Correio braziliense, n. 20436, 04/05/2019. Mundo, p. 12

 

Apelo aos militares

Rodrigo Craveiro

04/05/2019

 

 

O presidente autoproclamado da Venezuela, Juan Guaidó, e o Grupo de Lima lançaram um apelo aos militares do país para que deixem de apoiar o regime de Nicolás Maduro. Guaidó anunciou que os opositores ao Palácio de Miraflores tentarão entregar um manifesto, hoje, nas principais unidades militares da nação. “De maneira pacífica, civilizada (...) vamos entregar um documento simples, um manifesto às Forças Armadas para que ouçam o chamado venezuelano, que é possível uma transição rápida para gerar eleições livres”, disse Guaidó em entrevista coletiva. Ele também convocou uma “mobilização nacional para a paz”, a partir das 10h de hoje (11h em Brasília), e afirmou que “continuar nas ruas é a única maneira de manter a atenção, a pressão, a ação da comunidade internacional, estimular a atuação constitucional das Forças Armadas e demonstrar aos que ainda respaldam o ditador que não existirá estabilidade enquanto seguir a usurpação”. Por sua vez, o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, sugeriu que somente a debilitação da Força Armada Nacional Bolivariana (Fanb) pode levar à mudança de regime.
Ao fim de uma reunião em caráter de urgência, o Grupo de Lima divulgou declaração final de 15 pontos, nos quais reafirma o pleno respaldo às ações empreendidas pelo povo venezuelano sob a liderança de Guaidó para restabelecer o Estado de direito; condena energicamente a repressão do “regime ilegítimo e ditatorial de Maduro”; insta os membros da Fanb a cumprirem o mandato constitucional e cessar o apoio cúmplice ao “regime ilegítimo”; exorta a ONU a tomar “medidas inequívocas de proteção encaminhadas para mitigar as consequências da crise humanitária”.
O Grupo de Lima também decidiu convidar Cuba e o Grupo de Contato Internacional (GCI) a participarem de maneira conjunta de uma solução para o impasse na Venezuela. Ontem, o ministro da Defesa venezuelano, Vladimir Padrino López, admitiu que recebeu uma oferta, em dinheiro, dos EUA para derrubar Maduro. “Quiseram me comprar como se eu fosse um mercenário. Dá muita indignação que me tentem comprar com uma oferta da boca para fora”, disse, ao assegurar que rejeitou a proposta. 
Leopoldo López
Em Madri, o chanceler da Espanha, Josep Borell, alertou ontem que Leopoldo López — líder da oposição venezuelana abrigado na residência oficial do embaixador espanhol em Caracas — não deve transformar a sede diplomática em “centro de ativismo político”. Quase ao mesmo tempo em que o comunicado de Borell era divulgado, López reunia a imprensa e assegurava que “mais movimentos no setor militar ocorrerão contra Maduro”.
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, telefonou ontem para o homólogo russo, Vladimir Putin, para analisarem a situação na Venezuela. De acordo com Sarah Sanders, porta-voz da Casa Branca, durante a ligação, Trump deixou claro que “os Estados Unidos estão com o povo da Venezuela”. Ela classificou a conversa de “muito boa” e o intercâmbio de “no geral muito positivo”.
Em cerimônia para marcar o Dia do Diplomata, no Palácio do Itamaraty, Bolsonaro alertou: “Se não enfraquecer o Exército da Venezuela, o Maduro não cai”. “Não temos que conversar com ele (Maduro); o que nós queremos, no meu entender, ele não vai ceder”, acrescentou. Maristela Basso, professora de direito internacional e comparado da Universidade de São Paulo (USP), considera correto o raciocínio de Bolsonaro. “Só existe uma maneira de debilitar a Força Armada Nacional Bolivariana (Fanb): os militares desertarem e se associarem ao grupo de Guaidó, o que me parece bem difícil. A alternativa que tenho defendido é o Tribunal Penal Internacional (TPI) emitir mandados de prisão contra Maduro e seus principais aliados militares, incluindo o ministro da Defesa (Vladimir Padrino López)”, explicou ao Correio.
Para a especialista, uma intervenção militar somente ocorrerá na Venezuela se os ânimos entre os presidentes Donald Trump (EUA) e Vladimir Putin (Rússia) se acirrarem. “Neste caso, veremos uma nova Síria na América Latina. E o jogo de interesse deixará de ser a Venezuela e sua crise humanitária para se tornar nova Guerra Fria entre Washington e Moscou.” Basso crê que Guaidó não tem mais opções para derrubar Maduro. “Ele fez um voo de galinha planejado de forma precipitada e quase irresponsável. Agora, é voltar para casa e se preparar melhor”, disse.
“Se não enfraquecer o Exército da Venezuela, o Maduro não cai”
Jair Bolsonaro, presidente brasileiro
“Não estamos pedindo que os militares se ponham do meu lado. Estamos lhes pedindo que se coloquem do lado do povo, de seu país, do lado da Constituição. (…) Isso se trata de todos, da vida”
Juan Guaidó, presidente autoproclamado da Venezuela
Disparos, perseguição e apoio do Exército
Tiros na fronteira
Na tarde de ontem, cidadãos que atravessavam a Ponte Internacional Simón Bolívar, na fronteira entre Venezuela e Colômbia, foram surpreendidos por disparos provenientes de uma das trilhas alternativas para cruzar a divisa. Em vídeo difundido pelas redes sociais, civis e militares colombianos apareciam deitados sobre a ponte, enquanto se escutava o tiroteio. Uma jornalista do El Nacional afirmou que os tiros teriam partido de colectivos (grupos armados leais ao regime de Nicolás Maduro).
Deputado será ulgado por traição
“Prefiro não falar agora. Tenho de esperar os próximos passos do governo. Não é conveniente”, afirmou ao Correio Edgar Zambrano, primeiro-vice-presidente da Assembleia Nacional da Venezuela. Pouco antes, o Tribunal Supremo de Justiça anunciou que julgará Zambrano pelos delitos de traição à Pátria, conspiração, instigação à insurreição, rebelião civil, usurpação de funções, instigação pública à desobedinência das leis e ódio continuado.
Maduro prega ealdade da caserna
O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, publicou um vídeo no Twitter, no qual tentou transmitir a ideia de que se beneficia da lealdade dos militares. “Os soldados e as soldadas de nossa gloriosa Força Armada Nacional Bolivariana são um exemplo histórico de patriotismo e consequente lealdade à Pátria. Levam, em seus genes, a estirpe dos gigantes: (Simón) Bolívar e (Hugo) Chávez. Leais, sempre! Traidores, nunca!”, declarou Maduro.
Eu acho...
“Desde alguns meses atrás, temos militares em rebelião. Muitos foram presos e seguem 
detidos. Existe um ambiente de instabilidade e de protesto nos quartéis. Eu ratifico minha 
confiança em Juan Guaidó como o responsável por essa causa que defendemos.”
Antonio Ledezma, prefeito de Caracas e preso político foragido e exilado em Madri