O globo, n. 31321, 09/05/2019. País, p. 6

 

Entrevista - José Ricardo Bandeira: ‘Beira o absurdo liberar certos calibres a todos’

José Ricardo Bandeira

Bernardo Mello

09/05/2019

 

 

Para o presidente do Instituto de Criminalística e Ciências Policiais (Inscrim) da América Latina, José Ricardo Bandeira, “beira o absurdo” incluir equipamentos como as pistolas .40 e 9mm na classificação de armas com uso permitido para cidadãos comuns. A nova lista, estabelecida em decreto pelo presidente Jair Bolsonaro , alargou o limite que leva um armamento a ser classificado como de uso restrito a membros de forças policiais e de segurança.

Pela resolução até então em vigor, a energia na saída do cano deveria ficar abaixo de 407 joules para a arma ser considerada de uso permitido. Com a redação do novo decreto, o limite passa para 1.620 joules. A nova definição engloba praticamente todos os tipos de armas de fogo curtas. Já equipamentos automáticos ou que não possam ser disparados apenas com uma das mãos, como fuzis, seguem sendo de uso restrito.

Qual é o impacto da mudança nas armas que antes eram de uso restrito?

Esse tipo de arma era restrita porque é muito mais letal. O disparo de 9mm, por exemplo, é de alta potência e perfurante. O objetivo não é apenas o impacto, e sim perfurar o alvo. Essas armas podem matar mesmo quando não acertam pontos vitais do corpo humano. Podem causar um estrago enorme em área urbana, em caso de bala perdida.

Estamos falando de que tipo de armas?

O calibre permitido costumava ir até o .38. As pistolas de calibre .40 já ficavam restritas a policiais, não podiam ser portadas por civis. Elas devem se aproximar mais dessa faixa de 1.620 joules estabelecida no decreto. Você tem também o calibre.45, que é adotado em armas de competição, usadas por atiradores esportivos. Um atirador cadastrado pelo Exército já podia usar esse tipo de arma. Agora, as outras categorias contempladas no decreto poderão pleitear o porte.

O cidadão comum está preparado para usar esses equipamentos?

Para o cidadão comum, beira o absurdo liberar esse tipo de calibre. Exige um treinamento, uma especialização que ele não vai ter. Dependendo do preparo físico, uma pessoa não consegue executar dois ou três disparos seguidos com segurança usando uma arma de calibre .45, por exemplo. Por conta do recuo, ou “coice” que ela dá, a sua direção muda. Você precisa treinar exaustivamente.

Quanto tempo de treinamento seria o ideal para esse tipo de arma?

No mínimo ir ao estande de tiro uma vez por mês. No mundo ideal, prática de tiro semanal. E não basta acertar o alvo. São necessários outros fundamentos, como o saque da arma, de forma rápida e segura, a postura, a visada, uma série de coisas. Exigiria no mínimo quatro a cinco horas em um estande de tiro, pelo menos uma vez por mês. Digamos que ele efetue 100 disparos. Dependendo do lugar e do calibre, pode ser que cada munição seja encontrada a um custo de R$ 10. É um investimento caro.

O decreto autoriza o uso de armas pessoais por policiais em serviço. Como vê isso?

O uso da arma pessoal presume que ela é legalmente registrada, antes de mais nada. Acredito que isso otimiza o trabalho do policial, porque ele conhece o equipamento, sabe os detalhes de cada disparo. É diferente de pegar uma arma no quartel, que às vezes você nem sabe se dispara ou não. Na minha opinião, ao dar a opção de que ele escolha a arma a que melhor se adaptou, é um avanço.

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Armas de uso restrito ficam liberadas 

Francisco Leali

09/05/2019

 

 

 Recorte capturado

Quem tem porte poderá usar calibres quem eram exclusivos das forças de segurança

O decreto editado pelo presidente Jair Bolsonaro libera qualquer pessoa que tenha permissão para porte a ter armas que antes eram de uso restrito das Forças Armadas e policiais. Segundo a nova definição estabelecida pelo governo, armas de fogo classificadas como “curtas” e que usem munição comum, como as pistolas .40, .45 e 9mm, podem ser compradas e carregadas por todos os cidadãos com porte. Até agora, essas armas estavam listadas em regulamento do Exército como de uso restrito, ou seja, apenas algumas poucas categorias profissionais poderiam portá-las.

