O globo, n. 31321, 09/05/2019. Economia, p. 17

 

Governo opta por debate mais direto

Marcello Corrêa

Geralda Doca

09/05/2019

 

 

 Recorte capturado

Na Comissão Especial, Guedes reforça discurso de combate a privilégios

Mais articulado e auxiliado pela base aliada, o governo conseguiu avançar no debate sobre a reforma da Previdência ontem na Comissão Especial que analisa o texto na Câmara dos Deputados. Durante mais de oito horas, o ministro da Economia, Paulo Guedes, respondeu a questionamentos de parlamentares, recorreu à ajuda de técnicos da equipe econômica e buscou reforçar o discurso de que o projeto combate privilégios e reduz desigualdades. Dados como o de que os 15% mais ricos acumulam 47% da renda previdenciária foram usados para exemplificar o desequilíbrio do sistema atual.

—A velha Previdência é uma fábrica de privilégios —destacou Guedes.

Segundo o ministro, o atual sistema está condenado, pois hoje o país conta com sete jovens para cada idoso. Em 2060, a proporção será de 2,35 por aposentado.

Guedes disse ainda que a reforma vai recuperara capacidade do governo de investir em outras áreas e falou diversas vezes que o país está indo para um “buraco fiscal”:

— Gastamos aproximadamente R$ 450 bilhões só este ano. Isso é sete vezes mais do que gastamos com educação, que é o futuro. Quatro vezes mais do que gastamos com saúde. Três vezes mais do que com saúde, educação e segurança somados. Passa de 50% dos gastos públicos federais.

A estratégia de focar mais na proposta e menos no ministro, no entanto, não eliminou a tensão da reunião e, em alguns momentos, Guedes acabou batendo boca. No momento mais crítico, chegou a dizer que, “depois de seis horas” de reunião, era hora da baixaria. A atuação do presidente da Comissão Especial, Marcelo Ramos (PR-AM) foi decisiva para evitar maiores tumultos.

Um mês depois da audiência na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) que acabou em confusão, o encontro de ontem foi mais direto e centrado nos números-chaves da proposta. Guedes foi beneficiado por um acordo que definiu que parlamentares favoráveis e contrários à reformas e alternariam nas perguntas. Isso evitou que o ministro fosse bombardeado por críticas em se quência, como na CCJ.

Ataque de 'favorecidos'

Ao defender a reforma, Guedes repetiu os pontos em que tem focado nos últimos meses. Afirmou que o desequilíbrio fiscal é o responsável por uma armadilha de baixo crescimento, argumentou que o sistema atual promove desigualdades e fez um apelo para que os parlamentares mantenham o impacto fiscal de ao menos R$ 1 trilhão para que seja possível criar gradualmente um sistema de capitalização para a próxima geração de trabalhadores. No novo regime, cada um contribuiria para a própria poupança, com a garanti ade recebera o menos um salário mínimo —um modelo considerado mais sustentável pela equipe econômica.

Uma das críticas mais frequentes dos opositores foi em relação ao impacto da reforma sobre os mais pobres. Segundo as projeções do governo, a reforma vai gera ruma economia de R$ 1,2 trilhão ao longo dos próximos dez anos. Desse total, R$ 807,9 bilhões são referentes a mudanças no regime do INSS, em que estão os menores salários. Outros R$ 224,5 bilhões virão do aperto sobre o sistemados servidores, que recebem mais. A oposição alegou que o dado mostra que a reforma afeta os mais pobres.

Guedes e equipe rebateram essa tese, afirmando que a economia maior é no INSS porque o sistema tem mais trabalhadores: são 71,3 milhões de pessoas, contra só 1,4 milhão de funcionários públicos. Assim, o impacto por pessoano regi medos servidores é de R$ 157 mil, quase 14 vezes a economia por beneficiário do INSS (R$ 11,3 mil).

O ministro relativizou ainda as mudanças no Benefício de Prestação Continuada (BPC), pago a idosos pobres, e afirmou que o ataque à medida é feito por “favorecidos”:

—Os mais favorecidos se escondem atrás da assistência social e dizem que essa reforma é para prejudicar os menos assistidos, quando é o contrário. Foram gastos R$100 milhões em propaganda dos mais favorecidos, usando os menos favorecidos como um escudo.

O debate técnico foi interrompido por alguns momentos de tensão. Primeiro, o deputado Ivan Valente (PSOL-SP) afirmou que o ministro incorria em crime de responsabilidade por não ter apresentado detalhes sobre o regime de capitalização e chegou a exibir um cheque em branco gigante no nome de Guedes. A menção a uma investigação sobre supostas fraudes em fundos de pensão irritou o ministro.

