance da norma, para retirar o benefício de condenados por corrupção. O julgamento sobre a legalidade do decreto começou em novembro do ano passado, quando seis dos 11 ministros da Corte votaram pela legitimidade do indulto. Mesmo já havendo maioria, não houve decisão, porque um pedido de vista de Fux adiou a conclusão. Fux votou pela nulidade do decreto.

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Carta branca para o presidente

Carolina Brígido

10/05/2019

 

 

A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre indulto tem dois impactos aparentemente díspares. O primeiro é o efeito prático mais imediato: volta a valer o decreto editado pelo ex-presidente Michel Temer em 2017. Considerado o mais abrangente dos últimos 30 anos, o decreto concede perdão a presos que passaram apenas um quinto da pena na cadeia. O benefício inclui condenados por crimes do colarinho branco —como corrupção, peculato e lavagem de dinheiro.

Entretanto, ao tomar a decisão, a maioria dos ministros da Corte declarou ter votado dessa forma não por endossar a impunidade; mas por considerar que a concessão do indulto é uma prerrogativa exclusiva do presidente da República, seja qual for o ocupante do Palácio do Planalto. Segundo os ministros, as regras do decreto são escolhidas pelo mandatário. Ele tem, inclusive, o direito de não conceder indulto algum.

Essa decisão dá carta branca ao presidente Jair Bolsonaro. Na campanha eleitoral, ele declarou que não daria esse benefício a presos. Em janeiro, iniciou o mandato com essa convicção. Apesar de relutar, Bolsonaro acabou convencido por sua equipe a editar um decreto em fevereiro deste ano. A intenção foi conter o aumento da violência dentro e fora de presídios, agravada pela decisão de Temer de não conceder indulto em dezembro do ano passado.

No entanto, o perdão de Bolsonaro foi muito diferente do decreto que Temer editou em 2017. O atual presidente perdoou um grupo restrito de presos —entre eles, deficientes e doentes graves. Deixou na cadeia condenados por crime do colarinho branco. O recado é claro: se for para conceder indulto, será com regras bastante comedidas.

Com o aval do STF para fazer o que quiser no próximo Natal, o presidente poderá, inclusive, colocar seu plano inicial em ação. Em 9 de outubro do ano passado, quando ainda era candidato, ele disse, em entrevista à rádio Jovem Pan: “Eu prefiro a cadeia cheia de bandidos que o cemitério cheio de inocentes”.