A alteração feita no decreto estabelece uma nova especificação técnica para definir o que é uma arma de uso restrito e o que é uma arma de uso permitido. Até agora, segundo definição estabelecida por norma do Exército em 2000, poderia ser considerada de uso restrito a arma de cano curto que disparasse projétil com energia de lançamento acima de 407 joules. No novo decreto, arma de uso permitido é aquela que dispara um projétil com energia de lançamento de até 1.620 joules.

Segundo o Instituto Sou da Paz, essa definição já considera como arma de uso permitido a pistola .40, .45 e 9mm. Mas a lista de armas que deixaram de ser restritas pode ser ainda mais ampliada.

—Essa mudança subverte a lógica de controle até aqui. Pressupunha-se que as polícias e Forças Armadas teriam que ter poder de fogo maior do que qualquer pessoa. Agora, a mudança coloca em risco as forças de segurança que vão se deparar com armas de maior poderio —disse Bruno Langeani, do Instituto Sou da Paz.

Ele afirma que a mudança em relação à definição do conceito de arma permitida ou restrita também poderá dificultar o controle da fiscalização. Há especialistas que alertam ainda para o fato de que o uso de armas mais potentes requer um treinamento maior, o que nem sempre é o caso de cidadão comuns.

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Nos EUA, estados miram porte para ter mais controle

Henrique Gomes Batista

09/05/2019

 

 

Restrições pelo país incluem obrigatoriedade de cursos e de registros; tema deve ser pauta das próximas eleições presidenciais

O direito às armas é considerado por muitos algo quase sagrado nos Estados Unidos, previsto na famosa Segunda Emenda constitucional. Mas nem por isso deixa de ser polêmico e deve, mais uma vez, ser um dos temas das eleições presidenciais de 2020. Enquanto isso, muitos estados tentam controlar a circulação de armas com regras mais rígidas para o porte.

Cerca de 40% dos americanos possuem uma pistola ou rifle em casa. No país, há mais armas de fogo que automóveis — são estimadas cerca de 300 milhões atualmente, sendo 26 milhões de novas armas vendidas apenas no ano passado.

Para adquirir um armamento, há apenas a necessidade genérica de uma consulta a antecedentes criminais, mas sem a obrigatoriedade de uma licença ou um cadastro nacional de proprietários. No caso de compra de segunda mão, em muitos estados, sequer há a necessidade desta consulta. Assim, a maneira encontrada por estados que tentam controlar a circulação de armas é estabelecer regras para o porte. Há estados que criam a necessidade para que as pessoas tenham o chamado porte oculto, em que a arma não pode ser vista, criando a obrigatoriedade de cursos e de registros. Isso tem sido combatido por organizações pró-armas.

Por outro lado, cresceu nos últimos anos a defesa do porte aberto, situação em que a arma é exibida a todos. Esta maneira de carregar as armas é vista pelos defensores do armamento como uma forma de reafirmar sua cultura e não deixar que novas restrições às armas avancem no país.

Após a chacina da escola de Parkland, em fevereiro do ano passado, quando um ex-estudante matou 17 pessoas (a maior parte adolescentes), o estado da Flórida aprovou uma lei que permite aos professores portar armas. O presidente Donald Trump defende a medida como forma de tornar as escolas mais seguras.

Recentemente, a Suprema Corte indicou que vai analisar, a partir de outubro, a constitucionalidade de uma lei da cidade de Nova York que permite o porte de armas carregadas apenas a pessoas que estejam em trânsito para os sete clubes de tiros da cidade. Com uma nova maioria conservadora na corte, este pode ser o primeiro de uma série de julgamentos que tendem a reduzir restrições sobre porte de armas em diversos estados.