—Estou sendo ameaçado de crime de responsabilidade, estão entrando no Google para pegar coisas minhas. Já estou compreendendo um pouco mais como funciona a Casa. Não vou reagir nem a ameaça nema ofensa—disse Guedes.

O ministro, porém, acirrou a discussão ao atacar o deputado José Guimarães (PT-CE). Ao responder uma pergunta sua, citou o caso dos dólares na cueca flagrados com um assessor do parlamentar, no auge do escândalo do mensalão.

—Também se eu googlar dinheiro na cueca, vai aparecer coisa, né? Depois de seis horas abaixaria começa, né? É o padrão da casa, né? Ofensa… Já entendi o padrão — disse o ministro, provocando indignação no plenário.

“Gastamos R$ 450 bi só este ano. Isso é sete vezes mais do que gastamos com educação, que é o futuro. Três vezes mais do que com saúde, educação e segurança somados”

Paulo Guedes, ministro da Economia

“Os mais favorecidos se escondem atrás da assistência social e dizem que essa reforma é para prejudicar os menos assistidos, quando é o contrário”

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Exemplos e mais didatismo em nova estratégia

Marcello Corrêa

Martha Beck

09/05/2019

 

 

A equipe econômica chegou à Câmara para debatera reformada Previdência na Comissão Especial comum anova estratégia para angariar votos em favor da proposta. O foco hoje foi mostrar os números da reforma de uma maneira mais didática e com um vocabulário mais afável aos deputados. Exemplos como “uma empregada doméstica só se aposenta dez anos depois da patroa” e “um operário só se aposenta depois do dono da obra” perpassaram a apresentação de 40 minutos feita pelo secretário de Previdência, Rogério Marinho, logo no início da audiência.

—A lógica aqui é a seguinte: os mais pobres se aposentam, em média, dez anos depois que os mais ricos. Eu escutei uma palestra do (Paulo) Tafner (especialista em Previdência) em que ele fazia uma figura de linguagem que dizia o seguinte: no Brasil, as empregadas domésticas se aposentam dez anos depois da patroa. O peão de obra, dez anos depois do proprietário da obra. Então, esse é um sistema injusto. O que estamos propondo é que todos tenham as mesmas regras e as mesmas condições dentro de um processo de transição, INSS e regime próprio —disse Marinho.

O ministro Paulo Guedes, que terminou sua última passagem no Congresso para discutir a reforma com tumulto e bate-boca, deu espaço para que Marinho, que é deputado e fala a mesma língua dos parlamentares, apresentar os números. Marinho colocou lado a lado num slide o valor médio das principais aposentadorias do serviço público e do INSS. Nela, o dado apontou que a aposentadoria média do poder Legislativo é de R$ 9,2 mil, enquanto a do trabalhador do INSS, de R$ 1.371.

O governo recorreu a frases de quatro ex-presidentes, incluindo Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, para mostrar que a necessidade de mudanças no regime de aposentadorias é apartidária. Marinho, apresentou cinco citações de mandatários em defesa da reforma. O secretário da Previdência leu as frases sem dizer de quem eram as declarações. Depois, revelou os autores.

Uma delas, atribuída a Lula, diz: “Acho que a Previdência, de vez em quando, deve ser reformada. Na medida que é provado cientificamente a nossa longevidade, a gente não pode ficar com a mesma lei feita há 50 anos”. Frases com o mesmo teor de Dilma, Fernando Henrique Cardoso, Michel Temer e do próprio Bolsonaro também foram citadas.

A apresentação mostrou de forma clara, ainda, o efeito que a reforma terá sobre a vida das pessoas. Em 2019, os gastos com Previdência e Assistência Social somarão R$ 903 bilhões. Ao mesmo tempo, os investimentos públicos ficarão em R$ 35 bilhões.

—Quem mora em qualquer cidade ou estado sabe que tem péssima saúde pública, segurança, educação, investimento em manutenção e infraestrutura. Temos que ter recursos para fazer frente a essas despesas —disse Marinho.

O governo conseguiu incluir no documento até uma pesquisa publicada ontem mesmo pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) que mostra que 59% dos brasileiros concordam com a necessidade de reforma da Previdência.

Marinho bateu na tecla de que o atual regime é insustentável e injusto, favorecendo os mais ricos. Segundo os dados apresentados pelo secretário, a média de idade das aposentadorias por tempo de contribuição no país é de 54,22 anos. Já os mais pobres, que se aposentam majoritariamente por idade, dão entrada no benefício aos 65,5 anos, no caso dos homens, e aos 61,5 anos, no das mulheres.